Art. 2 — Se o hábito é uma
determinada espécie de qualidade.
(De
Virtut., q. 1, a. 1).
O
segundo discute-se assim. — Parece que o hábito não é uma determinada espécie
de qualidade.
1. — Pois, como já se disse 1, o hábito, como qualidade, é uma disposição pela qual o sujeito fica bem ou mal disposto. Ora, isto dá-se em virtude de uma certa qualidade, assim pela figura, pelo calor, pelo frio e por outros modos semelhantes é que um ser fica bem ou mal disposto. Logo, o hábito não é uma determinada espécie de qualidade.
2.
Demais — O Filósofo diz que a calidez e a frieza são disposições ou hábitos,
como a doença e a saúde 2. Ora, o calor e o frio pertencem à
terceira espécie de qualidade. Logo, o hábito ou disposição não se distingue
das outras espécies de qualidade.
3.
Demais — Ser dificilmente mutável não é uma diferença pertencente ao género da
qualidade, mas antes, ao movimento ou paixão. Ora, nenhum género se determina,
relativamente à espécie, pela diferença de outro género, mas é preciso que
aquela se aplique, por si mesma, a este, como diz o Filósofo 3.
Logo, chamando-se ao hábito uma qualidade dificilmente mutável, resulta que não
é uma espécie determinada de qualidade.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo, que uma espécie de qualidade é o hábito e a
disposição 4.
Entre as quatro espécies de qualidade, o Filósofo considera como primeira a
disposição e o hábito 5. E Simplício explica as diferenças dessas
espécies, dizendo que algumas qualidades existentes num sujeito por natureza e
sempre, são naturais, outras porém, oriundas de uma causa extrínseca, e que
podem ser perdidas, chamam-se adventícias. E estas últimas, as adventícias, são
hábitos e disposições diferentes entre si por se poderem perder, umas, fácil e
outras, dificilmente. Por outro lado, das qualidades naturais umas referem-se
ao que é potencial, e tal é o caso da segunda espécie de qualidade. Outras ao
que é actua, e isto, profunda ou superficialmente, no primeiro caso, temos a
terceira espécie de qualidade, no segundo, a quarta, como a figura, a forma,
que é a figura do ser animado 6. — Mas esta distinção das espécies
de qualidade é inadmissível. Pois, há muitas figuras e qualidades patíveis, não
naturais, mas adventícias, e muitas disposições não adventícias, mas naturais,
como a saúde, a beleza e outras. E além disso, essa distinção não convém à
ordem das espécies, pois sempre o natural tem prioridade.
Donde,
devemos explicar de outro modo a distinção entre as disposições e os hábitos, e
as outras qualidades. Pois, propriamente, a qualidade implica um certo modo da
substância. Ora, o modo é, no dizer de Agostinho, prefixado pela medida 7,
e portanto implica uma certa determinação de conformidade com alguma medida. Donde,
assim como aquilo pelo que é determinada a potência da matéria, no seu ser
substancial, se chama qualidade, que é uma diferença da substância, assim, o
que determina a potência do sujeito, no seu ser acidental, chama-se qualidade
acidental, que também é uma certa diferença, como se vê claramente no Filósofo 8.
Ora, o modo ou determinação do sujeito no seu ser acidental, pode ser
considerado ou em relação à própria natureza do sujeito, ou relativamente à acção
e à paixão resultantes dos princípios da natureza, que são a matéria e a forma,
ou em relação à quantidade. — Se, pois, considerarmos o modo ou a determinação
do sujeito, relativamente à quantidade, vem ele a ser a quarta espécie de
qualidade. E como a quantidade, por essência, não é dotada de movimento e nem
implica as noções de bem e de mal, não pertence à quarta espécie da qualidade
dispor alguma coisa bem ou mal nem fazer com que ela seja rápida ou lentamente
mutável. — Por outro lado, o modo ou a determinação do sujeito, quanto à acção
e à paixão, constitui a segunda ou a terceira espécie de qualidade. E por isso,
numa e noutra se considera o fazer-se alguma coisa fácil ou dificilmente, ou o
mudar-se rápida ou diuturnamente, não se considera porém, no caso vertente,
nada que implica a noção de bem ou de mal, porque o movimento e a paixão, ao
contrário do bem e do mal, não implicam a noção de fim. — O modo, finalmente, e
a determinação do sujeito em relação à natureza da causa, pertence à primeira
espécie de qualidade, que é o hábito e a disposição. Pois, diz o Filósofo,
tratando dos hábitos da alma e do corpo, que eles são certas disposições, do
que é perfeito, para o que é ótimo, e denomino perfeito o que é disposto de
conformidade com a natureza 9. E como a forma em si mesma e a
natureza da coisa é o fim e a causa pela qual alguma causa é feita 10,
como diz Aristóteles, por isso, na primeira espécie, incluímos o bem e o mal, e
também o que é fácil e dificilmente mutável, de conformidade com o que numa
determinada natureza é o fim da geração e do movimento. Por isso, o Filósofo
define o hábito como uma disposição que nos torna bem ou mal dispostos 11,
e diz mais que pelos hábitos é que nos havemos bem ou mal, relativamente às
paixões 12. Assim pois, o modo conveniente à natureza de uma coisa é
por essência bom, e é mau por essência o que lhe não convém. E como a natureza
é primariamente considerada, nas coisas, o hábito é tido como a primeira
espécie de qualidade.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A disposição implica uma certa ordem, como já
dissemos 13. E por isso não dizemos que alguém é disposto pela
qualidade, senão em relação a alguma coisa. E se acrescentarmos bem ou mal, o
que implica a noção de hábito, é necessário que levemos em conta a ordem para a
natureza, que é o fim. Donde, não dizemos que alguém é bem ou mal disposto,
pela figura, ou pelo calor ou frio, senão relativamente à ordem para a natureza
da coisa, de cuja ordem depende a conveniência ou inconveniência. E por isso as
próprias figuras e as qualidades passíveis, consideradas como convenientes ou inconvenientes
à natureza da coisa, pertencem aos hábitos ou disposições. Pois, enquanto convenientes
à natureza da coisa, a figura e a cor se incluem na beleza, o calor e o frio,
na saúde. E deste modo a calidez e a frigidez o Filósofo inclui-as na primeira
espécie de qualidade.
Donde
se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO embora outros a resolvam
diversamente, como diz Simplício 14.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A diferença — dificilmente mutável — não diversifica o hábito,
das outras espécies de qualidade, mas da disposição, que pode ser tomada em
dupla acepção. Ou como um género do hábito, pois Aristóteles a inclui na
definição deste 15, ou como constituindo uma divisão oposta ao
hábito. E podemos entender que a disposição propriamente dita constitui uma
divisão oposta ao hábito, de modo duplo. Como o perfeito e o imperfeito,
incluímos na mesma espécie, e então, por uma denominação comum, chamaremos
disposição ou que existe num sujeito imperfeitamente, de maneira a poder ser
perdido facilmente, e hábito ao que no sujeito existe perfeitamente, de maneira
que não possa ser facilmente perdido, e assim a disposição se transforma em
hábito, como a criança em adulto. De outro modo, podem ser distinguidos como
espécies diversas de um género subalterno, e então chamaremos disposições às
qualidades da primeira espécie que podem, por natureza, perder-se facilmente porque
têm causas mutáveis, como a doença e a saúde. E reservamos o nome de hábitos para
as qualidades, que por natureza não podem ser facilmente mutáveis, por terem
causas imóveis, como as ciências e as virtudes, e neste sentido a disposição
não pode vir a ser um hábito. Esta doutrina parece estar mais de acordo com a
intenção de Aristóteles. Por isso, para provar tal distinção, apoia-se no uso
comum de falar, pelo qual as qualidades por natureza, facilmente mutáveis se chamam
hábitos quando, por qualquer acidente, vêm a sê-lo dificilmente, e o inverso dá-se
com as qualidades dificilmente mutáveis, por natureza, assim, quem tiver a
ciência tão imperfeitamente que possa facilmente perdê-la, antes o consideramos
como disposto para a ciência do que como possuidor dela. Donde é claro que o
nome de hábito implica uma certa diuturnidade, o que se não dá com a disposição.
E nada impede que, neste sentido, o ser fácil e dificilmente mutável sejam
diferenças específicas, por pertencerem à paixão e ao movimento e não, ao género
da qualidade. Pois, essas diferenças, embora sejam acidentais relativamente à
qualidade, designam contudo, diferenças próprias, e em si mesmas, das qualidades,
assim como também, no género da substância, admitimos frequentemente diferenças
acidentais, em lugar das substanciais, enquanto que, por elas, são designados
os princípios essenciais.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
Q. 49, a. 1.
2.
Praedicam. (cap. VI).
3. VII Metaph. (lect. XII).
4. Praedicam. (loc. cit.).
5. Praedicam. (ibid).
6. Comment. Praedicament.
(ibidem).
7. IV Super Gen. ad litt (cap.
III).
8. V Metaph. (lect. XVI).
9. VII Physic. (lect. V).
10. II Physic. (lect. XI).
11. V Metaph. (lect. XX).
12. II Ethic. (lect. V).
13. Q. 49, a. 1, 3.
14. Comment. Praedicam. (loc.
cit).
15. V Metaph. (lect. VI).
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