Em
seguida devemos tratar da diminuição e da corrupção dos hábitos.
E
sobre esta questão três artigos se discutem:
Art.
1 — Se o hábito pode perder-se.
Art.
2 — Se o hábito pode diminuir.
Art.
3 — Se o hábito se destrói ou diminui só pelo cessar da actividade.
Art. 1 — Se o hábito pode
perder-se.
(I,
q. 89, a. 5).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que o hábito não pode perder-se.
1.
— Pois, o hábito é uma como uma segunda natureza, sendo por isso que as acções
habituais são deleitáveis. Ora, a natureza não se perde, enquanto permanece o
ser a que ela pertence. Logo, também o hábito não se pode perder enquanto
permanecer o sujeito.
2.
Demais — Toda desaparição da forma se dá ou pela alteração do sujeito, ou pela
presença da forma contrária, assim, a doença desaparece com a corrupção da
natureza animal ou com a superveniência da saúde. Ora, a ciência, que é um
hábito, não pode desaparecer com a alteração do sujeito, porque o intelecto,
que é o sujeito, é uma substância e não se corrompe, como já se disse 1.
E semelhantemente também não pode desaparecer por nenhum contrário, pois as
espécies inteligíveis não são contrárias entre si, como já se disse 2.
Logo, o hábito da ciência não pode desaparecer de nenhum modo.
3.
Demais — Toda alteração implica algum movimento. Ora, o hábito da ciência,
existente na alma, não pode desaparecer por um movimento próprio da própria alma,
porque esta não é movida em si mesma. E só o é acidentalmente pelo movimento do
corpo. Ora, nenhuma alteração corpórea pode desvanecer as espécies inteligíveis
existentes no intelecto, pois que é o lugar das espécies, sem corpo, donde se
conclui que nem pelos sentidos e nem pela morte os hábitos se podem perder.
Logo, o hábito da ciência não se pode perder. E por conseguinte, nem o da
virtude, também existente na alma racional, e, como diz o Filósofo, as virtudes
são mais permanentes que as disciplinas 3.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo que o esquecimento e o engano são perdas da
ciência 4. Ora, quem peca perde o hábito da virtude. E por actos
contrários é que as virtudes se geram e corrompem, com já se disse 5.
Dizemos que uma forma é eliminada absolutamente, pela sua contrária, e
acidentalmente, pela corrupção do seu sujeito. Se, portanto, existir algum
hábito cujo sujeito seja corruptível, e cuja causa tenha um contrário, esse
poderá perder-se, dos dois modos, segundo bem o manifestam os hábitos corpóreos
como a saúde e a doença. Os hábitos porém, cujo sujeito é incorruptível, não
podem perder-se acidentalmente. Há contudo certos hábitos que, embora
existentes principalmente num sujeito incorruptível, existem, secundariamente,
num corruptível. Assim, o hábito da ciência existe, principalmente, no
intelecto possível e, secundariamente, nas potências apreensivas sensitivas,
como já dissemos 6. Donde, por parte do intelecto possível o hábito
da ciência não pode perder-se acidentalmente, senão só por parte das potências
sensitivas inferiores.
Por
isso devemos examinar se esses hábitos podem, em si mesmos, perder-se. Porque,
se houver um hábito que tenha algum contrário, ou por si mesmo ou em virtude da
sua causa, esse poderá, em si mesmo, perder-se, não o poderá porém, se não
tiver contrário. — Ora, é manifesto que a espécie inteligível existente no
intelecto possível não tem nenhum contrário, como também o é que nada pode ser
contrário ao intelecto agente, causa dessa espécie. Donde, se existir algum
hábito, no intelecto possível, causado imediatamente pelo intelecto agente,
esse há-de ser incorruptível absoluta e acidentalmente. E tais são os hábitos
dos primeiros princípios, tanto especulativos como práticos, que se não podem
perder por nenhum esquecimento ou engano, por isso diz o Filósofo, que a
prudência não se perde pelo esquecimento 7. — Há, por outro lado, no
intelecto possível, um hábito causado pela razão, que é o das conclusões e se
chama ciência. E essa causa pode ter dupla contrariedade. Uma, proveniente das próprias
proposições, das quais a razão procede, assim, à proposição — o bem é o bem —
esta outra é contrária— o bem não é o bem — segundo o Filósofo 8.
Outra, proveniente do processo próprio da razão, é assim que um silogismo
sofístico se opõe a um dialético ou demonstrativo. Donde é claro que, pela
falsa razão, pode perder-se o hábito da verdadeira opinião ou até da ciência.
Por isso, diz o Filósofo, que o engano é a corrupção da ciência, como já
dissemos 9.
Há
porém certas virtudes intelectuais residentes na própria razão, conforme já se
disse 10 e com as quais se dá o mesmo que com a ciência ou a
opinião. Por outro lado, outras, as virtudes morais, residentes na parte
apetitiva da alma, em que se fundam também os vícios opostos. Assim, pois, como
os hábitos da parte apetitiva são causados pela razão naturalmente motora dessa
parte, assim também, pelo juízo da razão, movendo, de qualquer modo, para o
termo oposto, que por ignorância, quer pela paixão ou ainda pela eleição,
perder-se o hábito da virtude ou do vício.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como já se disse 11, o hábito assemelha-se
à natureza mas, com certa deficiência. Donde, como a natureza de um ser não
pode, de nenhum modo, separar-se dele, o hábito, por seu lado, só dificilmente
o pode.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Embora nada seja contrário às espécies inteligíveis, pode contudo
haver contrário às proposições e ao processo da razão, como já se disse.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A ciência, quanto aos fundamentos opróprios do hábito, não pode
ser alterada pelo movimento corpóreo, senão só quanto ao impedimento do acto,
na medida em que o intelecto precisa, para o seu acto, das potências
sensitivas, que podem sofrer impedimento proveniente da transmutação corpórea.
Porém, pelo movimento inteligível da razão, o hábito da ciência pode corromper-se,
mesmo quanto aos próprios fundamentos do hábito. E semelhantemente, pode
corromper-se também o hábito da virtude. Contudo, a expressão — as virtudes são
mais permanentes que as ciências — deve ser entendida, não relativamente ao
sujeito ou à causa, mas ao acto, pois, o uso das virtudes é contínuo, durante
toda a vida, o que não se dá com o das ciências.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
I de anima (lect. X).
2. VII Metaph. (lect. VI).
3. I ethic. (lect. XVI).
4. De longitudine et brevitate
vitae (c. II).
5. II Ethic. (lect. I, III).
6. Q. 50, a. 3 ad 3.
7. IV Ethic. (lect. IV).
8. II Perih. (lect. XIV).
9.
Arg. em contrário.
10.
VI Ethic. (lect. II, III).
11. VIII Ethic. (lect.
X).
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.