Art. 3 — Se a ira priva da razão.
(De Malo, q. XII,
a. 1).
O
terceiro discute-se assim. — Parece que a ira não priva da razão.
1. — Pois, o que vai acompanhado da razão parece que não nos pode privar dela. Ora, a ira é acompanhada da razão, como diz Aristóteles 1. Logo, não nos priva da mesma.
2.
Demais — Quanto mais privados formos da razão, tanto menos podemos exteriorizar-nos.
Ora, o Filósofo diz, que o iracundo não o é oculta, mas manifestamente 2.
Logo, parece que a ira não priva do uso da razão, como a concupiscência, que é
insidiosa, conforme diz ainda ele, no mesmo lugar.
3.
Demais — O juízo da razão torna-se mais claro pela adjunção do elemento
contrário, pois os contrários, justapostos, aumentam a clareza. Ora, isto mesmo
faz crescer a ira, pois, como diz o Filósofo, os homens tornam-se mais irados
quando os contrários preexistem, isso dá-se, p. ex., com os honrados que perdem
a honra 3. Logo, a mesma causa que aumenta a ira também fortifica o
juízo da razão. Portanto, aquela não impede este.
Mas,
em contrário, diz Gregório, que a ira priva a inteligência da luz, agitando a
mente na confusão 4.
A mente ou razão, embora não dependa, para o seu acto próprio, de um órgão
corpóreo, contudo, como depende, para o mesmo, de certas potências sensitivas,
cujos actos ficam impedidos pela perturbação do corpo, necessariamente as
perturbações corpóreas hão-de impedir também o juízo da razão, como mui
claramente o manifesta a embriaguez e o sono. Pois, como já dissemos, a ira
produz perturbação corpórea sobretudo no coração e de modo tal que esta deriva
até para os membros exteriores. Donde, dentre as demais paixões, ela é a que
mais manifestamente nos priva do uso da razão, conforme aquilo da Escritura (Sl
30, 10): Conturbados com a ira estão os meus olhos.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O movimento apetitivo, elemento formal da
ira, tem na razão o seu princípio. Mas, pelo seu elemento material, que é a
comoção do calor, que impede velozmente, a paixão da ira trava o juízo perfeito
da razão, quase não obedecendo perfeitamente a esta. E assim impede o seu uso.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Diz-se que o iracundo o é manifestamente, não que lhe seja
manifesto o que deva fazer, mas por obrar desse modo, não buscando ocultar-se
de maneira nenhuma. E isso dá-se, em parte, pela privação da razão, que não
pode discernir o que deve ocultar e o que deve manifestar, e nem mesmo pensar
nos meios de ocultar, e em parte, pelo dilatar-se do coração, causado pela magnanimidade,
que a ira produz. Donde, o Filósofo diz, que o magnânimo ama e odeia
manifestamente, e manifestamente fala e age 5. Porém dizemos da
concupiscência que é latente e insidiosa, por, no mais das vezes, o prazer desejado
ser acompanhado de certa torpeza e malícia, que queremos esconder. Apraz-nos,
entretanto, agir manifestamente, quando devemos manifestar a virilidade e a
excelência, como é o caso da vingança.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Como já dissemos, o movimento da ira tem a sua origem na razão. Donde,
a aposição de um contrário a outro, no mesmo ponto de vista, fortifica o juízo
da razão e aumenta a ira. Assim, parece-nos maior o detrimento que sofremos na
honra ou nas riquezas, que possuíamos, quer pela vizinhança do contrário, quer
por ser inopinado. Por isso causa maior sofrimento, assim como também grandes
bens, surgindo inopinados, causam maior prazer. E, conforme a intensidade do
sofrimento precedente, cresce também a ira, consequentemente.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VII Ethic. (lect. VI).
2. VII Ethic. (lect. VI).
3. II Rhetoric. (cap. II).
4. V Moral. (cap. XLV).
5. IV Ethic. (lect. X).
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