15/10/2013

Tratado das paixões da alma 110



Questão 45: Da coragem


Art. 4 — Se os corajosos são mais audazes antes dos perigos do que depois de estarem neles.

(III Ethic., lect. XV).

O quarto discute-se assim. — Parece que os corajosos não o são mais antes dos perigos do que depois de neles estarem.

1. — Pois, o tremor é causado pelo temor, que é contrário à coragem, como do sobredito resulta 1. Ora, os corajosos, a princípio tremem, às vezes, como diz o Filósofo 2. Logo, não são mais corajosos antes dos perigos que depois de neles estarem.

2. Demais — A paixão intensifica-se com o crescimento do seu objecto, assim, se o bom é amável, mais sê-lo-á o melhor. Ora, o árduo é o objecto de coragem. Logo, o crescimento daquele importa o desta. E como o perigo presente se torna mais árduo e difícil, há-de acarretar também o aumento da coragem.

3. Demais — Sofrimentos causados provocam a ira. Ora, esta causa a coragem, pois, como diz o Filósofo, a ira é corajosa 3. Logo, parece que se tornam mais corajosos os que já estão nos perigos e feridos.

Mas, em contrário, diz Aristóteles, que os corajosos, antes dos perigos, correm veloz e ardentemente ao seu encontro, mas, quando se neles acham, recuam 4.

A coragem, sendo um movimento do apetite sensitivo, resulta da apreensão da potência sensitiva. E, esta não compara nem indaga circunstâncias particulares, mas julga subitamente. Ora, acontece às vezes que, por uma súbita apreensão, não pode ser conhecido tudo o que suscita dificuldade, num dado caso. Donde, os movimentos da coragem, que afrontam o perigo. Pelo que, quando entramos a experimentá-lo, sentimos maiores dificuldades do que a princípio pensávamos, e por isso recuamos.

Ao passo que a razão examina tudo o que, num dado caso, pode suscitar dificuldades. E isto explica que os fortes, que afrontam os perigos, depois de tê-los examinado, parecem remissos, a princípio, porque os afrontam não apaixonadamente, senão com a devida deliberação. Mas, quando já se acham metidos nos perigos, não experimentam nenhuma surpresa, antes, lhes parecem menores do que a princípio pensaram. — Ou então é que os fortes afrontam os perigos movidos pelo bem da virtude, perseverando neles a vontade do bem, quaisquer que eles sejam. Ao passo que os corajosos, só pela impressão alimentam a esperança e excluem o temor, como já dissemos 5.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Também aos corajosos pode sobrevir o tremor, pelo concentrar-se do calor, de fora para dentro, como se dá com os que temem, Ao passo, que aos corajosos o calor se lhes concentra no coração, aos que temem se lhes concentra nas partes inferiores.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O objecto do amor é o bem puro e simples, por isso, se este aumenta, aumenta pura e simplesmente aquele. Ao passo que o objecto da coragem é composto de bem e de mal, e o seu movimento contra o mal pressupõe o da esperança para o bem. Donde, o tal movimento não cresce mas, antes, diminui, quando a dificuldade do perigo cresce a ponto de exceder a esperança. Se esse movimento, porém, se mantiver quanto maior for o perigo, tanto maior será julgada a coragem.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Um ferimento não causa a ira se não supusermos a existência da esperança, como a seguir se dirá 6. Se pois, o perigo for tamanho, que excede a esperança da vitória, dele não resultará a ira. Mas é verdade que, da sequência desta, resulta o aumento da coragem.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 45, a. 1, q. 44, a. 3.
2. De problematibus (sect. XXVII, probl. 4).
3. II Rhetoric. (cap. V).
4. III Ethic. (lect. XV).
5. Q. 45, a. 3.
6. Q. 46, a. 1.


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