29/07/2013

Tratado das paixões da alma 96




Questão 42: Do objecto do temor

Art. 2 — Se há temor do mal natural.






O segundo discute-se assim. — Parece que não há temor de mal natural. 
1. — Pois, diz o Filósofo, que o temor nos desperta o conselho 1. — Ora, não deliberamos sobre o que acontece naturalmente, como diz o mesmo autor 2. Logo, não há temor do mal natural.

2. Demais — Os males naturais como a morte e outros, estão sempre iminentes ao homem. Se pois houvesse temor de tais males, viveríamos sempre a temer.

3. Demais — A natureza não move para o que lhe é contrário. Ora, o mal da natureza dela própria provém. Logo, não é natural fugirmos desse mal. E, portanto, não há temor natural de um mal natural, ou da natureza.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que não há nada mais temível que a morte 3, que é um mal natural.

Como diz o Filósofo, o temor provém da fantasia de um mal futuro que causa corrupção ou tristeza 4. Ora, como causa tristeza o mal contrário à vontade, assim causa corrupção o que o é à natureza, e tal é o mal natural. Logo, pode haver temor dele.

Devemos porém considerar que o mal da natureza tem às vezes uma causa natural, e então assim se chama, não só porque priva de um bem da natureza, mas, também porque é efeito desta, tal é a morte natural e outros males. Às vezes, porém, o mal da natureza provém de uma causa não natural, tal é a morte causada violentamente por um perseguidor. E em um e outro caso o mal da natureza é ora temido e ora, não. Pois, o temor provindo da fantasia de um mal futuro, no dizer do Filósofo, o que exclui essa fantasia também exclui o temor. Mas de dois modos pode o mal parecer futuro. — Primeiro, por ser remoto e distante. Assim, à distância nos leva a considerá-lo como não havendo de suceder, e por isso não tememos ou o tememos pouco. Pois, segundo o Filósofo, as coisas que estão muito afastadas não são temidas, assim, embora todos saibamos que havemos de morrer, com isso não nos importamos por não ser próximo5. — De outro modo consideramos como não havendo de acontecer um mal futuro, por casa da necessidade, que nos leva a tê-lo por presente. E por isso, o Filósofo diz, que aqueles que vão ser decapitados não temem6, vendo a premência da morte iminente, mas para temermos é preciso haver alguma esperança de salvação.

Portanto, se não tememos o mal natural é que não o consideramos como havendo de acontecer. Quando porém ele causa a morte, e é apreendido como próximo, embora nos deixe alguma esperança de salvação, é temido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O mal natural não provém às vezes da natureza, como já dissemos. Quando porém dela procede, embora não possa ser evitado de todo, pode contudo ser diferido. E nesta esperança podemos deliberar sobre o modo de o evitar.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O mal natural, embora esteja sempre iminente, nem sempre contudo o está proximamente. E por isso nem sempre é temido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A morte e os outros males naturais provêm da natureza universal, mas o quanto lhe é possível à natureza particular procura evitá-los. Por onde, pela inclinação da natureza particular, sentimos dor e tristeza causadas por esses males, quando presentes, e temor, se estiverem na iminência de acontecer.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II Rhetoric. (cap. V).
2. III Ethic. (lect. VII).
3. III Ethic. (lect. XIV).
4. II Rhetoric. (cap. V).
5. II Rhetoric. (cap. V).

6. II Rhetoric. (cap. V).

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