Em
seguida devemos tratar, primeiro do temor, e segundo, da audácia.
Sobre
o temor há quatro questões a tratar. Primeiro, do temor em si mesmo. Segundo,
do seu objecto. Terceiro, da sua causa, Quarto, do seu efeito.
Sobre
a primeira questão discutem-se quatro artigos:
Art.
1 — Se o temor é paixão da alma.
Art.
2 — Se o temor é uma paixão especial.
Art.
3 — Se há algum temor natural.
Art.
4 — Se Damasceno assinala convenientemente seis espécies de temor: a
indolência, o pejo, a vergonha, a admiração, o estupor e a agonia.
Art. 1 — Se o temor é
paixão da alma.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que o temor não é paixão da alma.
2.
Demais — Toda paixão é efeito de uma presença proveniente do agente. Ora, o
temor não se refere a nada de presente, mas sim, ao futuro, como diz Damasceno 3.
Logo, o temor não é paixão.
3.
Demais — Toda paixão da alma é um movimento do apetite sensitivo, consecutivo à
apreensão do sentido. Ora, o sentido não apreende o futuro, mas, sim, o
presente. E o temor, referindo-se a um mal futuro, não pode ser paixão da alma.
Mas,
em contrário, Agostinho enumera o temor entre as outras paixões da alma 4.
Entre os outros movimentos da alma, o temor é, depois da tristeza, o que
principalmente implica a noção de paixão. Pois, como já dissemos 5,
ao conceito de paixão pertence: — primeiro, ser um movimento da virtude
passiva, para o qual o seu objecto está como um motor ativo, pois, a paixão é
um efeito do agente. E deste modo também consideramos paixões o sentir e o
inteligir. — Segundo e mais propriamente, chama-se paixão o movimento da
virtude apetitiva. — E, ainda mais propriamente, o movimento da virtude
apetitiva servida por um órgão corpóreo, acompanhado de certa transmutação
corpórea. — E enfim, apropriadamente, chamam-se paixões os movimentos que
acarretam alguma nocividade.
Ora,
é manifesto que o temor, sendo relativo ao mal, pertence à potência apetitiva
que, em si mesma, respeita o bem e o mal. Pertence ao apetite sensitivo, por
ser acompanhado de certa transmutação, que é a contração, como diz Damasceno 6.
E implica além disso relação com o mal, enquanto este pode de algum modo,
levar-nos de vencida. Por onde, mui verdadeiramente lhe cabe a natureza de paixão,
vem contudo depois da tristeza, relativa ao mal presente, porque o temor é
relativo ao mal futuro, que não move como o presente.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Virtude designa um certo princípio de acção,
por isto, na medida em que os movimentos interiores da potência apetitiva são
princípios de actos exteriores, chamam-se virtudes. O Filósofo porém nega que a
paixão seja uma virtude, pois, a virtude é um hábito.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Assim como a paixão do corpo natural provém da presença corpórea
do agente, assim a da alma, da presença animal do agente, sem presença corporal
ou real, e isso se dá quando o mal, realmente futuro, se torna presente pela
apreensão da alma.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O sentido não apreende o futuro, mas, apreendendo o presente, o
animal é movido, por um instinto natural, a esperar um bem futuro ou a temer um
futuro mal.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. Lib. III (cap. XXIII).
2. II Ethic. (lect. V).
3.
II lib. (cap. XII).
4.
XIV De civ. Dei (cap. VII
et IX).
5. Q. 22.
6. Loc. cit.
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