08/07/2013

Tratado das paixões da alma 75


Questão 38: Dos remédios da dor ou tristeza.

Em seguida devemos tratar dos remédios da dor ou tristeza.

E sobre este assunto cinco artigos se discutem:

Art. 1 — Se o prazer mitiga a dor ou tristeza.
Art. 2 — Se o pranto mitiga a tristeza.
Art. 3 — Se o amigo que se compadece connosco mitiga a tristeza.
Art. 4 — Se a contemplação da verdade mitiga a dor.
Art. 5 — Se o sono e o banho mitigam a tristeza.

Art. 1 — Se o prazer mitiga a dor ou tristeza.

(Supra, q. 35, a . 4, ad 2, infra, a . 5, III, q. 46, a . 8, ad 2, II Cor., cap. VII, lect. II).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o prazer não mitiga a dor ou tristeza. 
1. — Pois, o prazer não mitiga a tristeza senão por lhe ser contrário, porque os remédios são contrários aos males, como diz Aristóteles 1. Ora, não qualquer prazer é contrário a qualquer dor, como já dissemos 2. Logo, o prazer não mitiga a tristeza.

2. Demais — O que causa a tristeza não a mitiga. Ora, certos prazeres causam a tristeza, pois, como diz Aristóteles, o mau se entristece porque se deleitou 3. Logo, nem todo prazer mitiga a tristeza.

3. Demais — Agostinho diz que saiu da pátria onde convivera com um amigo, que veio a falecer, porque assim, os seus olhos não haviam de o procurar onde não costumavam vê-lo 4. Donde podemos concluir que aquilo que os nossos amigos mortos ou ausentes tinham de comum connosco se nos torna penoso, quando sofremos com a morte ou ausência deles. Ora, eles tinham de comum connosco sobretudo os prazeres. Logo, estes se nos tornam penosos quando nos entristecemos. Logo, o prazer não mitiga a tristeza.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que o prazer expulsa a tristeza, tanto pelo contrário como qualquer outra, sendo forte 5.

Como do sobredito resulta 6, o prazer é o repouso do apetite no bem conveniente, e a tristeza é o repugnante ao apetite. Por onde, o prazer está para a tristeza, nos movimentos apetitivos, como, relativamente ao corpo, o descanso para a fadiga, proveniente de alguma transmutação não natural, pois também a tristeza implica uma certa fadiga ou sofrimento da virtude apetitiva. Assim pois como o repouso do corpo é remédio contra a fadiga proveniente de qualquer causa não natural, assim o prazer é remédio para mitigar a tristeza, qualquer que ela seja.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora nem todo prazer seja contrário à tristeza especificamente, é-lhe contudo genericamente, como já dissemos 7. E portanto, relativamente à disposição do sujeito, a tristeza pode ser mitigada pelo prazer.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os deleites dos maus não provocam a tristeza presente, mas a futura, quando se arrependerem dos males que lhes causaram prazer. E essa tristeza é aliviada pelos prazeres contrários.

RESPOSTA À TERCEIRA. — De duas causas a inclinarem a movimentos contrários, uma se opõe a outra, até finalmente vencer a mais forte e de acção mais diuturna. Ora, quando nos entristecemos por causa daquilo com que costumávamos deleitar-nos juntamente com o amigo, agora morto ou ausente, duas causas existem conducentes a termos opostos. Pois o pensamento da morte ou da ausência do amigo inclina para a dor, ao passo que o bem presente, para o prazer, e por isso um diminui o outro. Contudo, como o sentido apreensor do que é presente move mais fortemente que a memória do passado, e o amor-próprio dura mais que o de outrem, daí vem que ao cabo o prazer expulsa a tristeza. E por isso, depois de algumas palavras, Agostinho, no mesmo lugar, acrescenta, que a sua dor cedia aos primeiros géneros de prazeres.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II Ethic. (lect. II).
2. Q. 35, a. 4.
3. IX Ethic. (lect. IV).
4. IV Confess. (cap. VII).
5. VII Ethic. (lect. XIV).
6. Q. 23, a. 4.

7. Q. 31, a. 4.

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