07/07/2013

Tratado das paixões da alma 74




Questão 37: Dos efeitos da dor e da tristeza.

Art. 4 — Se a tristeza é sobretudo nociva ao corpo.


(Infra, q. 41, a . 1).



O quarto discute-se assim. — Parece que a tristeza não é sobretudo nociva ao corpo. 
1. — Pois, a tristeza afecta a alma apenas espiritualmente. Ora, o só espiritualmente existente não pode causar nenhuma transmutação corpórea, como claramente o manifestam as intenções das cores, existentes no ar, e que não colorem nenhum corpo. Logo, a tristeza não pode causar nenhum mal corpóreo.

2. Demais — Se a tristeza pudesse causar algum mal corpóreo só poderia sê-lo por ser acompanhada de alguma transmutação corpórea conexa. Ora, transmutações corpóreas as provocam todas as paixões da alma, como já o dissemos 1. Logo, a tristeza não é nociva ao corpo, mais que as outras paixões da alma.

3. — O Filósofo diz que a ira e a concupiscência causam a loucura de muitos 2, e isso é o maior dos males, por ser a razão o melhor dos bens do homem. O desespero, por outro lado, parece ser mais nocivo que a tristeza, da qual é a causa. Logo, a tristeza não é nociva ao corpo, mais que as outras paixões.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Pr 17, 22): O ânimo alegre faz a idade florida, o espírito triste seca os ossos, e (Pr 15, 20): Assim como a polilha come o vestido e o caruncho a madeira, do mesmo modo rói a tristeza o coração do homem, e ainda (Ecl 38, 19): da tristeza se vem apressando a morte.

De todas as paixões da alma a tristeza é a mais nociva ao corpo. E a razão é que ela, diferentemente das outras paixões, repugna a vida humana pelo seu movimento específico, e não só quanto à medida e à quantidade dele. Pois a vida humana implica num certo movimento procedente do coração e difuso nos membros, e esse movimento convém à natureza humana conforme uma determinada medida. Se portanto tal movimento ultrapassar a medida conveniente, repugnará à vida humana, relativamente à quantidade da medida, não porém relativamente à semelhança específica. Por onde, o impedimento do processo desse movimento repugnará à vida, na sua espécie.

Devemos porém notar que, em todas as paixões da alma, a alteração corpórea, nelas existente materialmente, é conforme e proporcionada ao movimento do apetite, que é formal, assim como em todas as coisas a matéria é proporcionada à forma. Por onde, as paixões da alma que tolhem o movimento do apetite, em busca de um objecto, não repugna ao movimento vital quanto à espécie deste, mas podem repugnar no que lhe respeita a quantidade, como se dá com o amor, a alegria, o desejo e paixões semelhantes. E por isso estas paixões especificamente coadjuvam a natureza do corpo, embora por excesso possam vir a prejudicá-lo. As paixões porém que implicam o movimento do apetite, com uma certa fuga ou retração, repugnam ao movimento vital, não só relativamente à quantidade do movimento, mas ainda à espécie do mesmo, e por isso prejudicam, absolutamente, assim, o temor, o desespero e, acima de todas, a tristeza, que agrava o ânimo por causa do mal presente, cuja impressão é mais forte que a do futuro.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A alma naturalmente movendo o corpo, o movimento espiritual dela é causa de transmutação corpórea. Mas não há semelhança com as intenções espirituais, que não se ordenam naturalmente a mover os outros corpos, aos quais não é natural serem movidos pela alma.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As outras paixões implicam transmutação corpórea conforme, especificamente, ao movimento vital, a tristeza porém implica transmutação contrária, como já dissemos antes.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Uma causa leve mais impede o uso da razão do que tolhe a vida, é assim que vemos muitos sofrimentos privarem do uso da razão, sem contudo tirarem a vida. E contudo, o temor e a ira são nocivos ao corpo, por excelência, quando acompanhados da tristeza, por causa da ausência do objecto desejado. E a tristeza também às vezes priva da razão, como se vê claramente nos que se tornam maníacos ou melancólicos por causa da dor.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 22, a. 1, 3.

2. VII Ethic., lect. III.

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