Em seguida devemos tratar dos efeitos
da dor e da tristeza.
E sobre este ponto quatro artigos se
discutem:
Art. 1 — Se a dor elimina a faculdade
de aprender.
Art. 2 — Se o gravame do ânimo é
efeito da tristeza.
Art. 3 — Se a tristeza impede toda operação.
Art. 4 — Se a tristeza é sobretudo
nociva ao corpo.
Art.
1 — Se a dor elimina a faculdade de aprender.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a dor não elimina a faculdade de aprender.
2. Demais — Diz a Escritura (Is 28,
9): A quem ensinará a ciência? E a quem fará entender o que se ouviu? Aos que
já se lhes tirou o leite, aos que já foram desmamados, i. é, dos prazeres. Ora,
a dor e a tristeza é que sobretudo excluem os prazeres, pois, impedem qualquer
prazer, como está em Aristóteles 1, e a Escritura diz (Ecl 9, 29),
que o mal presente faz esquecer os maiores prazeres. Logo, a dor não elimina,
mas antes desenvolve a faculdade de aprender.
3. Demais — A tristeza interior é mais
forte que a dor externa, como já dissemos 2. Ora, o homem pode
aprender, embora possuído de tristeza. Logo, com maior razão, quando possuído
pela dor corpórea.
Mas, em contrário, diz Agostinho:
Embora, nesses dias estivesse duramente afligido por uma dor de dentes, não me
era possível voltar o ânimo, senão talvez para o que já havia aprendido, pois,
achava-me completamente impedido de aprender o que estava completamente na
tendência do meu espírito 3.
Como todas as potências da
alma se lhe radicam na essência una, é necessário que, quando a intenção da
alma é levada veementemente à operação de uma potência, retrai-se da operação
de outra, pois uma mesma alma não pode ter senão uma intenção. E por isso o que
atrair para si a intenção total da alma, ou grande parte dela, não se
compadecerá com mais nada que reclame grande atenção. Ora, é manifesto que a
dor sensível atrai soberanamente para si essa intenção, pois, as coisas tendem,
na sua intenção total, a repelir o que lhes é contrário, como bem se vê já nos
seres naturais. E semelhantemente, também é manifesto que para aprender de novo
uma noção é necessário estudo e esforço, com grande intenção, conforme está
claro na Escritura (Pr 2, 4-5): Se buscares como o dinheiro, e cavares pelo
achar como os que desenterram tesouros, então acharás a ciência. E portanto, se
a dor for intensa, o homem não poderá aprender nada, e poderá ser tão intensa
que nem mesmo, enquanto a domina, possa pensar no que antes já sabia. Há nisto
porém diferenças, relativas às diferenças do amor com que aprendemos ou reflectimos,
a este quanto maior for tanto mais impedirá a intenção da alma de ser
completamente dominada pela dor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A tristeza moderada, exclusiva da evagação da alma, pode ser útil para
adquirirmos a ciência, e principalmente daquilo pelo que esperamos libertar-nos
da tristeza. E deste modo, na tribulação do seu murmúrio, os homens recebem
mais facilmente a doutrina de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Tanto o prazer
como a dor, na medida em que arrastam a intenção da alma, impedem a consideração
racional, e por isso Aristóteles diz ser impossível compreendermos seja o que
for durante o prazer venéreo 4. A dor entretanto, mais que o prazer,
absorve essa intenção, como vemos, nos seres naturais, em que a acção de um
corpo natural é mais intensa em relação ao que lhe é contrário, assim, a água
quente, sofrida mais intensamente por um corpo frio, congela-se mais
fortemente. Se portanto a dor ou a tristeza for moderada, pode acidentalmente
ser útil para aprendermos, na medida em que exclui a superabundância do prazer,
mas em si mesma é um impedimento, e se for intensa privará totalmente da faculdade
de aprender.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A dor externa
provém da lesão do corpo, e por isso é, mais que a interna, acompanhada da
transmutação corpórea, a interna porém é maior, relativamente ao que há de
formal na dor, que depende da alma. E por isso, a dor corpórea impede, mais que
a interna, a contemplação, que exige o repouso completo. E contudo, se a dor
interna também for demasiado intensa, arrastará a intenção de tal modo que o
homem não pode aprender nada de novo. Assim Gregório, levado da tristeza,
abandonou a exposição do livro de Ezequiel 5.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VII Ethic., lect. XIV.
2. Q. 35, a. 7.
3. I Soliloq., c. XII.
4. VII Ethic., lect. XI.
5.
Hom. XXII in Ezech.
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