24/06/2013

Tratado das paixões da alma 61



Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.

Art. 3 — Se a dor contraria o prazer.

(Supra, q.31, a . 8 ad 2, III, q. 84, a . 9, ad 2, IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 3, qª 1).




O terceiro discute-se assim. — Parece que a dor não contraria o prazer.


1. — Pois um contrário não pode ser causa de outro. Ora, a tristeza pode ser causa do prazer, conforme a Escritura (Mt 5, 5): Bem-aventurados os que choram porque serão consolados. Logo, não são contrários.

2. Demais — Um contrário não pode denominar a outro. Mas, em certos casos, a dor em si mesma ou tristeza é deleitável, assim, Agostinho diz que a dor nos espectáculos deleita 1, e que o pranto é amargo e contudo, às vezes, deleita 2. Logo, a dor não é contrária ao prazer.

3. Demais — Um contrário não pode ser matéria de outro, porque os contrários não podem existir simultaneamente. Ora, a dor pode ser matéria de prazer, pois diz Agostinho: Que o penitente sempre se condói e se alegra com a sua dor 3. E o Filósofo diz que, inversamente, o mau se dói daquilo com que se deleitou 4. Logo, o prazer e a dor não são contrários.

Mas, em contrário, diz Agostinho: a alegria consiste na vontade consentir naquilo que desejamos, a tristeza, em dissentir do que não queremos 5. Ora, consentir e dissentir são contrários. Logo, contrários hão-de ser o prazer e a tristeza.

Como diz o Filósofo, a contrariedade é uma diferença formal 6. Ora, a forma ou espécie da paixão e do movimento é oriunda do objecto ou termo. Ora, sendo contrários os objectos do prazer e da tristeza ou dor, a saber, o bem e o mal presentes, conclui-se que a dor e o prazer são contrários.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Nada impede que seja, acidentalmente, um contrário causa de outro. Assim, a tristeza pode ser causa do prazer. De um modo, quando a tristeza, pela ausência de um bem ou pela presença do mal contrário, busca mais veementemente o objecto do prazer, assim, o sedento busca mais veementemente a bebida como remédio contra a tristeza que sofre. De outro modo, quando pelo grande desejo de um prazer, não recusamos sofrer tristezas para chegarmos ao prazer almejado. E de um e outro modo, a tristeza presente conduz à consolação da vida futura. Pois, chorando pelos pecados ou pela dilacção da glória, o homem merece a consolação eterna. Semelhantemente, também a merece quem, para consegui-la, não foge a sofrer, por ela, trabalhos e angústias.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A própria dor pode ser, por acidente, deleitável, assim quando, como nos espectáculos, vai junta com a admiração, ou quando faz recordar o objecto amado e sentir o amor daquele por cuja ausência se sofre. Donde, sendo o amor deleitável, também a dor e tudo o que dele resulta e o faz sentir são deleitáveis. E por isso também as dores, nos espectáculos, podem ser deleitáveis, por nos levarem a sentir amor por aqueles que aí são representados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A vontade e a razão reflectem sobre os seus actos, enquanto considerados sob as noções de bem e de mal. E deste modo, a tristeza pode ser matéria do prazer ou inversamente, não por si, mas por acidente, sendo uma e outra considerados à luz das noções de bem e de mal.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. III Confess., cap. II.
2. IV Confess., cap. V.
3. De poenit., cap. XIII.
4. IX Ethic., lect. IV.
5. XIV De civit. Dei, cap. VI.
6. X Metaph., lect. V.

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