28/05/2013

Tratado das paixões da alma 40



Questão 31: Do prazer em si mesmo.
Em seguida devemos tratar do prazer e da tristeza.

Sobre o prazer quatro questões devemos considerar. Primeira, do prazer em si mesmo. Segunda, das causas do prazer. Terceira, dos seus efeitos. Quarta, da sua bondade e malícia.

Sobre a primeira questão oito artigos se discutem:
Art. 1 ― Se o prazer é uma paixão.
Art. 2 ― Se o prazer se realiza no tempo.
Art. 3 ― Se a alegria é absolutamente o mesmo que o prazer.
Art. 4 ― Se o prazer reside no apetite intelectivo.
Art. 5 ― Se os prazeres corpóreos e sensíveis são maiores que os espirituais e intelectuais.
Art. 6 ― Se os prazeres do tacto são maiores que os dos outros sentidos.
Art. 7 ― Se há algum prazer inatural.
Art. 8 ― Se um prazer pode ser contrário a outro.

Art. 1 ― Se o prazer é uma paixão.

(Infra, q. 35, a . 1, IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 1, qª 1)

O primeiro discute-se assim. ― Parece que prazer não é uma paixão.


1. ― Pois, Damasceno distingue a operação, da paixão, dizendo que a operação é um movimento segundo a natureza, a paixão porém é um movimento contra a natureza 1. Ora, o prazer é uma operação, como diz o Filósofo 2. Logo, o prazer não é uma paixão.

2. Demais. ― Sofrer é ser movido, como diz Aristóteles 3. Ora, o prazer consiste, não em ser movido, mas em tê-lo sido pois é causado pelo bem já adquirido. Logo, não é uma paixão.

3. Demais. ― O prazer consiste numa certa perfeição de quem o goza, pois aperfeiçoa a operação, como diz Aristóteles 4. Ora, aperfeiçoar-se não é sofrer nem ser alterado, segundo o mesmo filósofo 5. Logo, o prazer não é uma paixão.

Mas, em contrário, Agostinho coloca o prazer ou gáudio ou alegria entre as paixões da alma 6.

O movimento do apetite sensitivo chama-se propriamente paixão, como já se disse 7. Ora, qualquer afecto procedente da apreensão sensitiva é movimento do apetite sensitivo, que há-de convir necessariamente ao prazer. Pois, como diz o Filósofo o prazer é um certo movimento da alma e uma disposição simultaneamente completa para um objecto natural presente 8.

E para entendimento desta doutrina devemos considerar que, como certos seres naturais, assim também certos animais conseguem alcançar as suas perfeições naturais. E embora o ser movido para a perfeição não seja um acto simultaneamente completo, contudo o acto de conseguir a perfeição natural é-o. Pois entre os animais e os outros seres naturais há a diferença que estes não sentem, quando constituídos no que lhes convém à natureza, ao passo que aqueles o sentem, e este sentimento causa um movimento da alma no apetite sensitivo, movimento que é o prazer. É pois, genericamente que se diz que o prazer é um movimento da alma. E quando se diz disposição para um objecto natural presente, i. é, existente realmente em a natureza, assinala-se a causa do prazer, que é a presença do bem conatural. Quando dizemos simultaneamente completo mostramos que a disposição não deve ser considerada enquanto se opera, mas depois de operada, quase no termo do movimento, pois o prazer não é um vir-a-ser, como queria Platão, mas antes, como diz Aristóteles, um estado 9. Quando por fim se diz sensível, excluem-se as perfeições das coisas insensíveis, não susceptíveis de prazer. ― Donde, conclui-se claramente que, sendo um movimento do apetite animal, consequente à apreensão do sentido, o prazer é uma paixão da alma.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A operação conatural não impedida é uma perfeição segunda, como diz Aristóteles 10. Donde, o prazer advém-lhes às coisas constituídas na operação própria conatural e não impedida, e constitui um estado perfeito, como dissemos. Assim, pois, quando se diz que o prazer é uma operação, essa predicação não é essencial, mas causal.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Podemos considerar no animal, duplo movimento: o relativo à intenção que visa o fim, e este concerne o apetite, e o relativo à execução, e este respeita a operação exterior. Embora pois no ser que já conseguiu o bem com o qual se deleita, cesse o movimento de execução, pelo qual tendeu ao fim, não cessa contudo o movimento da parte apetitiva, a qual como antes desejava o que não possuía, agora se deleita como o bem que possui. Donde, não obstante seja o prazer um certo repouso do apetite em presença do bem deleitoso, que lhe satisfaz, contudo ainda continua a imutação do apetite pelo seu objecto, em razão do qual o prazer é um movimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Embora o nome de paixão convenha sobretudo e propriamente às paixões corruptivas e tendentes ao mal, como se dá com os sofrimentos corpóreos, e com a tristeza e o temor, na alma, contudo certas paixões ordenam-se ao bem, como já se disse 11. E neste sentido o prazer se chama paixão.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II lib. Orth. Fid., cap. XXII.
2. VIII Ethic., lect. XII, X Ethic lect. VIII.
3. III Phys., lect. V.
4. X Ethic., lect. VI, VII.
5. VII Phys., lect. V, II De Anima, lect. XI.
6. X De civ. Dei, cap. II, XIV De civ. Dei, cap. V ss.
7. Q. 22, a. 3.
8. I Rhet., cap. XI.
9. VII Ethic., lect. XII.
10. II De anima, lect. I.
11. Q. 23, a. 1, 4.

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