Questão 31: Do prazer em
si mesmo.
Em
seguida devemos tratar do prazer e da tristeza.
Sobre
o prazer quatro questões devemos considerar. Primeira, do prazer em si mesmo.
Segunda, das causas do prazer. Terceira, dos seus efeitos. Quarta, da sua
bondade e malícia.
Sobre
a primeira questão oito artigos se discutem:
Art.
1 ― Se o prazer é uma paixão.
Art.
2 ― Se o prazer se realiza no tempo.
Art.
3 ― Se a alegria é absolutamente o mesmo que o prazer.
Art.
4 ― Se o prazer reside no apetite intelectivo.
Art.
5 ― Se os prazeres corpóreos e sensíveis são maiores que os espirituais e
intelectuais.
Art.
6 ― Se os prazeres do tacto são maiores que os dos outros sentidos.
Art.
7 ― Se há algum prazer inatural.
Art.
8 ― Se um prazer pode ser contrário a outro.
Art. 1 ― Se o prazer é uma
paixão.
(Infra, q. 35, a . 1, IV Sent.,
dist. XLIX,
q. 3, a . 1, qª 1)
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que prazer não é uma paixão.
1. ― Pois, Damasceno distingue a operação, da paixão, dizendo que a operação é um movimento segundo a natureza, a paixão porém é um movimento contra a natureza 1. Ora, o prazer é uma operação, como diz o Filósofo 2. Logo, o prazer não é uma paixão.
2.
Demais. ― Sofrer é ser movido, como diz Aristóteles 3. Ora, o prazer
consiste, não em ser movido, mas em tê-lo sido pois é causado pelo bem já
adquirido. Logo, não é uma paixão.
3.
Demais. ― O prazer consiste numa certa perfeição de quem o goza, pois
aperfeiçoa a operação, como diz Aristóteles 4. Ora, aperfeiçoar-se
não é sofrer nem ser alterado, segundo o mesmo filósofo 5. Logo, o
prazer não é uma paixão.
Mas,
em contrário, Agostinho coloca o prazer ou gáudio ou alegria entre as paixões
da alma 6.
O movimento do apetite sensitivo chama-se propriamente paixão, como já se
disse 7. Ora, qualquer afecto procedente da apreensão sensitiva é
movimento do apetite sensitivo, que há-de convir necessariamente ao prazer.
Pois, como diz o Filósofo o prazer é um certo movimento da alma e uma
disposição simultaneamente completa para um objecto natural presente 8.
E
para entendimento desta doutrina devemos considerar que, como certos seres
naturais, assim também certos animais conseguem alcançar as suas perfeições
naturais. E embora o ser movido para a perfeição não seja um acto
simultaneamente completo, contudo o acto de conseguir a perfeição natural é-o.
Pois entre os animais e os outros seres naturais há a diferença que estes não
sentem, quando constituídos no que lhes convém à natureza, ao passo que aqueles
o sentem, e este sentimento causa um movimento da alma no apetite sensitivo,
movimento que é o prazer. É pois, genericamente que se diz que o prazer é um
movimento da alma. E quando se diz disposição para um objecto natural presente,
i. é, existente realmente em a natureza, assinala-se a causa do prazer, que é a
presença do bem conatural. Quando dizemos simultaneamente completo mostramos
que a disposição não deve ser considerada enquanto se opera, mas depois de
operada, quase no termo do movimento, pois o prazer não é um vir-a-ser, como
queria Platão, mas antes, como diz Aristóteles, um estado 9. Quando
por fim se diz sensível, excluem-se as perfeições das coisas insensíveis, não
susceptíveis de prazer. ― Donde, conclui-se claramente que, sendo um movimento
do apetite animal, consequente à apreensão do sentido, o prazer é uma paixão da
alma.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A operação conatural não impedida é uma
perfeição segunda, como diz Aristóteles 10. Donde, o prazer advém-lhes
às coisas constituídas na operação própria conatural e não impedida, e
constitui um estado perfeito, como dissemos. Assim, pois, quando se diz que o
prazer é uma operação, essa predicação não é essencial, mas causal.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Podemos considerar no animal, duplo movimento: o relativo à
intenção que visa o fim, e este concerne o apetite, e o relativo à execução, e
este respeita a operação exterior. Embora pois no ser que já conseguiu o bem
com o qual se deleita, cesse o movimento de execução, pelo qual tendeu ao fim,
não cessa contudo o movimento da parte apetitiva, a qual como antes desejava o
que não possuía, agora se deleita como o bem que possui. Donde, não obstante
seja o prazer um certo repouso do apetite em presença do bem deleitoso, que lhe
satisfaz, contudo ainda continua a imutação do apetite pelo seu objecto, em
razão do qual o prazer é um movimento.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Embora o nome de paixão convenha sobretudo e propriamente às
paixões corruptivas e tendentes ao mal, como se dá com os sofrimentos
corpóreos, e com a tristeza e o temor, na alma, contudo certas paixões ordenam-se
ao bem, como já se disse 11. E neste sentido o prazer se chama
paixão.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. II lib. Orth. Fid., cap.
XXII.
2. VIII Ethic., lect. XII, X
Ethic lect. VIII.
3. III Phys., lect. V.
4. X Ethic., lect. VI, VII.
5. VII Phys., lect. V,
II De Anima, lect. XI.
6.
X De civ. Dei, cap. II, XIV De civ. Dei, cap. V ss.
7. Q. 22, a. 3.
8. I Rhet., cap. XI.
9. VII Ethic., lect. XII.
10.
II De anima, lect. I.
11.
Q. 23, a. 1, 4.
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