Questão 30: Da concupiscência.
Art. 2 ― Se a concupiscência é uma paixão especial da potência concupiscível.
(Supra, q. 23, a . 4, III Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 3).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que a concupiscência não é uma paixão
especial da potência concupiscível.
1. ― Pois, as paixões distinguem-se pelos seus objectos. Ora, o objecto do concupiscível é o deleitável sensível, que também é o objecto da concupiscência, segundo o Filósofo 1. Logo, a concupiscência não é uma paixão especial do concupiscível.
2.
Demais. ― Agostinho diz, que a cobiça é o amor das coisas transitórias 2,
e assim não se distingue do amor. Ora, todas as paixões especiais se distinguem
umas das outras. Logo, a concupiscência não é uma paixão especial do
concupiscível.
3.
Demais. ― Cada paixão do concupiscível tem a sua contrária, com já dissemos 3.
Ora, à concupiscência não se opõe nenhuma paixão especial, pois, diz Damasceno,
que o bem esperado constitui a concupiscência, o presente, a alegria.
Semelhantemente, o mal esperado constitui o temor e o presente, a tristeza 4.
Daqui resulta que, assim como a tristeza é contrária à alegria, assim o temor o
é a concupiscência. Ora, este não reside no concupiscível mas, no irascível.
Logo, a concupiscência não é nenhuma paixão especial do concupiscível.
Mas,
em contrário, a concupiscência é causada pelo amor e tende para a deleitação,
paixões do concupiscível. E assim, distingue-se, como paixão especial, das
outras paixões do concupiscível.
Como já dissemos 5, o bem deleitável sensível é em geral o objecto
do concupiscível, donde, as várias paixões do concupiscível se distinguem pelas
diferenças desse bem. Ora, as diversidades do objecto podem ser consideradas
relativamente à natureza própria dele ou às diversidades da virtude activa.
Ora, as diversidades do objecto activo, fundadas na natureza própria deste,
causam a diferença material das paixões, ao passo que as diversidades da virtude
activa produzem a diferença formal delas, que as diversifica especificamente.
Mas
é preciso também levar em conta a noção de fim ou bem, como virtude motriz,
quer enquanto realmente presente, quer enquanto ausente. Pois, quando presente,
leva-nos a repousar nele, e quando ausente, move-nos para ele. Donde, quando o
deleitável sensível adapta, de certo modo, a si e conforme o apetite, causa o
amor, quando, ausente, atrai para si, causa a concupiscência, quando por fim,
estando presente, produz a quietação do apetite, causa o deleite. Assim, pois,
a concupiscência é uma paixão especificamente diferente do amor e da deleitação,
mas, o desejar um objecto deleitável ou tal outro produz as diversidades
numéricas da concupiscência.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O bem deleitável não é objecto da
concupiscência, absolutamente falando, senão enquanto ausente, assim como o
sensível é, enquanto passado, objecto da memória. Ora, estas condições
particulares diversificam as espécies de paixões ou também as das potências da
parte sensitiva, que respeita objectos particulares.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A denominação de Agostinho funda-se na causa e não na essência,
pois a cobiça não é, em si mesma, amor, mas efeito deste. ― Ou, de outro modo,
podemos responder que Agostinho se refere à cobiça, em sentido lato, como
designando qualquer movimento do apetite capaz de respeitar a um bem futuro. E
assim, compreende em si o amor e a esperança.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A paixão directamente oposta à concupiscência não tem denominação
e está para o mal como a concupiscência para o bem. Mas, sendo relativa ao mal
ausente, como o temor é às vezes tomado por este, assim como a cobiça o é, por
vezes, pela esperança. Pois, como o bem e o mal pequenos quase não são levados
em conta, consideram-se quaisquer movimentos do apetite para o bem ou para o
mal futuros como esperança e temor, que respeitam o bem e o mal árduos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
I Rhetor., cap. XI.
2.
Lib. LXXXIII Quaestion.
(quaest. XXXIII).
3. Q. 23, a. 4.
4. Lib. II Orth. Fid., cap. XII.
5.
Q. 30, a. 1, q. 33, a. 1.
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