Em seguida devemos tratar da concupiscência. E sobre esta questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 ― Se a concupiscência reside só no apetite sensitivo.
Art.
2 ― Se a concupiscência é uma paixão especial da potência concupiscível.
Art.
3 ― Se certas concupiscências são naturais e outras, não-naturais.
Art.
4 ― Se a concupiscência é infinita.
Art. 1 ― Se a concupiscência reside só no apetite sensitivo.
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a concupiscência não reside só no
apetite sensitivo.
1. ― Pois, há uma certa concupiscência da sabedoria, como diz a Escritura (Sb 6, 21): a concupiscência ou o desejo da sabedoria conduz ao reino eterno. Ora, o apetite sensitivo não pode elevar-se até a sabedoria. Logo a concupiscência não reside só no apetite sensitivo.
2.
Demais. ― O apetite sensitivo não tem desejo dos mandamentos de Deus, antes, o
Apóstolo diz (Rm 7, 18): em mim quero dizer, na minha carne, não
habita o bem. Ora, o desejo dos mandamentos de Deus está compreendido na
concupiscência, conforme aquilo da Escritura (Sl 118, 20): A minha
alma desejou ansiosa em todo tempo as tuas justificações. Logo, a
concupiscência não reside só no apetite sensitivo.
3.
Demais. ― Cada potência deseja o seu bem. Logo, a concupiscência existe em cada
uma das potências da alma e não só no apetite sensitivo.
Mas,
em contrário, diz Damasceno: a parte irracional, que obedece e segue a
persuasão da razão, divide-se em concupiscência e ira. Ora, esta é parte
passiva e apetitiva da alma racional 1. Logo, a concupiscência
reside no apetite sensitivo.
Como diz o Filósofo, a concupiscência é um apetite deleitável 2.
Ora, há duas espécies de deleites, como a seguir se dirá: um próprio do bem
inteligível, que pertence à razão, outro, próprio do bem sensível. Ora, a
primeira espécie pertence só à alma, ao passo que a segunda, à alma e ao corpo,
porque, sendo os sentidos virtudes existentes em órgãos corpóreos, o bem sensível
é bem do conjunto. Ora, o apetite de tal deleite é a concupiscência que, como o
próprio nome o indica, pertence simultaneamente à alma e ao corpo. Donde, a
concupiscência, propriamente falando, reside no apetite sensitivo e na virtude
concupiscível, que, da concupiscência, recebe a sua denominação.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O apetite da sabedoria ou dos outros bens
espirituais é chamado às vezes concupiscência, quer por causa de uma certa
semelhança, quer por causa da intensidade do apetite da parte superior que
redunda no inferior de modo tal que este, arrastado pelo superior, vem a
tender, a seu modo, para o bem espiritual, e assim também o corpo serve o espírito,
conforme a Escritura (Sl 83, 3): O meu coração e a minha carne regozijaram-se
no Deus vivo.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O desejo, propriamente falando, pode pertencer, não só ao apetite
inferior, mas também e sobretudo ao superior. Pois, ele não implica, como a
concupiscência, uma associação com o seu objecto, senão um simples movimento
para a coisa desejada.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Cada potência da alma deseja o seu bem próprio, por apetite
natural, o qual não depende da apreensão. Mas, o desejo que o apetite animal tem
do bem, que depende da apreensão, pertence só à virtude apetitiva. E enfim,
desejar algo sob espécie de bem deleitável sensível ― o que é propriamente ter
concupiscência ― pertence à virtude concupiscível.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Lib. II Orth. Fidei, cap. XII.
2.
I Rhetor., cap. XI.
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