21/05/2013

Tratado das paixões da alma 33



Questão 29: Do ódio.

Art. 4 ― Se podemos odiar-nos a nós mesmos.

(IIª.IIªe, q. 25, a . 7, II Sent., dist XLII, q. 2, a . 2, qª, ad 2, III, q. XXVII, Expos. Litt, In Psalm., X, Ephes., cap. V, lect. IX).



O quarto discute-se assim. ― Parece que podemos odiar-nos a nós mesmos.



1. ― Pois, diz a Escritura (Sl 10, 6): aquele que ama a iniquidade aborrece a sua alma. Ora, muitos amam a iniquidade. Logo, odeiam-se a si mesmos.

2. Demais. ― Odiamos a quem queremos e fazemos mal. Ora, alguns, às vezes, querem e fazem mal a si mesmos, como p. ex., os suicidas. Logo, odeiam-se a si mesmos.

3. Demais. ― Boécio diz, que a avareza torna os homens odiosos 1, donde se pode concluir que todos odeiam o avarento. Ora, muitos são avarentos. Logo, odeiam-se a si mesmos.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Ef 5, 29): Ninguém aborreceu jamais a própria carne.

É impossível, absolutamente falando, odiarmo-nos a nós próprios. Pois naturalmente, todos desejam o bem, nem podemos desejar nada senão sob a forma de bem, porque o mal é contrário à vontade, como diz Dionísio 2. Ora, amar alguém é querer-lhe bem, como já dissemos 3. Donde e necessariamente, havemos de nos amar a nós mesmos, sendo impossível, absolutamente falando, que nos odiemos a nós mesmos.

Acidentalmente porém, podemos odiar-nos a nós mesmos e isto de dois modos. ― De um, quanto ao bem que a nós mesmos queremos. Pois pode suceder que o que desejamos como bem relativo seja absolutamente mal, e neste caso, queremos acidentalmente mal a nós próprios, i. é, odiamo-nos. ― De outro modo, quanto a nós mesmos, a quem queremos o bem. Pois, um ser é sobretudo o que nele há de principal, e por isso dizemos que a cidade faz o que faz o rei, como se este constituísse toda ela. Ora, é manifesto o homem ser tal, sobretudo pela alma. Os que, porém, se consideram como sendo o que são sobretudo pela sua natureza corpórea e sensitiva, amam-se pelo que se julgam, mas, querendo o que contraria à razão, odeiam-se no que verdadeiramente são. ― E de ambos os modos, aquele que ama a iniquidade, aborrece, não só a sua alma, mas também a si mesmo.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Ninguém quer e faz mal a si mesmo senão na medida em que apreende esse mal sob a razão de bem. Assim, os suicidas apreendem sob a razão de bem a própria morte, como termo de alguma miséria ou dor.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O avarento odeia um acidente seu, mas nem por isso se odeia a si mesmo, assim como o doente odeia a sua doença por isso mesmo que se ama. ― Ou devemos responder, que a avareza torna o avarento odioso aos outros, mas não a si mesmo, antes, ela é causada pelo amor desordenado de si mesmo, que leva o avarento a querer a si, mais do que é mister, os bens temporais.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II De consol., prosa V.
2. IV De div. nom., lect. XXII.
3. Q. 26, a. 4.


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