Questão 29: Do ódio.
Art. 2 ― Se o amor é causa do ódio.
(IV Cont. Gent., cap. XIX).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que o amor não é causa do ódio.
1. ― Pois, noções que por oposição se dividem são naturalmente simultâneas, como se diz 1. Ora, o amor e o ódio, sendo contrários, dividem-se por oposição. Logo, são naturalmente simultâneos, e portanto o primeiro não é causa do segundo.
2.
Demais. ― Um contrário não é causa do outro. Ora, amor e ódio são contrários.
Logo, aquele não é causa deste.
3.
Demais. ― O posterior não é causa do anterior. Ora, o ódio é anterior ao amor,
segundo parece, pois implicando o afastamento do mal, o amor importa na
aproximação do bem. Logo, aquele não é causa deste.
Mas,
em contrário, diz Agostinho, que todos os afectos são causados pelo amor 2.
Logo, também o ódio, que é um afecto da alma.
Como já dissemos 3, o amor consiste numa certa conveniência entre
o amante e o amado, e o ódio, numa certa repugnância ou dissonância entre um e
outro. Ora, o que convém a um ser deve considerar-se antes do que o que lhe
repugna, pois o que repugna é corruptivo ou impeditivo do conveniente. Donde e
necessariamente, o amor há-de ser anterior ao ódio, e só se odeia o que contraria
o bem conveniente que se ama. Ora, neste sentido todo ódio é causado pelo amor.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Das noções que se dividem por oposição umas,
naturalmente são simultâneas, real e racionalmente, assim, duas espécies
animais ou duas espécies de cores. De outras porém, simultâneas racionalmente,
uma é realmente anterior à outra, de que é a causa, como é patente com as
espécies dos números, das figuras e dos movimentos. Outras, por fim, não são
simultâneas, nem real nem racionalmente, como a substância e o acidente, pois
aquela é realmente causa deste, e o ente, na sua noção racional é atribuído
primeiro à substância e depois ao acidente, porque a este não se atribui senão
enquanto pertence à substância. ― Ora, o amor e o ódio são por certo
naturalmente simultâneos, no ponto de vista racional, não porém no real. Donde,
nada impede que o amor seja causa do ódio.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O amor e o ódio são contrários quando referidos ao mesmo objecto.
Mas, não o são quando se referem a objectos contrários, sendo nesse caso um a consequência
do outro, pois pela mesma razão pelo qual amamos uma coisa odiamos a sua
contrária. E assim, o amor de uma leva-nos a odiar a outra.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Na ordem da execução, primeiro afastamo-nos de um termo e,
depois, achegamo-nos ao outro, mas, o inverso dá-se na ordem da intenção pois
afastamo-nos de uma para nos achegarmos ao outro. Ora, o movimento apetitivo
pertence mais à intenção do que à execução. Logo, o amor é anterior ao ódio,
sendo um e outro movimentos apetitivos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
Praedicamentis, cap. X.
2.
XIV De civitate Dei, cap. VII.
3.
Q. 29, a. 1.
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