18/05/2013

Tratado das paixões da alma 30


Questão 29: Do ódio.

Em seguida devemos tratar do ódio. E sobre esta questão seis artigos se discutem:

Art. 1 ― Se o objecto e a causa do ódio é o mal.
Art. 2 ― Se o amor é causa do ódio.
Art. 3 ― Se o ódio é mais forte que o amor.
Art. 4 ― Se podemos odiar-nos a nós mesmos.
Art. 5 ― Se podemos odiar a verdade.
Art. 6 ― Se podemos odiar alguma coisa em universal.


Art. 1 ― Se o objecto e a causa do ódio é o mal.

(Infra, q. 46, a . 2).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que o objecto e a causa do ódio não é o mal.


1. ― Pois, todo ente é como tal bom. Se pois o objecto do ódio é o mal, nenhuma coisa pode ser odiada, senão só algum defeito qualquer que tenha. Ora, isto é falso.

2. Demais. ― Odiar o mal é louvável, assim, a Escritura diz em louvor de alguns (II Mc 3, 1), que as leis eram exactamente guardadas, por causa da piedade do pontífice Onias e do ódio que ele tinha no coração contra todo o mal. Ora, se só o mal é odiado, resulta que todo ódio é louvável, o que é claramente falso.

3. Demais. ― Uma mesma coisa não pode ser simultaneamente boa e má. Ora, o amável para uns é odioso para outros. Logo, há ódio, não só do mal, mas ainda do bem.

Mas, em contrário. ― O ódio é contrário ao amor. Ora, o objecto do amor é o bem, como antes dissemos 1. Logo, o objecto do ódio é o mal.

Sendo o apetite natural derivado de uma apreensão, embora não conexa, a mesma natureza tem a inclinação do apetite natural e a do apetite animal, consequente à apreensão conexa, conforme já se disse 2. Ora, é manifesto, que assim como o amor natural consiste na consonância ou aptidão natural do apetite para o conveniente, assim, o ódio natural consiste na dissonância natural do apetite relativamente ao repugnante e corruptivo. Do mesmo modo o amor do apetite animal ou o do intelectivo é a consonância desse apetite com o apreendido como conveniente, e o ódio é uma certa dissonância do apetite em relação ao apreendido como repugnante e nocivo. Ora, como tudo o que é conveniente tem, como tal, natureza de bem, assim tudo o que é repugnante o tem como tal natureza de mal. ― E portanto, como o bem é o objecto do amor, o mal é-o do ódio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O ser como tal não é por essência repugnante, mas conveniente, porque tudo se lhe reduz a ele. Mas um ente determinado pode ser contrário a outro, e neste ponto de vista, o ser odioso para outro é, para este, mal, não em si, mas relativamente a ele.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Assim como podemos apreender como bem aquilo que não o é verdadeiramente, o mesmo se pode dar com o mal. Donde, às vezes se dá que não é bem nem o ódio do mal nem o amor do bem.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O amável ao apetite natural de um, por lhe convir à natureza, pode ser odioso para outros, por repugnar em relação a esse mesmo apetite, assim o calor que convém ao fogo, repugna à água. O mesmo se dá com o apetite animal, pois o que um apreende sob a noção de bem, outro apreende sob a de mal.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 26, a. 1, q. 27, a. 1.
2. Q. 26, a. 1.

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