Questão 28: Dos efeitos do amor.
Art. 2 ― Se o amor causa a mútua inerência, i. é, se faz com que o amante esteja no amado e reciprocamente.
(III Sent., dist. XXVII, q. 1,
a . 1 ad 4).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que o amor não causa a mútua inerência, i.
é, não faz com que o amante esteja no amado e reciprocamente.
1. ― Pois, o que está em outro ser é contido por este. Ora, o continente não se identifica com o conteúdo. Logo, o amor não pode causar a mútua inerência, de modo que o amado esteja no amante e reciprocamente.
2.
Demais. ― Não podemos penetrar no íntimo de um ser íntegro senão dividindo-o.
Ora, dividir coisas realmente unidas não pertence ao apetite, no qual tem sua
sede o amor, mas à razão. Logo, a mútua inerência não é efeito do amor.
3.
Demais. ― Se pelo amor o amante está no amado e inversamente, conclui-se que o
amado se une ao amante, do mesmo modo por que este se une com aquele. Ora, a própria
união é o amor, como já se disse 1. Donde se conclui, que sempre o
amante há-de ser amado por quem o ama, o que é claramente falso. Logo, a mútua
inerência não é efeito do amor.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (1 Jo 4, 16): aquele que permanecer na
caridade permanece em Deus, e Deus nele. Ora, a caridade é o amor de Deus.
Logo, pela mesma razão, qualquer amor faz com que o amado esteja no amante.
O efeito em questão da mútua inerência, pode ser entendido relativamente à
virtude apreensiva e à apetitiva.
Assim
quanto à primeira, dizemos que o amado está no amante na medida em que este é
assimilado pela apreensão daquele, conforme a Escritura (Fl 1, 7):
porque vos tenha no coração. ― Dizemos porém que o amante está no amado pela
apreensão, enquanto não se contenta com uma apreensão superficial do amado, mas
antes procura escrutar intimamente tudo o que ao amado pertence, penetra-lhe o
íntimo. Nesse sentido, do Espírito Santo, que é o Amor de Deus, diz a Escritura
(1 Cor 2, 10): que penetra ainda o que há de mais oculto na
profundidade de Deus.
Relativamente
à virtude apetitiva porém, dizemos que o amado está no amante por provocar-lhe
uma certa complacência do afecto, de modo que se deleite com o amado, ou com os
seus bens, ou com a sua presença, ou ainda, quando o amado está ausente,
busque-o por amor de concupiscência, ou os bens que, por amor de amizade, lhe
quereria, e não por nenhuma causa extrínseca, como quando desejamos alguma
coisa por causa de outra, ou desejamos o bem a outrem por uma outra coisa
qualquer, senão só por complacência do amado que lhe está intimamente radicada.
Por isso o amor se chama íntimo, e se fala nas vísceras da caridade. ―
Inversamente porém, o amante está no amado, de um modo, pelo amor de
concupiscência, de outro, pelo de amizade. Ora, o amor de concupiscência não
repousa numa obtenção ou fruição qualquer, extrínseca ou superficial do bem
amado, mas procura possuí-lo perfeitamente, quase penetrando-lhe no íntimo. Ao
passo que no amor de amizade, o amante está no amado, porque reputa como seus
os bens e os males do amigo, e como sua a vontade do amigo, de modo que se
considere como afetado dos mesmos bens e dos mesmos males que afectam o amigo.
E por isso é próprio dos amigos quererem as mesmas coisas, alegrarem-se e
entristecerem-se com elas, segundo o Filósofo 2, que ainda diz em
outro passo 3 que, do modo supra-mencionado, considerando seu o que
é do amigo, o amante se considere como estado no amado, quase identificado com
ele, e enquanto, reciprocamente, quer e age por causa do amigo como por causa
de si mesmo, quase considerando-o como identificado consigo, desse modo o amado
está no amante.
Pode
ainda entender-se a mútua inerência de um terceiro modo, relativamente ao amor
de amizade, por via do amor mútuo, enquanto os amigos mutuamente se amam e
mutuamente se querem bem e se beneficiam.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O amado está contido no amante, enquanto se
lhe imprime no afecto por uma certa complacência deste. Inversamente porém o
amante está contido no amado, enquanto busca de certo modo o que a este lhe é
íntimo. Donde, nada impede um mesmo ser seja, em diversos pontos de vista, continente
e contido, assim. O género se contém na espécie e reciprocamente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A apreensão da razão precede ao afecto do amor. Donde, assim como
a razão inquire, assim o afecto do amor penetra o ser amado, como do sobredito
claramente resulta.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A objecção colhe relativamente ao modo de mútua inerência, que
não se encontra em qualquer amor.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 28, a. 1.
2. IX Ethic., lect. III.
3.
II Rhetor., cap. IV.
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