A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Jo 8, 42-59
42 Jesus disse-lhes: «Se Deus fosse
vosso pai, certamente Me amaríeis porque Eu saí e vim de Deus. Não vim de Mim
mesmo, mas foi Ele que Me enviou. 43 Porque não conheceis vós a Minha
linguagem? Porque não podeis ouvir a Minha palavra. 44 Vós tendes por pai o
demónio, e quereis satisfazer os desejos do vosso pai. Ele foi homicida desde o
princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando
ele diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da
mentira. 45 Mas, porque vos digo a verdade, não acreditais em Mim. 46 Qual de
vós Me arguirá de pecado? Se Eu vos digo a verdade, porque não Me acreditais? 47
Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso vós não as ouvis, porque não
sois de Deus». 48 Os judeus responderam-Lhe: «Não dizemos nós com razão que Tu
és um samaritano e que estás possesso do demónio?». 49 Respondeu Jesus: «Eu não
tenho demónio, mas honro o Meu Pai, e vós a Mim Me desonrais. 50 Eu não procuro
a Minha glória; há Quem tome cuidado dela, e Quem fará justiça. 51 Em verdade,
em verdade vos digo: Quem guardar a Minha palavra não verá a morte
eternamente». 52 Os judeus disseram-Lhe: «Agora reconhecemos que estás possesso
do demónio. Abraão morreu, os profetas também, e Tu dizes: Quem guardar a Minha
palavra não provará a morte eternamente. 53 Porventura és maior do que o nosso
pai Abraão, que morreu? Os profetas também morreram: Quem pretendes Tu ser?». 54
Jesus respondeu: «Se Eu Me glorifico a Mim mesmo, a Minha glória não é nada;
Meu Pai é que Me glorifica, Aquele que vós dizeis que é vosso Deus.55 Mas vós
não O conhecestes; Eu sim, conheço-O; e, se disser que não O conheço, seria
mentiroso como vós. Mas conheço-O e guardo a Sua palavra.56 Abraão, vosso pai,
regozijou-se com a esperança de ver o Meu dia; viu-o e ficou cheio de gozo». 57
Os judeus, por isso, disseram-Lhe: «Tu ainda não tens cinquenta anos e viste
Abraão?». 58 Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Antes que
Abraão existisse, “Eu sou”». 59 Então pegaram em pedras para Lhe atirarem; mas
Jesus ocultou-Se e saiu do templo.
CRISTO QUE PASSA 132 a 152
132
Dar a conhecer a Cristo
Todos
os acontecimentos da vida - os de cada existência individual e, de algum modo,
os das grandes encruzilhadas da História - vejo-os como outros tantos
chamamentos que Deus faz aos homens para olharem de frente a verdade e como
ocasiões oferecidas a nós, cristãos, para anunciarmos com as nossas obras e as
nossas palavras, auxiliados pela graça, o Espírito a que pertencemos.
Cada
geração de cristãos deve redimir e santificar o seu tempo: para tanto, precisa
de compreender e de compartilhar os anseios dos homens, seus iguais, a fim de
lhes dar a conhecer, com dom de línguas, como corresponder à acção do Espírito
Santo, à efusão permanente das riquezas do Coração divino. A nós, cristãos,
compete anunciar nestes dias, ao mundo a que pertencemos e em que vivemos, a
antiga e sempre nova mensagem do Evangelho.
Não
é verdade que toda a gente de hoje - assim, em geral ou em bloco - esteja
fechada ou permaneça indiferente ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o
ser do Homem. Não é certo que os homens do nosso tempo se ocupem só das coisas
da Terra e se desinteressem de olhar para o Céu. Embora não faltem ideologias -
e pessoas para as sustentarem - que estão fechadas, na nossa época não há
apenas atitudes rasteiras, mas também altos ideais; não há apenas cobardia, mas
heroísmo, e ao lado das desilusões permanecem grandes aspirações. Há pessoas
que sonham com um mundo novo, mais justo e mais humano, enquanto outras, talvez
decepcionadas diante do fracasso dos seus primeiros ideais, se refugiam no
egoísmo de buscarem a sua própria tranquilidade ou de se deixarem ficar
mergulhadas no erro.
A
todos os homens e todas as mulheres, estejam onde estiverem, em momentos de
exaltação ou de crise ou de derrota, devemos fazer chegar o anúncio solene e
claro de S. Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a
pedra angular, o Redentor, tudo da nossa vida, pois fora d'Ele não foi dado
outro nome, aos homens, debaixo do céu, pelo qual possamos ser salvos
133
Entre
os dons do Espírito Santo, eu diria que há um de que todos nós, cristãos, temos
especial necessidade: o dom da Sabedoria, que, fazendo-nos conhecer a Deus e
tomar-Lhe o sabor, nos coloca em condições de poder julgar com verdade as
situações e as coisas da vida presente. Se fôssemos consequentes com a nossa
fé, quando olhássemos à nossa volta e contemplássemos o espectáculo da História
e do Mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer nos nossos corações os
mesmos sentimentos que animaram o de Jesus Cristo: ao ver aquelas multidões,
compadeceu-se delas, porque estavam maltratadas e fatigadas e como ovelhas sem
pastor.
Não
é que o cristão não veja todo o bem que há na Humanidade, não aprecie as
alegrias puras, não participe dos anseios e dos ideais terrenos. Pelo
contrário, sente tudo isso desde o mais recôndito da alma e compartilha-o e
vive-o com especial intensidade, pois conhece melhor do que ninguém os arcanos
do espírito humano.
A
fé cristã não nos torna pusilânimes nem cerceia os impulsos nobres da alma,
pois é ela que os engrandece, ao revelar o seu verdadeiro e mais autêntico
sentido: não estamos destinados a uma felicidade qualquer, porque fomos
chamados à intimidade divina, a conhecer e amar Deus Pai, Deus Filho e Deus
Espírito Santo e, na Trindade e na Unidade de Deus, todos os anjos e todos os
homens.
Essa
é a grande ousadia da fé cristã: proclamar o valor e a dignidade da natureza
humana e afirmar que, mediante a graça que nos eleva à ordem sobrenatural,
fomos criados para alcançar a dignidade de filhos de Deus. Ousadia de certo
incrível, se não se baseasse no desígnio salvador de Deus Pai e não houvesse
sido confirmada pelo Sangue de Cristo e reafirmada e tornada possível pela
acção constante do Espírito Santo.
Temos
de viver de Fé, crescer na Fé, até poder dizer de cada um de nós, de cada
cristão, o que há muitos séculos escreveu um dos grandes Doutores da Igreja
Oriental: Da mesma maneira que os corpos transparentes e límpidos, quando
recebem os raios luminosos, se tornam resplandecentes e irradiam brilho, assim
as almas que são conduzidas e iluminadas pelo Espírito Santo se tornam também
espirituais e levam às outras a luz da graça. Do Espírito Santo procede o
conhecimento das coisas futuras, a inteligência dos mistérios, a compreensão
das verdades ocultas, a distribuição dos dons, a cidadania celeste, a
conversação com os Anjos. D'Ele, a alegria que nunca termina, a perseverança em
Deus, a semelhança com Deus e - a coisa mais sublime que pode ser pensada - a
transformação em Deus
A
consciência da grandeza da dignidade humana - de um modo eminente e inefável,
pois fomos, pela acção da graça, constituídos filhos de Deus - é no cristão uma
só coisa com a humildade, visto que não são as nossas forças que nos salvam e
nos dão a vida, mas o favor divino. É uma verdade que não se pode esquecer,
porque senão pervertia-se o nosso endeusamento, convertendo-se em presunção, em
soberba e, mais cedo ou mais tarde, em ruína espiritual perante a experiência
da nossa fraqueza e miséria.
Atrever-me-ei
a dizer que sou santo? - perguntava a si mesmo Santo Agostinho - Se dissesse
santo como santificador e não necessitado de ninguém que me santificasse, seria
soberbo e mentiroso. Mas, se entendo por santo o santificado, segundo aquilo
que se lê no Levítico: sede santos, porque Eu, Deus, sou santo, então também o
corpo de Cristo, até ao último homem situado nos confins da Terra, poderá dizer
ousadamente, unido à sua Cabeça e a ela subordinado: sou santo
Amemos
a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade; escutemos na intimidade do nosso ser
as moções divinas - alentos, censuras - ; caminhemos sobre a Terra dentro da
luz derramada na nossa alma; e o Deus da esperança nos encherá de todas as
formas de paz, para que essa esperança vá crescendo em nós cada vez mais, pela
virtude do Espírito Santo.
134
Amizade com o Espírito
Santo
Viver
segundo o Espírito Santo é viver de Fé, de Esperança, de Caridade; é deixar que
Deus tome posse de nós e mude os nossos corações desde a raiz, para os fazer à
sua medida. Uma vida cristã madura, profunda e firme não é coisa que se
improvise, porque é fruto do crescimento em nós da graça de Deus. Nos Actos dos
Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase
breve, mas cheia de sentido: perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos e na
comum fracção do pão e nas orações.
Assim
viveram os primeiros cristãos e assim devemos viver nós: a meditação da
doutrina da Fé, de modo assimilá-la, o encontro com Cristo na Eucaristia, o
diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, hão-de
constituir como que a substância última da nossa vida. Se isso faltar, talvez
haja reflexão erudita, actividade mais ou menos intensa, devoções e práticas
piedosas. Não haverá, porém, existência cristã autêntica, porque faltará a
compenetração com Cristo, a participação real e vivida na obra divina da
salvação.
A
qualquer cristão se aplica esta doutrina, porque todos estamos igualmente chamados
à santidade. Não há cristãos de segunda classe, obrigados a pôr em prática
apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo baptismo e,
embora exista uma ampla diversidade de carismas e de situações humanas, um
mesmo é o Espírito que distribui os dons divinos, uma mesma a Fé, uma só a
Esperança, uma só a Caridade.
Podemos,
pois, ter por dirigida a nós mesmos a pergunta do Apóstolo: não sabeis que sois
templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?, e recebê-la como um
convite a um trato mais pessoal e directo com Deus. Infelizmente, o Paráclito é
para alguns cristãos o Grande Desconhecido, um nome que se pronuncia, mas que
não é Alguém - uma das Três Pessoas do Único Deus - com Quem se fala e de Quem
se vive.
Ora
é indispensável ter com Ele familiaridade e confiança, cheia de simplicidade
como nos ensina a Igreja através da Liturgia. Assim conheceremos melhor Nosso
Senhor e ao mesmo tempo compreenderemos melhor o imenso dom que significa ser
cristão; veremos como é grande e verdadeiro o "endeusamento", a
participação na vida divina a que atrás me referi.
Porque
o Espírito Santo não é um artista que desenha em nós a divina substância, como
se lhe fosse alheio; não é assim que nos conduz à semelhança divina: é Ele
mesmo, que é Deus e de Deus procede, que Se imprime nos corações que O recebem,
à maneira de selo sobre a cera, e é assim, por comunicação de si mesmo e pela
semelhança, que restabelece a natureza segundo a beleza do modelo divino e
restitui ao homem a imagem de Deus.
135
Para
pôr em prática, ainda que seja de um modo muito genérico, um estilo de vida que
nos anime a conviver com o Espírito Santo - e, ao mesmo tempo com o Pai e o
Filho - numa verdadeira intimidade com o Paráclito, devemos firmar-nos em três
realidades fundamentais: docilidade - digo-o mais uma vez - vida de oração,
união com a Cruz.
Em
primeiro lugar, docilidade - porque é o Espírito Santo que, com as suas
inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e
obras. É Ele que nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la em
profundidade; que nos dá luz para tomar consciência da nossa vocação pessoal e
força para realizar tudo o que Deus espera de nós. Se formos dóceis ao Espírito
Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando, cada vez mais nítida, em nós e
assim nos iremos aproximando cada vez mais de Deus Pai. Os que são conduzidos
pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.
Se
nos deixarmos guiar por esse princípio de vida, presente em nós, que é o
Espírito Santo, a nossa vitalidade espiritual irá crescendo e
abandonar-nos-emos nas mãos do nosso Pai Deus, com a mesma espontaneidade e
confiança com que um menino se lança nos braços do pai. Se não vos tornardes
como meninos, não entrareis no Reino dos Céus, disse o Senhor. É este o antigo
e sempre actual caminho da infância espiritual, que não é sentimentalismo nem
falta de maturidade humana, mas sim maioridade sobrenatural, que nos leva a
aprofundar as maravilhas do amor divino, reconhecer a nossa pequenez e a
identificar plenamente a nossa vontade com a de Deus.
136
Em
segundo lugar, vida de oração, porque a entrega, a obediência, a mansidão do
cristão nascem do amor e para o amor caminham. E o amor conduz ao convívio, à
conversação, à intimidade. A vida cristã requer um diálogo constante com Deus
Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito Santo nos conduz. Quem
conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem, que está nele?
Assim também as coisas que são de Deus, ninguém as conhece senão o Espírito de
Deus. Se tivermos assídua relação com o Espírito Santo, também nós nos faremos
espirituais, nos sentiremos irmãos de Cristo e filhos de Deus, a Quem não
teremos dúvida de invocar como Pai nosso que é.
Acostumemo-nos
a conviver com o Espírito Santo, que é quem nos há-de santificar; a confiar
n'Ele, a pedir a sua ajuda, a senti-Lo ao pé de nós. Assim se irá tornando
maior o nosso pobre coração, e teremos mais desejos de amar a Deus e, por Ele,
a todas as criaturas. E nas nossas vidas reproduzir-se-á a visão com que
termina o Apocalipse: o Espírito e a Esposa, o Espírito Santo e a Igreja - e
cada um dos cristãos - dirigem-se a Jesus Cristo, pedindo-lhe que venha, que
esteja connosco para sempre.
137
Por
último, união com a Cruz. Porque, na vida de Cristo, o Calvário precedeu a
Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo deve reproduzir-se na vida
de cada cristão: somos - diz-nos S. Paulo - co-herdeiros de Cristo; mas isto,
se sofrermos com Ele, para sermos com Ele glorificados. O Espírito Santo é o
fruto da Cruz, da entrega total a Deus, de buscarmos exclusivamente a sua
glória e de renunciarmos completamente a nós mesmos.
Só
quando o homem, sendo fiel à graça, se decide a colocar no centro da sua alma a
Cruz, negando-se a si mesmo por amor de Deus, estando realmente desapegado do
egoísmo e de toda a falsa segurança humana, quer dizer, só quando vive
verdadeiramente de Fé, é que recebe com plenitude o grande fogo, a grande luz,
a grande consolação do Espírito Santo.
É
então que vêm à alma essa paz e essa liberdade que Cristo ganhou para nós e que
se nos comunicam com a graça do Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo são
caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade,
mansidão, fé, modéstia, continência, castidade; e onde está o Espírito do
Senhor, aí há libeldade.
138
No
meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado
ainda habita em nós de algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza
da sua filiação divina, quando se reconhece plenamente livre porque trabalha
nas coisas do seu Pai, quando a sua alegria se torna constante por nada ser
capaz de lhe destruir a esperança.
Pois
é também nesse momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da
Terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a
pureza para que foi criado o coração humano.
Também
é nessa altura que a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo,
desesperado ou altivo porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana
conduzem-no a identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a
sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então,
finalmente, que o cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito
Santo, de tal maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite
a recomeçar e a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as
encruzilhadas da Terra, apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam
ser faltas leves, que apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves,
acudindo ao Sacramento da Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a
ser de novo uma boa testemunha das suas misericórdias.
Tal
é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a
riqueza da fé, a vida do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo.
Não posso, portanto, terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se
contém num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da
oração incessante da Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as
inteligências dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Na tua
escola, faz-nos conhecer o Pai e também o Filho; faz, enfim, com que
acreditemos eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e do Outro.
139
Um
olhar pelo mundo, um olhar sobre o Povo de Deus neste mês de Maio que começa,
faz-nos contemplar o espectáculo da devoção mariana manifestada em tantos
costumes, antigos ou novos, mas sempre vividos com um mesmo espírito de amor.
Dá alegria verificar que a devoção à Virgem está sempre viva, despertando nas
almas cristãs um impulso sobrenatural para se comportarem como domestici Dei,
como membros da família de Deus.
Nestes
dias, vendo como tantos cristãos exprimem dos mais diversos modos o seu carinho
à Virgem Santa Maria, também vós certamente vos sentis mais dentro da Igreja,
mais irmãos de todos esses vossos irmãos.
É
uma espécie de reunião de família, como quando os irmãos que a vida separou
voltam a encontrar-se junto da Mãe, por ocasião de alguma festa. Ainda que
alguma vez tenham discutido uns com os outros e se tenham tratado mal, naquele
dia não; naquele dia sentem-se unidos, reencontram-se unidos, reencontram-se
todos no afecto comum.
Maria,
na verdade, edifica continuamente a Igreja, reúne-a, mantém-na coesa. É difícil
ter autêntica devoção à Virgem sem nos sentirmos mais vinculados aos outros
membros do Corpo Místico e também mais unidos à sua cabeça visível, o Papa. Por
isso me agrada repetir: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam! - todos, com
Pedro, a Jesus, por Maria! E assim, ao reconhecer-nos como parte da Igreja e
convidados a sentir-nos irmãos na Fé, descobrimos mais profundamente a
fraternidade que nos une à Humanidade inteira, porque a Igreja foi enviada por
Cristo a todos os homens e a todos os povos.
O
que acabo de dizer, todos nós o experimentamos, pois não nos têm faltado
ocasiões de comprovar os efeitos sobrenaturais de uma sincera devoção à Virgem.
Cada um de vós podia contar muitas coisas a esse propósito. E eu também. Vem-me
agora à memória uma romaria que fiz em 1935 a uma ermida da Virgem em terra
castelhana - a Sonsoles.
Não
era uma romaria no sentido habitual. Não era ruidosa nem multitudinária. Íamos
apenas três. Respeito e estimo essas outras manifestações públicas de piedade,
mas, pessoalmente, prefiro tentar oferecer a Maria o mesmo carinho e o mesmo
entusiasmo por meio de visitas pessoais, ou em pequenos grupos, com intimidade.
Naquela
romaria a Sonsoles, conheci a origem desta invocação da Virgem - pormenor sem
grande importância, mas que é uma manifestação filial da gente daquela terra. A
imagem de Nossa Senhora que se venera naquele lugar esteve escondida durante
algum tempo, na época das lutas entre cristãos e muçulmanos em Espanha. Ao cabo
de alguns anos, a imagem foi encontrada por uns pastores, que, segundo conta a
tradição, exclamaram, ao vê-la: Que lindos olhos! São sóis! *
*
(N. do T.) Em castelhano, "son soles"
140
Mãe de Cristo, Mãe dos
Cristãos
Desde
esse ano de 1935, em numerosas e habituais visitas a santuários de Nossa
Senhora, tenho tido ocasiões de reflectir e de meditar sobre esta realidade - a
do carinho de tantos cristãos pela Mãe de Jesus. E sempre pensei que esse
carinho é uma correspondência de amor, uma prova de gratidão filial. Porque
Maria está bem unida à maior manifestação de amor de Deus, a Encarnação do
Verbo, que se fez homem como nós e carregou com as nossas misérias e pecados.
Maria, fiel à missão divina para que foi criada entregou-se e entrega-se
continuamente em serviço dos homens, chamados todos eles a serem irmãos do seu
Filho Jesus. E assim a Mãe de Deus é realmente agora a Mãe dos homens também,
Assim
é, porque assim o quis o Senhor. E o Espírito Santo dispôs que ficasse escrito,
para ser manifesto a todas as gerações: Estavam, junto à Cruz de Jesus, sua
Mãe, e a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria de Magdala. Ao ver
sua Mãe e, junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse a sua Mãe:
Mulher, eis aí o teu filho. Depois. disse ao discípulo: Eis aí a tua Mãe. E,
desde aquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa.
João,
o discípulo amado de Jesus, recebe Maria e introdu-la em sua casa, na sua vida.
Os autores espirituais viram nestas palavras do Santo Evangelho um convite
dirigido a todos os cristãos para que Maria entre também nas suas vidas. Em
certo sentido, é quase supérfluo este esclarecimento. Maria quer, certamente,
que a invoquemos, que nos aproximemos d'Ela com confiança, que apelemos para a
sua maternidade, pedindo-lhe que se manifeste como nossa Mãe.
Mas
é uma Mãe que não se faz rogar, que se adianta, inclusivamente, às nossas
súplicas, pois conhece as necessidades e vem prontamente em nossa ajuda,
demonstrando com obras que se lembra constantemente dois seus filhos. Cada um
de nós, evocando a sua própria vida e vendo como nela se manifesta a
misericórdia de Deus, pode descobrir mil motivos para se sentir, de modo
especial, filho de Maria.
141
Os
textos da Sagrada Escritura que nos falam de Nossa Senhora fazem-nos ver
precisamente como a Mãe de Jesus acompanha o seu Filho passo a passo,
associando-se à sua missão redentora, alegrando-se e sofrendo com Ele, amando
aqueles que Jesus ama, ocupando-se com maternal solicitude de todos os que
estão a seu lado.
Pensemos,
por exemplo, no relato das bodas de Caná. Entre tantos convidados de uma
ruidosa boda rural, a que vêm pessoas de muitos lugares, Maria dá pela falta de
vinho. Repara nisso imediatamente - e só Ela. Que familiares se nos apresentam
as cenas da vida de Cristo! Porque a grandeza de Deus convive com o humano -
com o normal e corrente. Realmente, é próprio de uma mulher, de uma atenta dona
de casa, reparar num descuido, estar presente nesses pequenos pormenores que
tomam agradável a existência humana; e assim aconteceu com Maria.
Reparai
também que é João quem narra o episódio de Caná. É ele o único evangelista que
recolhe este gesto de solicitude maternal. S. João quer lembrar-vos que Maria
esteve presente no começo da vida pública do Senhor. Isto demonstra que soube
aprofundar a importância dessa presença de Nossa Senhora. Jesus sabia a quem
confiava a sua Mãe: a um discípulo que a tinha amado, que tinha aprendido a
querer-lhe como à sua própria mãe e que era capaz de entendê-la.
Pensemos
agora nos dias que se seguiram à Ascensão, à espera do Pentecostes. Os
discípulos cheios de fé pelo triunfo de Cristo ressuscitado (e ansiosos pelo
Espírito Santo prometido), querem sentir-se unidos, e encontramo-los cum Maria
Matre Iesu, com Maria, Mãe de Jesus. A oração dos discípulos acompanha a oração
de Maria: era a oração de uma família unida.
Desta
vez é S. Lucas, - o evangelista que narrou com mais extensão a infância de
Jesus, quem nos transmite este novo dado. Como se desejasse dar-nos a entender
que, assim como Maria teve um papel de primeira importância na Encarnação do
Verbo, de modo análogo também esteve presente nas origens da Igreja, que é o
Corpo de Cristo.
Desde
o primeiro momento da vida da Igreja, todos os cristãos que procuraram o amor
de Deus - esse amor que se nos revela e se faz carne em Jesus Cristo - se
encontraram com a Virgem e experimentaram de muito diversas maneiras o seu
desvelo maternal. A Virgem Santíssima pode chamar-se com verdade Mãe de todos
os cristãos. Santo Agostinho dizia-o com palavras claras: Cooperou com a sua
caridade para que nascessem na Igreja os fiéis, membros daquela cabeça, de que
é efectivamente Mãe segundo o corpo.
Não
é, pois, estranho que um dos testemunhos mais antigos da devoção a Maria seja
precisamente uma oração cheia de confiança. Refiro-me àquela antífona, composta
há séculos, que continuamos a repetir hoje em dia: À vossa protecção nos
acolhemos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as súplicas que em nossas
necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem
gloriosa e bendita.
142
Intimidade com Maria
De
uma maneira espontânea, natural, surge em nós o desejo de conviver com a Mãe de
Deus, que é também nossa mãe; de conviver com Ela como se convive com uma
pessoa viva, porque sobre Ela não triunfou a morte; está em corpo e alma junto
a Deus Pai, junto a seu Filho, junto ao Espírito Santo.
Para
compreendermos o papel que Maria desempenha na vida cristã, para nos sentirmos
atraídos por Ela, para desejar a sua amável companhia com filial afecto, não
são precisas grandes especulações, embora o mistério da Maternidade divina
tenha uma riqueza de conteúdo sobre a qual nunca reflectiremos bastante.
A
fé católica soube reconhecer em Maria um sinal privilegiado do amor de Deus.
Deus chama-nos, já agora, seus amigos; a sua graça actua em nós, regenera-nos
do pecado, dá-nos forças para que, entre as fraquezas próprias de quem é pó e
miséria, possamos reflectir de algum modo o rosto de Cristo. Não somos apenas
náufragos que Deus prometeu salvar; essa salvação já actua em nós. A nossa
relação com Deus não é a de um cego que anseia pela luz mas que geme entre as
angústias da obscuridade; é a de um filho que se sabe amado por seu Pai.
Dessa
cordialidade, dessa confiança, dessa segurança, nos fala Maria. Por isso o seu
nome vai tão direito aos nossos corações. A relação de cada um de nós com a
nossa própria mãe pode servir-nos de modelo e de pauta para a nossa intimidade
com a Senhora do Doce Nome, Maria. Temos de amar a Deus com o mesmo coração com
que amamos os nossos pais, os nossos irmãos, os outros membros da nossa
família, os nossos amigos ou amigas. Não temos outro coração. E com esse mesmo
coração havemos de querer a Maria.
Como
se comporta um filho ou uma filha normal com a sua Mãe? De mil maneiras, mas
sempre com carinho e confiança. Com um carinho que se manifestará em cada caso
de determinadas formas, nascidas da própria vida, e que nunca são algo de frio,
mas costumes muito íntimos de família, pequenos pormenores diários que o filho
precisa de ter com a sua mãe e de que a mãe sente falta, se o filho alguma vez
os esquece: um beijo ou uma carícia ao sair ou ao voltar a casa, uma pequena
delicadeza, umas palavras expressivas...
Nas
nossas relações com a nossa Mãe do Céu, existem também essas normas de piedade
filial, que são modelo do nosso comportamento habitual com Ela. Muitos cristãos
tornam seu o antigo costume do escapulário; ou adquirem o hábito de saudar (não
são precisas palavras; o pensamento basta) as imagens de Maria que há em
qualquer lar cristão ou que adornam as ruas de tantas cidades; ou dão vida a
essa oração maravilhosa que é o Terço, em que a alma não se cansa de dizer
sempre as mesmas coisas, como não se cansam os enamorados, e em que se aprende
a reviver os momentos centrais da vida do Senhor; ou então habituam-se a
dedicar à Senhora um dia da semana - precisamente este em que estamos reunidos:
o sábado - oferecendo-lhe alguma pequena delicadeza e meditando mais
especialmente na sua maternidade...
Há
muitas outras devoções marianas que não é necessário recordar aqui neste
momento. Nem todas têm de fazer parte da vida de cada cristão - crescer em vida
sobrenatural é algo de muito diferente de ir amontoando devoções - mas devo
afirmar ao mesmo tempo que não possui a plenitude da fé cristã quem não vive
alguma delas, quem não manifesta de algum modo o seu amor a Maria.
Os
que consideram ultrapassadas as devoções à Virgem Santíssima dão sinais de
terem perdido o profundo sentido cristão que elas encerram e esquecido a fonte
donde nascem: a fé na vontade salvífica de Deus Pai; o amor a Deus Filho, que
Se fez Homem realmente e nasceu de uma mulher; a confiança em Deus Espírito
Santo, que nos santifica com a sua graça. Foi Deus quem nos deu Maria e não
temos o direito de rejeitá-la, mas devemos recorrer a Ela com amor e com
alegria de filhos.
143
Tornarmo-nos crianças no
amor de Deus
Consideremos
atentamente este ponto, porque nos pode ajudar a compreender coisas muito
importantes. O mistério de Maria faz-nos ver que, para nos aproximarmos de
Deus, é preciso tornarmo-nos pequenos. Em verdade vos digo, - exclamou o Senhor
dirigindo-Se aos seus discípulos - se não voltardes a ser como meninos, não
podereis entrar no reino dos Céus.
Tornarmo-nos
meninos... Renunciar à soberba, à auto-suficiência; reconhecer que, sozinhos,
nada podemos, porque necessitamos da graça, do poder do nosso Pai, Deus, para
aprender a caminhar e para perseverar no caminho. Ser pequeno exige
abandonar-se como se abandonam as crianças, crer como crêem as crianças, pedir
como pedem as crianças.
Tudo
isto aprendemos na intimidade com Maria. A devoção à Virgem não é moleza; é
consolo e júbilo que enche a alma precisamente porque exige o exercício
profundo e íntegro da Fé, que nos faz sair de nós mesmos e colocar a nossa
esperança no Senhor. Iavé é o meu pastor - canta um dos salmos - e nada me
faltará. Em verdes prados me faz repousar, conduz-me junto das águas saborosas,
reconforta a minha alma e guia-me por caminhos rectos, em virtude do seu nome.
Ainda que eu vá por um vale tenebroso, nenhum mal temerei, porque Tu estás
comigo.
Porque
Maria é Mãe, a sua devoção ensina-nos a ser filhos - a amar deveras, sem
medida; a ser simples, sem as complicações que nascem do egoísmo de pensar só
em nós; a estar alegres, sabendo que nada pode destruir a nossa esperança. O
princípio do caminho que leva à loucura do amor de Deus é um confiado amor a
Maria Santíssima. Assim o escrevi já há muitos anos, no prólogo a uns
comentários ao Santo Rosário, e desde então muitas vezes voltei a comprovar a
verdade destas palavras. Não vou fazer aqui muitas considerações para glosar
esta ideia; convido-vos, sim, a fazerdes vós a experiência, a descobrirdes isso
por vós mesmos, conversando amorosamente com Maria, abrindo-lhe o vosso
coração, confiando-lhe as vossa alegrias e as vossas penas, pedindo-lhe que vos
ajude a conhecer e a seguir Jesus.
144
Se
procurais Maria, encontrareis Jesus. E aprendereis a entender um pouco o que há
nesse coração divino, que se aniquila, que renuncia a manifestar o seu poder e
a sua majestade, para se apresentar sob a forma de escravo. Falando
humanamente, poderíamos dizer que Deus Se excede, pois não se limita ao que
seria essencial e imprescindível para salvar-nos, mas vai mais além. A única
norma ou medida que nos permite compreender de algum modo essa maneira de
actuar de Deus é reparar que não tem medida, ver que nasce de uma loucura de
amor, que O leva a tomar a nossa carne e a carregar com o peso dos nossos
pecados.
Como
é possível dar-nos conta disto, advertirmos que Deus nos ama e não ficarmos
também nós loucos de amor? É necessário deixar que estas verdades da nossa fé
nos vão penetrando na alma, até transformarem toda a nossa vida. Deus ama-nos!
O Omnipotente, o que fez os Céus e a Terra!
Deus
interessa-Se pelas mais pequenas coisas das suas criaturas - pelas vossas e
pelas minhas - e chama-nos, um a um, pelo nosso próprio nome. Esta certeza que
a Fé nos dá faz-nos olhar o que nos cerca a uma luz nova e, permanecendo tudo
igual, leva-nos a ver que tudo é diferente, porque tudo é expressão do amor de
Deus.
A
nossa vida converte-se, desse modo, numa continua oração, num bom humor e numa
paz que nunca se acabam, num acto de acção de graças desfiado ao longo das
horas. A minha alma glorifica a Senhor - cantou a Virgem Maria - e o meu espírito
exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humilde condição
da sua Serva. Por isso, desde agora todas as gerações me hão-de chamar
bem-aventurada, porque fez em mim grandes coisas o Omnipotente, cujo nome é
Santo.
A
nossa oração pode acompanhar e imitar essa oração de Maria. Tal como Ela,
sentiremos desejo de cantar, de proclamar as maravilhas de Deus, para que a
Humanidade inteira e todos os seres participem da nossa felicidade.
145
Maria faz-nos sentir
irmãos
Não
podemos conviver filialmente com Maria e pensar apenas em nós mesmos, nos
nossos problemas. Não se pode tratar com a Virgem e ter, egoisticamente,
problemas pessoais. Maria leva a Jesus e Jesus é primogenitus in multis
fratribus, primogénito entre muitos irmãos. Conhecer Jesus, portanto, é
compreendermos que a nossa vida não pode ter outro sentido senão o de
entregar-nos ao serviço dos outros. Um cristão não pode reduzir-se aos seus
problemas pessoais, pois tem de viver face à Igreja universal, pensando na
salvação de todas as almas.
Deste
modo, até aquelas facetas que poderiam considerar-se mais íntimas e privadas -
a preocupação pelo progresso interior - não são, na realidade, individuais,
visto que a santificação forma uma só coisa com o apostolado. Havemos de esforçar-nos,
na nossa vida interior e no desenvolvimento das virtudes cristãs, pensando no
bem de toda a Igreja, dado que não poderíamos fazer o bem e dar a conhecer
Cristo, se na nossa vida não se desse um esforço sincero por realizar os
ensinamentos do Evangelho.
Impregnadas
deste espírito, as nossas orações, ainda que comecem por temas e propósitos
aparentemente pessoais, acabam sempre por ir ter ao serviço dos outros. E, se
caminharmos pela mão da Virgem Santíssima, Ela fará com que nos sintamos irmãos
de todos os homens, porque todos somos Filhos desse Deus de que Ela é filha,
esposa e mãe.
Os
problemas dos outros devem ser os nossos problemas. A fraternidade cristã deve
estar bem no fundo da nossa alma, de tal modo que nenhuma pessoa nos seja
indiferente. Maria, Mãe de Jesus, que O criou, O educou e O acompanhou durante
a sua vida terrena e agora está junto d'Ele nos Céus, ajudar-nos-á a reconhecer
Jesus em quem passa ao nosso lado, tornado presente para nós nas necessidades
dos nossos irmãos, os homens.
146
Naquela
"romaria" de que vos falava ao princípio, enquanto caminhávamos até à
ermida de Sonsoles, passámos junto a uns campos de trigo. A messe brilhava ao
sol, ondulada pelo vento. Veio-me então à memória um texto do Evangelho, umas
palavras que o Senhor dirigiu ao grupo dos seus discípulos: Não dizeis vós que
dentro de quatro meses chegará o tempo da ceifa? Pois Eu vos digo: erguei os
olhos e vede; os campos estão brancos para a ceifa. Lembrei-me uma vez mais de
que o Senhor queria meter em nossos corações o mesmo empenho, o mesmo fogo que
dominava o Seu. E, de boa vontade, afastando-me um pouco do caminho, teria
apanhado umas espigas que me serviriam para recordá-lo.
É
preciso abrir os olhos, é preciso saber olhar ao nosso redor e perceber os chamamentos
que Deus nos faz através daqueles que nos rodeiam. Não podemos viver de costas
para a multidão, encerrados no nosso pequeno mundo. Não foi assim que Jesus
viveu. Os Evangelhos falam-nos muitas vezes da sua misericórdia, da sua
capacidade de participar na dor e nas necessidades dos outros: compadece-Se da
viúva de Naim, chora pela morte de Lázaro, preocupa-se com as multidões que O
seguem e não têm que comer; compadece-Se sobretudo dos pecadores, dos que
caminham pelo mundo sem conhecerem a luz nem a verdade. Ao desembarcar, viu
Jesus uma grande multidão e compadeceu-Se deles porque eram como ovelhas sem
pastor. E começou então a ensiná-los demoradamente.
Quando
somos verdadeiramente filhos de Maria, compreendemos essa atitude do Senhor,
torna-se grande o nosso coração e ficamos penetrados de misericórdia. Doem-nos
então os sofrimentos, as misérias, os erros, a solidão, a angústia, a dor dos
outros homens, nosso irmãos. E sentimos a urgência de ajudá-los nas suas
necessidades e de lhes falar de Deus para que saibam tratá-Lo como filhos e
possam conhecer as delicadezas maternais de Maria.
147
Ser Apóstolo de Apóstolos
Encher
de luz o mundo, ser sol e luz - assim definiu o Senhor a missão dos seus
discípulos. Levar até aos confins da Terra a boa nova do amor de Deus - a isso
devem dedicar a vida, de um modo ou doutro, todos os cristãos.
Direi
mais: temos de sentir o desejo de não estar sós; temos de animar outros a
contribuírem para essa missão divina de levar a alegria e a paz aos corações
dos homens. À medida que progredis, atraí a vós os outros - escreve S. Gregório
Magno. Desejai ter companheiros no caminho para o Senhor.
Mas
lembrai-vos de que, cum dormirem homines, enquanto os homens dormiam, veio o
semeador do joio, diz o Senhor numa parábola. Nós, os homens, estamos expostos
a deixar-nos levar pelo sono do egoísmo, da superficialidade, desperdiçando o
coração em mil experiências passageiras, evitando aprofundar o verdadeiro
sentido das realidades terrenas. Triste coisa é esse sono, que sufoca a
dignidade do homem e o torna escravo da tristeza!
Há
um caso que nos deve doer sobremaneira: o daqueles cristãos que podiam dar mais
e não se decidem; que podiam entregar-se totalmente vivendo todas as
consequências da sua vocação de filhos de Deus, mas resistem a ser generosos.
Deve-nos doer, porque a graça da Fé não se nos dá para ficar oculta, mas para
brilhar diante dos homens; porque, além disso, está em jogo a felicidade
temporal e eterna dos que procedem assim. A vida cristã é uma maravilha divina,
com promessa de imediata satisfação e serenidade, mas com a condição de
sabermos apreciar o dom de Deus, sendo generosos sem medida.
É
necessário, portanto, despertar os que tenham caído nesse mau sono,
recordar-lhes que a vida não é um divertimento, mas um tesouro divino que há
que fazer frutificar. É necessário também ensinar o caminho aos que têm boa
vontade e bons desejos mas não sabem como pô-los em prática. Cristo urge-nos.
Cada um de vós há-de ser, não só apóstolo, mas apóstolo de apóstolos, arrastando
outros convosco, movendo os demais para que também eles dêem a conhecer Jesus
Cristo.
148
Talvez
algum de vós me pergunte como pode dar esse conhecimento às pessoas. E eu
respondo-vos: com naturalidade, com simplicidade, vivendo como viveis, no meio
do mundo, entregues ao vosso trabalho profissional e aos cuidados da vossa
família, participando em todos os ideais nobres, respeitando a legítima
liberdade de cada um.
Desde
há quase trinta anos, Deus pôs no meu coração o anseio de fazer compreender às
pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente
pode ser santa e cheia de Deus; o Senhor chama-nos a santificar o trabalho
quotidiano, porque aí está também a perfeição do cristão. Consideramo-lo uma
vez mais, contemplando a vida de Maria.
Não
nos esqueçamos de que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na
Terra decorreram de forma muito semelhante à vida diária de muitos milhões de
mulheres, ocupadas em cuidar da sua família, em educar os seus filhos, em levar
a cabo as tarefas do lar. Maria santifica as mais pequenas coisas, aquilo que
muitos consideram erradamente como não transcendente e sem valor: o trabalho de
cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e as
visitas por motivo de parentesco ou de amizade... Bendita normalidade, que pode
estar cheia de tanto amor de Deus!
Na
verdade, é isso o que explica a vida de Maria: o amor. Um amor levado até ao
extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, contente por estar onde Deus
quer que esteja e cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz com
que o mais pequeno dos seus gestos nunca seja banal, mas cheio de significado.
Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Havemos de procurar ser como
Ela nas circunstâncias concretas em que Deus quis que vivêssemos.
Procedendo
deste modo, daremos aos que nos cercam o testemunho de uma vida simples e
normal, com as limitações e com os defeitos próprios da nossa condição humana,
mas coerente. E assim, vendo-vos iguais a eles em tudo, os outros serão levados
a perguntar-nos: como se explica a vossa alegria? Donde tirais forças para
vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, o
espírito de convivência, a entrega, o serviço dos demais?
É
então o momento de lhes descobrirdes o segredo divino da existência cristã,
falando-lhes de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria. É o momento de
procurar transmitir-lhes, através da nossa pobre palavra, a loucura do amor de
Deus que a graça derramou em nossos corações.
149
S.
João conserva no seu Evangelho uma frase maravilhosa da Virgem, num dos
episódios que já considerámos: o das bodas de Caná. Narra-nos o evangelista que
dirigindo-se aos serventes, Maria lhes disse: Fazei tudo o que Ele vos disser.
É disso que se trata - de levar as almas a situarem-se diante de Jesus e a
perguntarem-Lhe: Domine, quid me vis facere? Senhor, que queres que eu faça?
O
apostolado cristão - e refiro-me agora em concreto ao de um cristão corrente,
ao do homem ou da mulher que vive realmente como outro qualquer entre os seus
iguais - é uma grande catequese, em que, através de uma amizade leal e
autêntica, se desperta nos outros a fome de Deus, ajudando-os a descobrir novos
horizontes - com naturalidade, com simplicidade, como já disse, com o exemplo
de uma fé bem vivida, com a palavra amável, mas cheia da força da verdade
divina.
Sede
audazes. Contais com a ajuda de Maria, Regina apostolorum. E Nossa Senhora, sem
deixar de se comportar como Mãe, sabe colocar os filhos diante das suas
próprias responsabilidades. Maria, aos que se aproximam d'Ela e contemplam a
sua vida, faz-lhes sempre o imenso favor de levá-los até à Cruz, de colocá-los
defronte do exemplo do Filho de Deus. E, nesse confronto, em que se decide a vida
cristã, Maria intercede para que a nossa conduta culmine numa reconciliação do
irmão mais pequeno - tu e eu - com o Filho primogénito do Pai.
Muitas
conversões, muitas decisões de entrega ao serviço de Deus, foram precedidas de
um encontro com Maria. Nossa Senhora fomentou os desejos de busca, activou
maternalmente a inquietação da alma, fez aspirar a uma transformação, a uma
vida nova. E assim, o fazei o que Ele vos disser converteu-se numa realidade de
amorosa entrega, na vocação cristã que ilumina desde então toda a nossa vida.
Este
tempo de conversa diante do Senhor, em que meditamos sobre a devoção e o
carinho à sua Mãe e nossa Mãe, pode, portanto, reavivar a nossa fé. Está a
começar o mês de Maio. O Senhor quer que não desaproveitemos esta ocasião de
crescer no seu amor através da intimidade com a sua Mãe. Que cada dia saibamos
ter para com Ela aqueles pormenores filiais - pequenas coisas, atenções
delicadas - que se vão tornando grandes realidades de santidade pessoal e de
apostolado, quer dizer, empenho constante por contribuir para a salvação que
Cristo veio trazer ao mundo.
Santa
Maria, spes nostra, ancilla Domini, sedes Sapientiae, ora pro nobis! Santa
Maria, esperança nossa, escrava do Senhor, sede de Sabedoria, roga por nós!
150
Hoje,
festa do Corpo de Deus, meditamos juntos a profundidade do Amor do Senhor, que
o levou a ficar oculto sob das espécies sacramentais, e é como se ouvíssemos,
fisicamente, aqueles seus ensinamentos à multidão: Eis que o semeador saiu a
semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, e
vieram as aves do céu e comeram-na. Outra parte caiu em lugar pedregoso, onde
havia pouca terra; e logo nasceu porque estava à superfície; mas, saindo o sol,
queimou-se e, porque não tinha raiz, secou. Outra parte caiu entre os espinhos,
e os espinhos cresceram e sufocaram-na. Outra parte caiu em boa terra e
frutificou; uns grãos renderam cem por um, outros sessenta, outros trinta.
A
cena é actual. O semeador divino lança agora, também, a sua semente. A obra da
salvação continua a cumprir-se e o Senhor quer servir-se de nós: deseja que
nós, os cristãos, abramos ao seu amor todos os caminhos da Terra; convida-nos a
propagar a mensagem divina, com a doutrina e com o exemplo, até aos últimos
recantos do mundo. Pede-nos que, sendo cidadãos da sociedade eclesial e da
civil, ao desempenhar com fidelidade os nossos deveres, sejamos cada um outro
Cristo, santificando o trabalho profissional e as obrigações do próprio estado.
Se
olharmos à nossa volta, para este mundo que amamos porque foi feito por Deus,
dar-nos-emos conta de que se verifica a parábola: a palavra de Jesus Cristo é
fecunda, suscita em muitas almas desejos de entrega e de fidelidade. A vida e o
comportamento dos que servem a Deus mudaram a história, e inclusivamente muitos
dos que não conhecem o Senhor regem-se - talvez sem sequer o advertirem - por
ideais nascidos do Cristianismo.
Vemos
também que parte da semente cai em terra estéril, ou entre espinhos e abrolhos:
há corações que se fecham à luz da fé. Os ideais de paz, de reconciliação, de
fraternidade, são aceites e proclamados, mas - não poucas vezes - são
desmentidos com os factos. Alguns homens empenham-se inutilmente em afogar a
voz de Deus, impedindo a sua difusão com a força bruta ou então com uma arma,
menos ruidosa, mas talvez mais cruel, porque insensibiliza o espírito: a
indiferença.
151
O pão da vida eterna
Agradar-me-ia
que, ao considerar tudo isto, tomássemos consciência da nossa missão de
cristãos, voltássemos os olhos para a Sagrada Eucaristia, para Jesus que,
presente entre nós, nos constituiu seus membros: vos estis corpus Christi et
membra de membro, vós sois o corpo de Cristo e membros unidos a outros membros.
O nosso Deus decidiu ficar no Sacrário para nos alimentar, para nos fortalecer,
para nos divinizar, para dar eficácia ao nosso trabalho e ao nosso esforço.
Jesus é simultaneamente o semeador, a semente e o fruto da sementeira: o Pão da
vida eterna.
Este
milagre, continuamente renovado, da Sagrada Eucaristia, encerra todas as
características do modo de agir de Jesus. Perfeito Deus e perfeito homem,
Senhor dos Céus e da Terra, oferece-Se-nos como sustento, da maneira mais
natural e corrente. Assim espera o nosso amor, desde há quase dois mil anos. É
muito tempo e não é muito tempo; porque, quando há amor, os dias voam.
Vem-me
à memória uma encantadora poesia galega, uma das cantigas de Afonso X, o Sábio.
É a lenda de um monge que, na sua simplicidade, suplicou a Santa Maria que o
deixasse contemplar o céu, ainda que fosse só por um instante. A Virgem acolheu
o seu desejo, e o bom monge foi levado ao Paraíso. Quando regressou, não
reconhecia nenhum dos moradores do mosteiro: a sua oração, que lhe tinha
parecido brevíssima,, tinha durado três séculos. Três séculos não são nada,
para um coração que ama. Assim compreendo eu esses dois mil anos de espera do
Senhor na Eucaristia. É a espera de Deus, que ama os homens, que nos procura,
que nos quer tal como somos - limitados, egoístas, inconstantes - mas com
capacidade para descobrirmos o seu carinho infinito e para nos entregarmos
inteiramente a Ele.
Por
amor e para nos ensinar a amar, veio Jesus à Terra e ficou entre nós na
Eucaristia. Como tivesse amado os seus que viviam no mundo, amou-os até ao fim;
com estas palavras começa S. João a narração do que sucedeu naquela véspera da
Páscoa, em que Jesus - refere-nos S. Paulo - tomou o pão, e dando graças, o
partiu, e disse: Tomai e comei; isto é o meu corpo que será entregue por vós;
fazei isto em memória de mim. Igualmente também, depois da ceia, tomou o
cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento do meu sangue; fazei isto em
memória de mim todas as vezes que o beberdes.
152
Uma vida nova
É
o momento simples e solene da instituição do Novo Testamento. Jesus derroga a
antiga economia da Lei e revela-nos que Ele próprio será o conteúdo da nossa
oração e da nossa vida.
Vede
a alegria que inunda a liturgia de hoje: seja o louvor pleno, sonoro, alegre. É
o júbilo cristão que canta a chegada de outro tempo: terminou a antiga Páscoa,
inicia-se a nova. O velho é substituído pelo novo, a verdade e faz com que a
sombra desapareça, a noite é iluminada pela luz.
Milagre
de amor. Este é verdadeiramente o pão dos filhos; o Primogénito do Pai Eterno,
oferece-Se-nos como alimento. E o mesmo Jesus Cristo, que aqui nos robustece,
espera-nos no Céu como comensais, co-herdeiros e sócios, porque os que se
alimentam de Cristo morrerão com a morte terrena e temporal, mas viverão
eternamente, porque Cristo é a vida que não termina .
A
felicidade eterna, para o cristão que se conforta com o maná definitivo da
Eucaristia, começa já agora. Passou o que era velho: deixemos de lado tudo o
que é caduco, seja tudo novo para nós - os corações, as palavras e as obras .
Esta
é a Boa Nova. É novidade, notícia, porque nos fala de uma profundidade de Amor,
de que antes não suspeitávamos. É boa, porque nada é melhor do que unir-nos
intimamente a Deus, Bem de todos os bens. É a Boa Nova, porque, de alguma
maneira e de um modo indescritível, nos antecipa a eternidade.
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