A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Jo 8, 21-41
21 Jesus disse-lhes
mais: «Eu retiro-Me: vós Me buscareis, e morrereis no vosso pecado. Para onde
Eu vou, vós não podeis ir». 22 Diziam, pois, os judeus: «Será que Ele Se mate a
Si mesmo, pois diz: Para onde Eu vou, vós não podeis ir?». 23 Ele disse-lhes:
«Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima. Vós sois deste mundo, Eu não sou
deste mundo. 24 Por isso Eu vos disse que morreríeis nos vossos pecados; sim,
se não crerdes que “Eu sou”, morrereis nos vossos pecados». 25 Disseram-Lhe então
eles: «Quem és Tu?». Jesus respondeu-lhes: «É exactamente isso que Eu vos estou
a dizer. 26 Muitas coisas tenho a dizer e a julgar a vosso respeito, mas O que
Me enviou é verdadeiro e o que ouvi d'Ele é o que digo ao mundo». 27 Eles não
compreenderam que Jesus lhes falava do Pai.28 Jesus disse-lhes mais: «Quando
tiverdes levantado o Filho do Homem, então conhecereis que “Eu sou” e que nada
faço por Mim mesmo, mas que, como o Pai Me ensinou, assim falo. 29 O que Me
enviou está comigo, não Me deixou só, porque Eu faço sempre aquilo que é do Seu
agrado». 30 Dizendo estas coisas, muitos acreditaram n'Ele. 31 Jesus disse
então aos judeus que creram n'Ele: «Se vós permanecerdes na Minha palavra
sereis verdadeiramente Meus discípulos, 32 conhecereis a verdade e a verdade
vos fará livres». 33 Eles responderam-Lhe: «Nós somos descendentes de Abraão e
nunca fomos escravos de ninguém; como dizes Tu: Sereis livres?». 34 Jesus
respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete
pecado é escravo do pecado. 35 Ora o escravo não fica para sempre na casa, mas
o filho é que fica nela para sempre. 36 Por isso, se o Filho vos livrar, sereis
verdadeiramente livres. 37 Bem sei que sois descendentes de Abraão, mas
procurais matar-Me porque a Minha palavra não penetra em vós. 38 Eu digo o que
vi em Meu Pai; e vós fazeis o que ouvistes do vosso pai». 39 Eles replicaram:
«O nosso pai é Abraão». Jesus disse-lhes: «Se sois filhos de Abraão, fazei as
obras de Abraão. 40 Mas agora procurais matar-Me, a Mim, que vos disse a
verdade que ouvi de Deus. Abraão nunca fez isto. 41 Vós fazeis as obras do
vosso pai». Eles disseram-Lhe: «Nós não somos filhos da prostituição, temos um
pai que é Deus».
CRISTO QUE PASSA 110 a 131
110
Aplicação à nossa vida
corrente
Percorremos
algumas páginas dos Santos Evangelhos para contemplar Jesus no seu convívio com
os homens e para aprendermos a levar Cristo aos nossos irmãos, os homens, sendo
nós próprios Cristo. Apliquemos esta lição à nossa vida corrente, à vida de
cada um de nós. Porque a vida corrente e ordinária, a vida de cada homem entre
os seus concidadãos e seus iguais, não é coisa baixa e sem relevo; é
precisamente nessas circunstâncias que o Senhor quer que se santifique a imensa
maioria dos seus filhos.
É
necessário repetir uma e mais vezes que Jesus não se dirigiu a um grupo de
privilegiados, mas veio revelar-nos o amor universal de Deus. Todos os homens
são amados por Deus; de todos eles espera amor, de todos, quaisquer que sejam a
sua condição, a sua posição social, a sua profissão ou oficio. A vida corrente
e ordinária não é coisa de pouco valor; todos os caminhos da Terra podem ser
uma ocasião de encontro com Cristo, que nos chama a identificar-nos com Ele,
para realizarmos - no lugar onde estamos - a sua missão divina.
Deus
chama-nos através dos incidentes da vida de cada dia, no sofrimento e na
alegria das pessoas com quem convivemos, nas preocupações dos nossos
companheiros, nas pequenas coisas da vida familiar. Deus também nos chama
através dos grandes problemas, conflitos e ideais que definem cada época
histórica, atraindo o esforço e o entusiasmo de grande parte da Humanidade.
111
Compreende-se
muito bem a impaciência, a angústia, os inquietos anseios daqueles que, com uma
alma naturalmente cristã, não se resignam perante a injustiça individual e
social que o coração humano é capaz de criar. Tantos séculos de convivência dos
homens entre si, e ainda tanto ódio, tanta destruição, tanto fanatismo
acumulado em olhos que não querem ver e em corações que não querem amar! Os
bens da Terra, repartidos entre muito poucos; os bens da cultura, encerrados em
cenáculos...E, lá fora, fome de pão e de sabedoria; vidas humanas - que são
santas, porque vêm de Deus - tratadas como simples coisas, como números de uma
estatística! Compreendo e compartilho dessa impaciência, levantando os olhos
para Cristo, que continua a convidar-nos a pormos em prática o mandamento novo
do amor.
Todas
as situações que a nossa vida atravessa nos trazem uma mensagem divina, nos
pedem uma resposta de amor, de entrega aos demais. Quando vier o Filho do homem
em toda a sua majestade, acompanhado de todos seus anjos, há-de sentar-se então
no seu trono de glória. Perante Ele reunir-se-ão todas as nações e Ele apartará
as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua
direita porá as ovelhas, e os cabritos à esquerda. O Rei dirá então, aos da sua
direita: Vinde, benditos do meu Pai, recebei em herança o Reino que vos está
preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-Me de comer, tive
sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e
vestistes-Me; adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo.
Então os justos responder-Lhe-ão: Senhor, quando é que Te vimos com fome e Te
demos de comer, com sede e Te demos de beber? Quando é que Te vimos peregrino e
Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão e
fomos visitar-Te? E o Rei dir-lhes-á em resposta: Em verdade vos digo, sempre
que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes.
É
preciso reconhecer Cristo que nos sai ao encontro nos nossos irmãos, os homens.
Nenhuma vida humana é uma vida isolada; entrelaça-se com as demais. Nenhuma
pessoa é um verso solto; todos fazemos parte de um mesmo poema divino, que Deus
escreve com o concurso da nossa liberdade.
112
Nada
há que seja alheio ao interesse de Cristo. Falando com profundidade teológica,
isto é, se não nos limitamos a uma classificação funcional, não se pode dizer
rigorosamente que haja realidades - boas, nobres e até indiferentes - que sejam
exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo de Deus fixou morada entre os
filhos dos homens, teve fome e sede, trabalhou com as suas mãos, conheceu a
amizade e a obediência, experimentou a dor e a morte. Porque foi do agrado de
Deus que residisse Nele toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo
todas a coisas, pacificando, pelo sangue da sua Cruz, tanto as da Terra como as
dos Céus.
Devemos
amar o mundo, o trabalho, as realidades humanas. Porque o mundo é bom. Foi o
pecado de Adão que desfez a harmonia divina da criação. Mas Deus Pai enviou o
seu Filho unigénito para restabelecer a paz, para que nós, tornados filhos de
adopção, pudéssemos libertar a criação da desordem e reconciliar todas as
coisas com Deus.
Cada
situação humana é irrepetível, fruto de uma educação única, que se deve viver
com intensidade, realizando nela o espírito de Cristo. Assim, vivendo
cristãmente entre os nossos iguais, com naturalidade mas de modo coerente com a
nossa fé, seremos Cristo presente entre os homens.
113
Ao
considerar a dignidade da missão a que Deus nos chama talvez possa surgir a
presunção, a soberba, na alma humana. É uma falsa consciência da vocação cristã
aquela que nos cegar, aquela que nos fizer esquecer que somos feitos de barro,
que somos pó e miséria. Na verdade, não há mal apenas no mundo, ao nosso redor;
o mal está dento de nós, abriga-se no nosso próprio coração, tornando-nos
capazes de vilanias e de egoísmos. Só a graça de Deus é rocha firme; nós somos
areia, e areia movediça.
Se
se percorre com um olhar a história dos homens ou a situação actual do mundo, é
doloroso verificar que, passados vinte séculos, há tão poucos que se chamam
cristãos e que os que se adornam com esse nome são tantas vezes infiéis à sua
vocação. Há anos, uma pessoa, que não tinha mau coração, mas não tinha fé,
apontando-me o mapa-múndi, comentou: Aí está o fracasso de Cristo: tantos
séculos procurando meter na alma dos homens a sua doutrina, e veja os
resultados - não há cristãos.
Não
falta hoje quem pense assim. Cristo, porém, não fracassou; a sua palavra e a
sua vida fecundam continuamente o mundo. A obra de Cristo, a tarefa que seu Pai
Lhe encomendou, está a realizar-se; a sua força atravessa a História, trazendo
a vida verdadeira e quando tudo Lhe estiver sujeito, então também o próprio
Filho se submeterá Àquele que tudo Lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em
todos.
Nesta
tarefa que vai realizando no mundo, Deus quis que sejamos seus cooperadores;
quer correr o risco da nossa liberdade. Emociona-me profundamente contemplar a
figura de Jesus recém-nascido em Belém: um menino indefeso, inerme, incapaz de
oferecer resistência... Deus entrega-Se nas mãos dos homens; aproxima-Se e
desce até nós! Jesus Cristo, sendo de condição divina, não reivindica o direito
de ser equiparado a Deus, mas despojou-Se a Si mesmo, tomando a condição de
servo. Deus condescende com a nossa liberdade, com a nossa imperfeição, com as
nossas misérias. Consente que os tesouros divinos sejam levados em vasos de
barro; que O demos a conhecer misturando as nossas deficiências com a sua força
divina.
114
A
experiência do pecado não nos deve, portanto, fazer duvidar da nossa missão.
Certamente que os nossos pecados podem dificultar que Cristo seja reconhecido,
e por isso devemos lutar contra as nossas misérias pessoais, buscar a
purificação, sabendo, porém, que Deus não nos prometeu a vitória absoluta sobre
o mal nesta vida, mas o que nos pede é luta. Sufficit tíbi gratia mea, basta-te
a minha graça, respondeu Deus a Paulo, que pedia a sua libertação do aguilhão
que o humilhava.
O
poder de Deus manifesta-se na nossa fraqueza, e incita-nos a lutar, a combater
os nossos defeitos, mesmo sabendo que nunca obteremos completamente a vitória
durante este caminhar terreno. A vida cristã é um constante começar e
recomeçar, uma renovação em cada dia.
Cristo
ressuscita em nós, se nos tornarmos comparticipantes da sua Cruz e da sua
Morte. Temos de amar a Cruz, a entrega a mortificação. O optimismo cristão não
é um optimismo cómodo, nem uma confiança humana em que tudo correrá bem; é um
optimismo que se enraíza na consciência da liberdade e na fé na graça; é um
optimismo que nos obriga a exigirmo-nos a nós próprios, a esforçarmo-nos por corresponder
ao chamamento de Deus.
Cristo
manifesta-se, portanto, não já apesar da nossa miséria, mas, de certo modo,
através da nossa miséria, da nossa vida de homens feitos de carne e de barro,
no esforço por sermos melhores, por realizarmos um amor que aspira a ser puro,
por dominarmos o egoísmo, por nos entregarmos plenamente aos demais, fazendo da
nossa existência um serviço constante.
115
Não
quero terminar sem uma última reflexão: o cristão, ao tornar Cristo presente
entre os homens, sendo ele mesmo ipse Christus, não procura apenas viver numa
atitude de amor, mas também dar a conhecer o Amor de Deus através desse amor
humano.
Jesus
concebeu toda a sua vida como uma revelação desse amor: Filipe, - respondeu a
um dos seus Apóstolos - quem me vê a Mim, vê o Pai. Seguindo esse ensinamento,
o Apóstolo João convida os cristãos a que, já que conheceram o amor de Deus, o
manifestem com as suas obras: Caríssimos, amemo-nos uns aos outros; porque o
amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-0. Aquele que
não ama não conhece Deus, porque Deus é Amor. Nisto se manifestou o amor de
Deus para connosco: em ter enviado o seu Filho unigénito ao mundo para que por
Ele vivamos. Nisto consiste o seu amor: não fomos nós que amámos Deus, mas foi Ele
que nos amou e enviou o seu Filho para propiciação pelos nossos pecados.
Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros.
116
É
necessário, portanto, que a nossa fé seja viva, que nos leve realmente a crer
em Deus e a manter um constante diálogo com Ele. A vida cristã deve ser vida de
oração constante, procurando nós estar na presença do Senhor da manhã até à
noite e da noite até à manhã. O cristão nunca é um homem solitário, posto que
vive numa conversa contínua com Deus, que está junto de nós e nos Céus.
Sine
intermissione orate, manda o Apóstolo - orai sem interrupção. E, recordando
esse preceito apostólico, escreve Clemente de Alexandria: Manda-se-nos louvar e
honrar o Verbo, a quem conhecemos como salvador e rei; e por Ele o Pai, não em
dias escolhidos, como fazem alguns, mas constantemente, ao longo de toda a
vida, e de todos os modos possíveis.
No
meio das ocupações de cada jornada, no momento de vencer a tendência para o
egoísmo, ao sentir a alegria da amizade com os outros homens, em todos esses
instantes o cristão deve reencontrar Deus. Por Cristo e no Espírito Santo, o
cristão tem acesso à intimidade de Deus Pai, e percorre o seu caminho buscando
esse reino, que não é deste mundo, mas que neste mundo se inicia e prepara.
É
preciso privar com Cristo na palavra e no Pão, na Eucaristia e na Oração.
Tratá-Lo como se trata com um amigo, com um ser real e vivo como Cristo é,
porque ressuscitou. Cristo, lemos na epístola aos Hebreus, como permanece
eternamente, possui um sacerdócio eterno. Por isso, pode salvar perpetuamente
os que por Ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder em seu
favor.
Cristo,
Cristo ressuscitado, é o companheiro, o Amigo. Um companheiro que se deixa ver
só entre sombras, mas cuja realidade enche toda a nossa vida, e que nos faz
desejar a sua companhia definitiva. O Espírito e a Esposa dizem: Vem/ E aquele
que ouve, diga: Vem! Que aquele que tenha sede, venha! Que aquele que O deseja,
receba gratuitamente a água da vida... O que dá testemunho destas coisas diz:
Sim, Eu venho em breve. Assim seja. Vem, Senhor Jesus!.
117
A
liturgia põe, mais uma vez, diante dos nossos olhos, o último dos mistérios da
vida de Jesus Cristo entre os homens: a sua Ascensão aos Céus. Desde o seu
nascimento em Belém já aconteceram muitas coisas: encontrámo-lO no berço,
adorado por pastores e reis; contermplámo-lO nos longos anos de trabalho
silencioso em Nazaré; acompanhámo-lO através das terras da Palestina, pregando
aos homens o reino de Deus e fazendo bem a todos. E mais tarde, nos dias da sua
Paixão, sofremos ao presenciarmos como O acusavam, com que furor O maltratavam
e com que ódio O crucificavam.
À
dor, seguiu-se a alegria luminosa da Ressurreição. Que fundamento tão claro e
firme para a nossa fé! Já não deveríamos duvidar. Mas talvez, como os
Apóstolos, sejamos ainda fracos e neste dia da Ascensão perguntemos a Cristo: É
agora que vais restaurar o reino de Israel?; será agora que vão desaparecer
definitivamente todas as nossas perplexidades e todas as nossas misérias?
O
Senhor responde-nos subindo aos céus. Tal como os Apóstolos, ficamos meio
admirados, meio tristes ao ver que nos deixa. Não é fácil, na realidade,
acostumar-se à ausência física de Jesus. Comove-me recordar que, num gesto
magnífico de amor, Se foi embora e ficou: foi para o Céu e entrega-Se-nos como
alimento na Hóstia Santa. Sentimos, no entanto, a falta da sua palavra humana,
do seu modo de actuar, de olhar, de sorrir, de fazer o bem. Gostaríamos de
voltar a vê-Lo de perto, quando se senta à beira do poço, cansado da dureza do
caminho, quando chora por Lázaro, quando reza durante longo tempo, quando se
compadece da multidão!
Sempre
me pareceu lógico - e me encheu de alegria - que a Santíssima Humanidade de
Jesus Cristo subisse à glória do Pai, mas penso também que esta tristeza,
própria do dia da Ascensão, é uma prova do amor que sentimos por Jesus, Senhor
Nosso. Ele, sendo perfeito Deus, fez-Se homem, perfeito homem, carne da nossa
carne e sangue do nosso sangue, mas separou-Se de nós para ir para o Céu. Como
não havemos de sentir a sua falta?
118
Intimidade com Jesus
Cristo no Pão e na Palavra
Se
soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com
olhos limpos, aperceber-nos-emos que também agora é possível aproximar-nos
intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo assinalou-nos claramente o
caminho: pelo Pão e pela Palavra, alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo
e cumprindo o que veio ensinar-nos, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na
oração. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.
Aquele que conhece os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama; e aquele
que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.
Não
são meras promessas. São o que há de mais profundo, a realidade de uma vida
autêntica: a vida da graça, que nos leva a relacionar-nos íntima, pessoal e
directamente com Deus. Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu
amor, como eu observei os preceitos do meu Pai, e permaneço no seu amor. Esta
afirmação de Jesus, no discurso da última ceia, é o melhor preâmbulo para o dia
da Ascensão. Cristo sabia que era preciso ir-se embora, porque, dum modo
misterioso que nunca conseguiremos compreender, depois da Ascensão iria chegar
- numa nova efusão do Amor divino - a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade:
mas eu digo-vos a verdade: a vós convém que eu vá, porque se eu não for, não
virá a vós o Paráclito; mas, se for, eu vo-lo enviarei.
Foi-se
embora e enviou-nos o Espírito Santo, que rege e santifica a nossa alma. Ao
actuar em nós, o Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos
filhos de Deus; que não recebemos o espírito de escravidão para actuarmos ainda
com temor, mas recebemos o espírito de adopção de filhos, mercê do qual
clamamos, dizendo: Abba, Pai!
Compreendeis?
É a acção trinitária nas nossas almas. Todo o cristão tem acesso a esta
inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, se corresponde à graça que nos
leva a unir-nos com Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na oração.
A Igreja põe à nossa consideração diariamente a realidade do Pão vivo e
dedica-lhe duas grandes festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do
Corpo de Deus. Neste dia da Ascensão, vamos deter-nos na forma de conviver e de
nos relacionarmos com Jesus, escutando atentamente a sua Palavra.
119
Vida de oração
Uma
oração ao Deus da minha vida. Se Deus é vida para nós, não deve causar-nos
estranheza que a nossa existência de cristãos tenha de estar embebida de
oração. Mas não penseis que a oração é um acto que se realiza e se abandona
logo a seguir. O justo encontra na lei de Iavé a sua complacência e procura
acomodar-se a essa lei durante o dia e durante a noite. Pela manhã penso em ti;
e, durante a tarde, dirige-se a ti a minha oração como o incenso. Todo o dia
pode ser tempo de oração: da noite à manhã e da manhã à noite. Mais ainda: como
nos recorda a Escritura Santa, também o sono deve ser oração.
Recordai
o que de Jesus nos narram os Evangelhos. Às vezes, passava a noite inteira
ocupado em colóquio íntimo com o Pai. Como cativou os primeiros discípulos a
figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem essa atitude constante do
Mestre pediram-Lhe: Domine, doce nos orare, Senhor, ensina-nos a orar assim.
São
Paulo - orationi instantes, na oração contínua, escreve - difunde por toda a
parte o exemplo vivo de Cristo. E S. Lucas, com uma pincelada, retrata a
maneira de actuar dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo espírito,
perseveravam juntos em oração.
A
têmpera do bom cristão adquire-se, com a graça, na forja da oração. E este
alimento da oração, por ser vida, não se desenvolve através de um caminho
único. O coração desafogar-se-á habitualmente com palavras, nas orações vocais
que nos ensinaram o próprio Deus, Pai Nosso, ou os seus Anjos, Avé Maria.
Outras vezes utilizaremos orações apuradas pelo tempo, nas quais se verteu a
piedade de milhões de irmãos na fé: as da liturgia - lex orandi -; as que
nasceram da paixão de um coração enamorado, como tantas antífonas marianas: Sub
tuum praesidium..., Memorare..., Salve Regina...
Noutras
ocasiões serão suficientes duas ou três expressões, lançadas ao Senhor como se
fossem setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da
história de Cristo: Domine, si vis, potes me mundare, Senhor, se quiseres podes
curar-me; Domine, tu omnia nosti, tu scis qui amo te, Senhor tu sabes tudo, tu
sabes que te amo; Credo, Domine, sed adjuva incredulitatem meam, creio, Senhor,
mas ajuda a minha incredulidade, fortalece a minha fé; Domine, non sum dignus,
Senhor, não sou digno!; Dominus meus et Deus meus, Senhor meu e Deus meu! Ou
outras frases, breves e afectuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e
correspondem a uma circunstância concreta.
A
vida de oração tem de fundamentar-se, além disso, em pequenos espaços de tempo,
dedicados exclusivamente a estar com Deus. São momentos de colóquio sem ruído
de palavras, junto ao Sacrário sempre que possível, para agradecer ao Senhor
essa espera - tão só! - desde há vinte séculos. A oração mental é diálogo com
Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a
imaginação, a memória e a vontade. Uma meditação que contribui a dar valor
sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida corrente e diária.
Graças
a esses tempos de meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos
converter a nossa jornada, com naturalidade e sem espectáculo, num contínuo
louvor a Deus. Manter-nos-emos na sua presença, como os que estão enamorados
dirigem continuamente o seu pensamento à pessoa que amam, e todas as nossas
acções - inclusivamente as mais pequenas - encher-se-ão de eficácia espiritual.
Por
isso, quando um cristão se lança por este caminho de intimidade ininterrupta
com o Senhor - e é um caminho para todos, não uma senda para privilegiados - a
vida interior cresce, segura e firme; e o homem empenhasse nessa luta, amável e
exigente ao mesmo tempo, por realizar até ao fim a vontade de Deus.
A
partir da vida de oração podemos compreender um outro tema que nos propõe a
festa de hoje: o apostolado, pôr em prática os ensinamentos de Jesus,
transmitidos aos seus pouco antes de subir aos céus: servir-me-eis de
testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, na Samaria e até às extremidades da
terra.
120
Apostolado, corredenção
Com
a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa derrama-se em afã
apostólico: ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo na minha
meditação. Que fogo é esse senão aquele de que fala Cristo: Vim trazer fogo (do
amor divino) à Terra: e que quero eu senão que se acenda?. Fogo de apostolado
que se robustece na oração: não há meio melhor do que este para desenvolver
através de todo o mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão está chamado
a participar: cumprir o que resta padecer a Cristo.
Jesus
subiu aos céus, dizíamos. Mas o cristão pode, na oração e na Eucaristia,
conviver com Ele nos mesmos moldes dos primeiros doze, abrasar-se no seu zelo
apostólico, para com Ele fazer um serviço de corredenção, que é semear a paz e
a alegria. Servir, pois o apostolado não é outra coisa. Se contarmos
exclusivamente com as nossas próprias forças, nada conseguiremos no terreno
sobrenatural; sendo instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: tudo posso
n'Aquele que me conforta. Deus, pela, sua infinita bondade, dispôs-Se a
utilizar estes instrumentos ineptos. Daí que o Apóstolo não tenha outro fim
senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível, para que Deus
realize - através das suas criaturas, através da alma escolhida - a sua obra
salvadora.
Apóstolo
é o cristão que se sente inserido em Cristo, identificado com Cristo, pelo
Baptismo; habilitado a lutar por Cristo pela Confirmação; chamado a servir a
Deus com a sua acção no mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que confere uma
certa participação no sacerdócio de Cristo, a qual - sendo essencialmente
diferente da que constitui o sacerdócio ministerial - o torna capaz de tomar
parte no culto da Igreja e de ajudar os homens no seu caminho para Deus, com o
testemunho da palavra e do exemplo, com a oração e a expiação.
Cada
um de nós há-de ser ipse Christus, o próprio Cristo. Ele é o único mediador
entre Deus e os homens; e nós unimo-nos a Ele para oferecer, com Ele, todas as.
coisas ao Pai. A nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige-nos
que não procuremos apenas a nossa santidade pessoal, mas que vamos pelos
caminhos da terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos,
levem as almas ao Senhor; que participemos, como cidadãos normais e correntes, em
todas as actividades temporais, para sermos levedura que há-de informar toda a
massa.
Cristo
subiu aos céus, mas transmitiu a tudo o que é honestamente humano a
possibilidade concreta de ser redimido. São Gregório Magno trata este grande
tema cristão com palavras incisivas: Partia assim Jesus para o lugar de onde
era e voltava do lugar em que continuava a morar. Efectivamente, no momento em
que subia ao Céu, unia com a sua divindade o Céu e a Terra. Na festa de hoje
convém destacar solenemente o facto de que tenha sido suprimido o decreto que
nos condenava, o juízo que nos tornava sujeitos à corrupção. A natureza a que
se dirigiam as palavras "tu és pó e em pó te hás-de tornar" (Gen. 3,
19), essa mesma natureza subiu hoje ao Céu com Cristo.
Não
me cansarei de repetir, portanto, que o mundo é santificável e que a nós,
cristãos, nos toca especialmente essa tarefa, purificando-o das ocasiões de
pecado com que os homens o tornam feio e oferecendo-o ao Senhor como Hóstia
espiritual, apresentada e dignificada com a graça de Deus e o nosso esforço. Em
rigor, não se pode dizer que haja nobres realidades exclusivamente profanas,
uma vez que o Verbo se dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a
Terra com a sua presença e com o trabalho das suas mãos. A grande missão que
recebemos, no Baptismo, é a corredenção. Urge-nos a caridade de Cristo para
tomarmos sobre os nossos ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as
almas.
121
Olhai:
a Redenção, que ficou consumada quando Jesus morreu na vergonha e na glória da
Cruz, escândalo para os judeus, loucura para os gentios, por vontade de Deus
continuará a fazer-se até que chegue a hora do Senhor. Não é compatível viver
de acordo com o Coração de Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados como Ele,
peccatores salvos facere, a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós
mesmos precisamos de confiar cada dia mais na misericórdia de Deus. Daí, o
desejo veemente de nos considerarmos corredentores com Cristo, de salvar com
Ele todas as almas, porque somos, queremos ser, ipse Christus, o próprio Jesus
Cristo e Ele deu-se a si mesmo em resgate de todos.
Temos
uma grande tarefa à nossa frente. Não é possível a atitude de ficarmos passivos
porque o Senhor declarou expressamente: negociai até eu vir. Enquanto esperamos
o regresso do Senhor que voltará a tomar posse plena do seu Reino, não podemos
estar de braços cruzados. A extensão do Reino de Deus não é só tarefa oficial
dos membros da Igreja que representam Cristo, por d'Ele terem recebido os
poderes sagrados. Vos autem estis corpus Christi, vós também sois Corpo de
Cristo, ensina-nos o Apóstolo, com o mandato concreto de negociar até ao fim.
Ainda
está tanta coisa por fazer!. Será que em vinte séculos não se fez nada? Em
vinte séculos trabalhou-se muito. Não me parece, nem objectivo nem honrado o
afã de alguns em menosprezar a tarefa daqueles que nos precederam. Em vinte
séculos realizou-se um grande trabalho e, com frequência, foi muito bem
realizado. Outras vezes houve desacertos, regressões, como também há agora
retrocessos, medo, timidez, ao mesmo tempo que não falta valentia,
generosidade. Mas a família humana renova-se constantemente; em cada geração é
preciso continuar com o empenho de ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua
vocação de filho de Deus e é necessário inculcar o mandamento do amor ao
Criador e ao nosso próximo.
122
Cristo
ensinou-nos, definitivamente, o caminho desse amor a Deus: o apostolado é o
amor de Deus, que transborda, dando-se aos outros. A vida interior supõe
crescimento na união com Cristo, pelo Pão, e pela Palavra. E o afã de
apostolado é a manifestação exacta, adequada, necessária à vida interior.
Quando se saboreia o amor de Deus sente-se o peso das almas. Não se pode
dissociar a vida interior do apostolado, como não é possível separar em Cristo
o seu ser de Deus-Homem e a sua função de Redentor. O Verbo quis encarnar para
salvar os homens, para fazê-los com Ele uma só coisa. Esta é a razão da sua
vinda ao mundo: por nós e pela nossa salvação, desceu do Céu, rezamos no Credo.
Para
o cristão, o apostolado resulta conatural; não é algo que se acrescente, que se
justaponha, alheio à sua actividade diária, à sua ocupação profissional.
Tenho-o dito sem cessar, desde que o Senhor dispôs que surgisse o Opus Dei!
Trata-se de santificar o trabalho vulgar, de santificar-se nessas ocupações e
de santificar os outros com o exercício da profissão, cada um no seu próprio
estado.
O
apostolado é como a respiração do cristão: um filho de Deus não pode viver sem
esse pulsar espiritual. A festa de hoje recorda-nos que o zelo pelas almas é um
mandato amoroso do Senhor, que, ao subir para a sua glória, nos envia como
testemunhas suas pelo mundo inteiro. Grande é a nossa responsabilidade, porque
ser testemunha de Cristo significa, antes de mais nada, procurarmos
comportar-nos segundo a Sua doutrina, lutar para que a nossa conduta faça
recordar Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Precisamos de conduzir-nos
de tal maneira, que os outros ao ver-nos possam dizer: este é cristão, porque
não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está acima
dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz,
porque ama.
123
O trigo e o joio
Tracei-vos,
com a doutrina de Cristo, não com as minhas ideias, um caminho ideal para o
cristão. Concordais que é elevado, sublime, atractivo. Mas talvez nos.
interroguemos: será possível viver assim na sociedade de hoje?
É
certo que o Senhor nos chamou em momentos em que muito se fala de paz e não há
paz: nem nas almas, nem nas instituições, nem na vida social, nem entre os
povos. Fala-se continuamente de igualdade e de democracia e abundam as castas:
fechadas, impenetráveis. Chamou-nos num tempo em que se clama pela compreensão
e a compreensão brilha pela sua ausência, inclusivamente entre pessoas que agem
de boa fé e querem praticar a caridade, porque - não esqueçais - a caridade,
mais do que em dar, está em compreender.
Atravessamos
uma época em que os fanáticos e os intransigentes - incapazes de admitir as
razões dos outros - se põem a salvo, tachando de violentos e agressivos os que
são as suas vitimas. Chamou-nos, enfim, quando se ouve tagarelar muito sobre
unidade e talvez seja difícil conceber que possa tolerar-se maior desunião
entre os próprios católicos, para não falar já dos homens em geral.
Eu
nunca faço considerações políticas, porque esse não é o meu ofício. Para
descrever sacerdotalmente a situação do mundo actual, é suficiente que pensemos
de novo numa parábola do Senhor: a do trigo e do joio. O reino dos céus é semelhante
a um homem que semeou boa semente no seu campo. Porém, enquanto os
trabalhadores dormiam, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e
foi-se embora. Está claro: o campo é fértil e a semente é boa; o Senhor do
campo lançou às mãos cheias a semente no momento propicio e com arte consumada;
além disso, preparou toda uma vigilância para proteger a recente sementeira. Se
depois apareceu o joio, é porque não houve correspondência, já que os homens -
os cristãos especialmente - adormeceram e permitiram que o inimigo se
aproximasse.
Quando
os servidores irresponsáveis perguntam ao Senhor porque cresceu o joio no seu
campo, a explicação salta aos olhos: inimicus homo hoc fecit, foi o inimigo!
Nós, os cristãos, que devíamos estar vigilantes para que as coisas boas, postas
pelo Criador no mundo, se desenvolvessem ao serviço da verdade e do bem,
adormecemos - triste preguiça, esse sono! -, enquanto o inimigo e todos os que
o servem se moviam sem descanso. Bem vedes como cresceu o joio: que sementeira
tão abundante espalhada por todos os sítios!
Não
tenho vocação de profeta de desgraças. Não desejo com as minhas palavras
apresentar-vos um panorama desolador, sem esperança. Não pretendo queixar-me
destes tempos em que vivemos pela providência do Senhor. Amamos esta nossa
época, porque é o âmbito em que temos de alcançar a nossa santificação pessoal.
Não admitimos nostalgias ingénuas e estéreis; o mundo nunca esteve melhor.
Desde sempre, desde os princípios da Igreja, quando mal se acabava de ouvir a pregação
dos primeiros doze, já surgiram violentas perseguições, começaram as heresias,
propalou-se a mentira e desencadeou-se o ódio.
Mas
não é lógico negar que o mal parece ter prosperado. Dentro de todo este campo
de Deus, que é a Terra, herança de Cristo, irrompeu o joio: Não apenas joio,
mas abundância de joio! Não podemos deixar enganar-nos pelo mito do progresso
perene e irreversível. O progresso rectamente ordenado é bom e Deus quere-o.
Contudo, tem-se mais em conta o outro falso progresso que cega os olhos a tanta
gente, porque com frequência não percebe que a Humanidade, nalguns dos seus
passos, volta atrás e perde o que tinha conquistado antes.
O
Senhor - repito - deu-nos o mundo por herança. Temos de ter a alma e a
inteligência despertas; temos de ser realistas, sem derrotismos. Só uma
consciência cauterizada, só a insensibilidade produzida pela rotina, só o
estouvamento frívolo podem permitir que se contemple o mundo sem ver o mal, a
ofensa a Deus, o dano por vezes irreparável para as almas. É preciso sermos
optimistas, mas com um optimismo que nasça da fé no poder de Deus - Deus não
perde batalhas - com um optimismo que não proceda da satisfação humana, duma
complacência néscia e presunçosa.
124
Sementeira de paz e de
alegria
Que
fazer? Dizia-vos que não procurei descrever crises sociais ou políticas,
derrocadas ou doenças culturais. Centrado sobre a fé cristã, tenho-me referindo
ao mal no sentido preciso da ofensa a Deus. O apostolado cristão não é um
programa político, nem uma alternativa cultural: significa a difusão do bem, o
contágio do desejo de amar, uma sementeira concreta de paz e de alegria. Desse
apostolado, sem dúvida, derivarão benefícios espirituais para todos: mais
justiça, mais compreensão, mais respeito do homem pelo homem.
Há
muitas almas à nossa volta, e não temos o direito de sermos obstáculo para o
seu bem eterno. Estamos obrigados a ser plenamente cristãos, a ser santos, a
não defraudar Deus nem todas as pessoas que esperam do cristão o exemplo, a
doutrina.
O
nosso apostolado tem de basear-se na compreensão. Insisto novamente: a
caridade, mais do que em dar, está em compreender. Não vos escondo como
aprendi, na minha própria carne, o que custa não ser compreendido. Esforcei-me
sempre por fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me entender: eis
outra razão, prática e viva, para que eu deseje compreender a todos. Mas não é
um impulso circunstancial que há-de obrigar-nos a ter esse coração amplo,
universal, católico. O espírito de compreensão é expressão da caridade cristã
do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que estejamos presentes em todos os
caminhos rectos da terra, para estender a semente da fraternidade - não do joio
-, da desculpa, do perdão, da caridade, da paz. Nunca vos sintais inimigos de
ninguém.
O
cristão há-de mostrar-se sempre disposto a conviver com todos, a dar a todos -
pela maneira de lidar com os outros - a possibilidade de se aproximarem de
Cristo Jesus. Há-de sacrificar-se gostosamente por todos, sem distinções, sem
dividir as almas em departamentos estanques, sem lhes pôr etiquetas como se
fossem mercadorias ou insectos dissecados. O cristão não pode separar-se dos
outros, porque a sua vida seria miserável e egoísta: deve fazer-se tudo para
todos, para salvar a todos.
Se
vivêssemos assim, se soubéssemos impregnar a nossa conduta com esta sementeira
de generosidade, com este desejo de convivência, de paz, fomentar-se-ia a
legítima independência pessoal dos homens, cada um assumiria a sua
responsabilidade e responderia pelos afazeres que lhe competem nos trabalhos
temporais. Além disso, o cristão saberia defender, em primeiro lugar, a
liberdade alheia, para poder depois defender a sua própria; teria a caridade de
aceitar os outros como são - porque cada um, sem excepção, traz consigo misérias
e comete erros -, ajudando-os com a graça de Deus e com delicadeza humana a
superar o mal, a arrancar o joio, a fim de que todos possamos ajudar-nos
mutuamente e conduzir com dignidade a nossa condição de homens e de cristãos.
125
A vida futura
A
tarefa apostólica que Cristo atribuiu a todos os seus discípulos produz,
portanto, resultados concretos no âmbito social. Não é admissível pensar que,
para se ser cristão, seja preciso voltar as costas ao mundo, ser um derrotista
da natureza humana. Tudo, até o mais pequeno dos acontecimentos honestos,
encerra um sentido humano e divino. Cristo, perfeito homem, não veio destruir o
que é humano, mas enobrecê-lo, assumindo a nossa natureza humana, excepto o
pecado. Veio compartilhar todos os anseios do homem, menos a triste aventura do
mal.
O
cristão deve encontrar-se sempre disposto a santificar a sociedade a partir de
dentro, estando plenamente no mundo, mas não sendo do mundo naquilo que ele tem
- não por característica real, mas por defeito voluntário, pelo pecado - de
negação de Deus, de oposição à Sua amável Vontade salvífica.
A
festa da Ascensão do Senhor sugere-nos também outra realidade: o Cristo que nos
anima a esta tarefa no mundo espera-nos no Céu. Por outras palavras: a vida na
terra, que amamos, não é a definitiva: porque não temos aqui cidade permanente,
mas andamos em busca da futura cidade imutável.
Procuremos,
no entanto, não interpretar a Palavra de Deus nos limites de horizontes
estreitos. O Senhor não nos impele a sermos infelizes enquanto caminhamos,
esperando só a consolação no além. Deus quer-nos felizes também aqui, embora
anelando o cumprimento definitivo dessa outra felicidade, que só Ele pode
preencher completa e abundantemente.
Nesta
terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a acção da graça nas nossas
almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a Deus, supõem já uma
antecipação do Céu, uma começo destinado a crescer dia a dia. Nós, cristãos,
não suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte,
na qual se fundamentam e compenetram todas ás nossas acções.
126
Cristo
espera-nos. Vivemos já como cidadãos do céu sendo plenamente cidadãos da Terra,
no meio de dificuldades, de injustiças, de incompreensões, mas também no meio
da alegria e da serenidade que dá saber-se filho amado de Deus. Perseveremos no
serviço do nosso Deus e veremos como aumenta em número e em santidade este
exército cristão de paz, este povo de corredenção. Sejamos almas
contemplativas, com um diálogo constante, convivendo com o Senhor a toda a
hora: desde o primeiro pensamento do dia ao último da noite, pondo
continuamente o nosso coração em Jesus Cristo Senhor Nosso, chegando até junto
d'Ele por intermédio da Nossa Mãe Santa Maria e, por Ele, ao Pai e ao Espírito
Santo.
Se,
apesar de tudo, a subida de Jesus aos Céus nos deixa na alma um amargo rasto de
tristeza, acudamos a sua Mãe como fizeram os apóstolos: então, voltaram a
Jerusalém... e oravam unanimemente... com Maria, a Mãe de Jesus.
127
Os
Actos dos Apóstolos, ao narrarem-nos os acontecimentos daquele dia de
Pentecostes em que o Espírito Santo desceu em forma de línguas de fogo sobre os
discípulos de Nosso Senhor, levam-nos a assistir à grande manifestação do poder
de Deus com que a Igreja iniciou a sua caminhada por entre as nações. A vitória
que Cristo obtivera sobre a morte e sobre o pecado - com a sua obediência, a
sua imolação na Cruz e a sua Ressurreição - revelou-se então em todo o seu
esplendor divino.
Os
discípulos, que já tinham sido testemunhas da glória do Ressuscitado,
experimentaram em si a força do Espírito Santo: as suas inteligências e os seus
corações abriram-se a uma nova luz. Tinham seguido Cristo e recebido com fé a
sua doutrina; mas nem sempre conseguiam penetrar totalmente no sentido desta. Era
necessário que viesse o Espírito de Verdade para lhes fazer compreender todas
as coisas. Sabiam que só em Jesus podiam encontrar palavras de vida eterna e
estavam dispostos a segui-Lo e a dar a vida por Ele; mas eram fracos e, quando
chegou a hora da provação, fugiram, deixaram-nO só. No dia de Pentecostes tudo
isso passou: o Espírito Santo, que é espírito de fortaleza, tornou-os firmes,
seguros, audazes. A palavra dos Apóstolos ressoa então, forte e vibrante, pelas
ruas e praças de Jerusalém.
Os
homens e as mulheres vindos das mais diversas regiões, que naqueles dias povoam
a cidade, escutam assombrados. Partos, medos e elamitas, e os que habitam a
Mesopotâmia, a Judeia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a Frígia e a Panfília, o
Egipto e várias partes da Líbia que é vizinha de Cirene, e os que vieram de
Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, todos os ouvimos falar,
nas nossas próprias línguas, das maravilhas de Deus. Estes prodígios, que se
realizam diante dos seus olhos, levam-nos a prestar atenção à pregação
apostólica. O mesmo Espírito Santo, que actua nos discípulos do Senhor,
tocou-lhes também nos corações e conduziu-os à Fé.
Conta-nos
S. Lucas que, depois de S. Pedro ter falado, proclamando a Ressurreição de
Cristo, muitos dos que o rodeavam se aproximaram, perguntando: que havemos de
fazer, irmãos?. E o Apóstolo respondeu-lhes: Fazei penitência, e cada um de vós
seja baptizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados; e
recebereis o dom do Espírito Santo. E o texto sagrado termina dizendo-nos que
nesse dia se incorporaram na Igreja cerca de três mil pessoas.
A
vinda solene do Espírito Santo no dia de Pentecostes não foi um acontecimento
isolado. Quase não há uma página dos Actos dos Apóstolos em que se não fale
d'Ele e da acção pela qual guia, dirige e anima a vida e as obras da primitiva
comunidade cristã. É Ele que inspira a pregação de S. Pedro, que confirma na fé
os discípulos, que sela com a sua presença o chamamento dirigido aos gentios e,
que envia Saulo e Barnabé para terras distantes, a fim de abrirem novos
caminhos à doutrina de Jesus. Numa palavra, a sua presença e a sua actuação
dominam tudo.
128
O renascimento baptismal
Esta
realidade profunda que o texto da Sagrada Escritura nos dá a conhecer não é uma
simples recordação do passado, de uma espécie de idade de ouro da Igreja,
perdida na História. Por cima das misérias e dos pecados de cada um de nós,
continua a ser a realidade da Igreja de hoje e da Igreja de todos os tempos. Eu
rogarei ao Pai - anunciou o Senhor aos seus discípulos - e Ele vos dará outro
Consolador, para que fique convosco eternamente. Jesus cumpriu as suas
promessas: ressuscitou, subiu aos Céus e, em união com o Eterno Pai, envia-nos
o Espírito Santo para nos santificar e nos dar a vida.
A
força e o poder de Deus iluminam a face da Terra. O Espírito Santo continua a
assistir à Igreja de Cristo, para que ela seja - sempre e em tudo - sinal
erguido diante das nações, anunciando à Humanidade a benevolência e o amor de
Deus. Por maiores que sejam as nossas limitações, nós, homens, podemos olhar
com confiança para os Céus e sentir-nos cheios de alegria: Deus ama-nos e
liberta-nos dos nossos pecados. A presença e a acção do Espírito Santo na
Igreja são o penhor e a antecipação da felicidade eterna, dessa alegria e dessa
paz que Deus nos prepara.
Também
nós, tal como aqueles primeiros que se aproximaram de S. Pedro no dia de
Pentecostes, fomos baptizados. No baptismo, o Nosso Pai, Deus, tomou posse das
nossas vidas, incorporou-nos na vida de Cristo e enviou-nos o Espírito Santo. O
Senhor, diz-nos a Sagrada Escritura, salvou-nos fazendo-nos renascer pelo
baptismo, renovando-nos pelo Espírito Santo, que Ele difundiu sobre nós
abundantemente por Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados
pela sua graça, sejamos herdeiros da vida eterna, segundo a esperança.
A
experiência da nossa debilidade e das nossas faltas, a desedificação que pode
produzir o espectáculo doloroso da pequenez ou mesmo mesquinhez de alguns que
se chamam cristãos, o aparente fracasso ou a desorientação de algumas
iniciativas apostólicas, tudo isso - a comprovação da realidade do pecado e das
limitações humanas - pode constituir, no entanto, uma provação para a nossa fé
e fazer com que se insinuem em nós a tentação e a dúvida: onde estão a força e
o poder de Deus? É o momento de reagirmos, de pormos em prática da maneira mais
pura e firme a nossa esperança e, portanto, de procurarmos ser mais firme na
nossa fidelidade.
129
Permiti-me
narrar um facto da minha vida pessoal, ocorrido já há muitos anos. Certo dia,
um amigo de bom coração, mas que não tinha fé, disse-me, indicando um
mapa-mundi: - Ora veja, de norte a sul e de leste a oeste. - Que queres que eu
veja? - O fracasso de Cristo. Tantos séculos a procurar meter na vida dos
homens a sua doutrina, e veja os resultados.. Num primeiro momento, enchi-me de
tristeza: é uma grande dor, efectivamente, considerar que são muitos os que
ainda não conhecem o Senhor e que, entre aqueles que O conhecem, são muitos
também os que vivem como se O não conhecessem.
Mas
essa impressão durou apenas um instante, para logo dar lugar ao amor e à acção
de graças, porque Jesus quis que cada um dos homens fosse cooperador livre da
sua obra redentora. Cristo não fracassou: a sua doutrina está continuamente a
fecundar o Mundo. A redenção realizada por Ele é suficiente e superabundante.
Deus
não quer escravos, mas sim filhos e, portanto, respeita a nossa liberdade. A
salvação continua e nós participamos dela: é vontade de Cristo que - segundo as
palavras fortes de S. Paulo - cumpramos na nossa carne, na nossa vida, o que
falta à sua Paixão, pro Corpore eius, quod est Ecclesia, em benefício do seu
corpo, que é a Igreja.
Vale
a pena jogar a vida, entregar-se por inteiro, para corresponder ao amor e à
confiança que Deus deposita em nós. Vale a pena, acima de tudo, que nos
decidamos a tomar a sério a nossa fé cristã. Quando recitamos o Credo,
professamos crer em Deus Pai Todo-Poderoso, em seu Filho Jesus Cristo que
morreu e foi ressuscitado, no Espírito Santo, Senhor que dá a vida. Confessamos
que a Igreja una, santa, católica e apostólica, é o corpo de Cristo, animado
pelo Espírito Santo. Alegramo-nos com a remissão dos nossos pecados e com a
esperança da futura ressurreição. Mas, essas verdades penetrarão até ao fundo
do coração ou ficarão apenas nos lábios? A mensagem divina de vitória, alegria
e paz do Pentecostes deve ser o fundamento inquebrantável do modo de pensar, de
reagir e de viver de todo o cristão.
130
Força de Deus e fraqueza
humana
Non
est abbreviata manus Domini, a mão de Deus não diminuiu; Deus não é menos
poderoso hoje do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro o seu amor pelos
homens. A nossa fé ensina-nos que a criação inteira, o movimento da Terra e dos
astros, as acções rectas das criaturas e tudo quando há de positivo no decurso
da História, tudo, numa palavra, veio de Deus e a Deus se ordena.
A
acção do Espírito Santo pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a
conhecer os seus planos e porque o pecado do Homem turva e obscurece os dons
divinos. Mas a Fé recorda-nos que o Senhor age constantemente: Ele é que nos
criou e nos conserva no ser; Ele, com a sua graça, conduz a criação inteira
para a liberdade da glória dos filhos de Deus.
Por
isso, a Tradição cristã resumiu a atitude que devemos adoptar para com o
Espírito Santo num só conceito: docilidade. Sermos sensíveis àquilo que o
Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que
distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões
que faz nascer nos nossos corações... O Espírito Santo realiza no Mundo as
obras de Deus. Como diz o hino litúrgico, é dador das graças, luz dos corações,
hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto. Sem a sua ajuda nada
há no homem que seja inocente e valioso, pois é Ele que lava o que está sujo,
que cura o que está doente, que aquece o que está frio, que corrige o
extraviado, que conduz os homens ao porto da salvação e do gozo eterno.
Mas
esta nossa fé no Espírito Santo deve ser plena e completa. Não é uma crença
vaga na sua presença no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e
realidades a que quis vincular a sua força de um modo especial. Quando vier o
Espírito de Verdade - anunciou Jesus - Ele Me glorificará, porque receberá do
que é meu e vo-lo anunciará. O Espírito Santo é o Espírito enviado por Cristo,
para operar em nós a santificação que Ele nos mereceu para nós na Terra.
É
por isso que não pode haver fé no Espírito Santo, se não houver fé em Cristo,
na doutrina de Cristo, nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo. Não é
coerente com a fé cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo, quem não
ama a Igreja, quem não tem confiança nela, quem se compraz apenas em mostrar as
deficiências e limitações dos que a representam, quem a julga por fora e é
incapaz de se sentir seu filho.
E
sou levado a considerar até que ponto será extraordinariamente importante e
abundantíssima a acção do Divino Paráclito enquanto o sacerdote renova o
sacrifício do Calvário, quando celebra a Santa Missa nos nossos altares.
131
Nós,
os cristãos, trazemos em vasos de barro os grandes tesouros da graça: Deus
confiou os seus dons à frágil e débil liberdade humana e, embora a sua força
certamente nos assista, a nossa concupiscência, o nosso comodismo e o nosso
orgulho repelem-na por vezes e levam-nos a cair em pecado. Em muitas ocasiões,
de há mais de um quarto de século para cá, ao recitar o Credo e ao afirmar a
minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, costumo
acrescentar: apesar dos pesares. Quando alguma vez me acontece comentar este
costume e alguém me pergunta a que quero referir-me, respondo: aos teus pecados
e aos meus.
Tudo
isto é certo, mas não autoriza de maneira nenhuma a julgar a Igreja por critérios
humanos, sem fé teologal, atendendo apenas ao maior ou menor valor de certos
eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é ficar à superfície. O
mais importante na Igreja não é ver como correspondemos nós, os homens, mas sim
o que Deus realiza. A Igreja é isto mesmo: Cristo presente entre nós; Deus que
vem até à humanidade para a salvar, chamando-nos com a sua revelação,
santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante,
nos pequenos e grandes combates da vida de todos os dias.
Podemos
chegar a desconfiar dos homens, e cada um está obrigado a desconfiar
pessoalmente de si mesmo e a concluir cada um dos seus dias com um mea culpa,
com um acto de contrição profundo e sincero. Mas não temos o direito de duvidar
de Deus. E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvífica da
sua pregação e dos seus sacramentos, é duvidar do próprio Deus; é não acreditar
plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo.
Antes
de Cristo ser crucificado, - escreve S. João Crisóstomo - não havia nenhuma
reconciliação. E, enquanto não houve reconciliação, não foi enviado o Espírito
Santo... A ausência do Espírito Santo era sinal da ira divina. Agora que O vês
enviado em plenitude, não duvides da reconciliação. Mas, se perguntarem: onde
está agora o Espírito Santo? Falar da sua presença quando se davam milagres,
quando eram ressuscitados os mortos e curados os leprosos, era possível; mas
como saber, agora, que está deveras presente? Não vos preocupeis. Hei-de
demonstrar-vos que o Espírito Santo está também agora entre nós...
Se
não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer Senhor, Jesus, pois
ninguém pode invocar Jesus como Senhor senão no Espírito Santo (I Cor. 12,3).
Se
não existisse o Espírito Santo, não poderíamos dizer Senhor, Jesus, pois
ninguém pode invocar jesus como Senhor senão no Espírito Santo (I Cor 12,3). Se
não existisse o Espírito Santo, não poderíamos orar com confiança, porque ao
rezar dizemos Pai Nosso, que estais nos Céus (Mat. 6,9). Se não existisse o Espírito
Santo, não poderíamos chamar Pai a Deus. Como sabemos isso? É porque o Apóstolo
nos ensina: E, porque somos filhos, Deus mandou aos nossos corações o Espírito
do seu Filho, que clama: Abba Pai (Gal, 4,6).
Portanto,
quando invocares Deus Pai, recorda-te de que foi o Espírito Santo que, ao mover
a tua alma, te deu essa oração. Se não existisse o Espírito Santo, não haveria
na Igreja palavra alguma de sabedoria ou de ciência, pois está escrito:
Porque... a um é dada pelo Espírito a palavra da sabedoria (I Cor, 12, 8)... Se
o Espírito Santo não estivesse presente, a Igreja não existiria. Mas, se a
Igreja existe, é certo que o Espírito Santo não falta.
Acima
das deficiências e limitações humanas, repito, a Igreja é isto: sinal e, de
certo modo - não no sentido estrito em que dogmaticamente se definiu a essência
dos sete sacramentos da Nova Aliança - o sacramento universal da presença de
Deus no Mundo. Ser cristão é ter sido regenerado por Deus e enviado aos homens
para lhes anunciar a salvação. Se tivéssemos fé firme e viva e déssemos a
conhecer Cristo com audácia, veríamos que ante os nossos olhos se realizariam
milagres como os da era apostólica.
Porque
a verdade é que também agora se dá vista aos cegos, que tinham perdido a
capacidade de olhar para o Céu e de contemplar as maravilhas de Deus; também
agora se dá liberdade a coxos e entrevados, que se encontravam tolhidos pelas
próprias paixões e cujo coração já não sabia amar; também agora se dá ouvido
aos surdos, que não desejavam o conhecimento de Deus, e se consegue que falem
os mudos, que tinham amordaçada a língua por não quererem confessar as suas
derrotas; também agora se ressuscitam mortos, em que o pecado destruíra a vida.
Mais uma vez se verifica que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante
do que qualquer espada de dois gumes. E, como os primeiros fiéis cristãos,
também nós nos alegramos ao admirar a força do Espírito Santo e a sua acção na
inteligência e na vontade das suas criaturas.
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