Art. 5 ― Se a vontade
discordante da razão errónea é má.
(II
Sent., dist. XXXIX., q. 3, a . 3, De Verit., q. 17, a . 4, Quodl. III, q. 12 a
. 2, VIII, q. 6, a . 3, IX, q. 7, a . 2, Rom., cap XIV, lect. II, Galat., cap.
V, lect. I).
O
quinto discute-se assim. ― Parece que a vontade discordante da razão errónea
não é má.
2.
Demais. ― Segundo Agostinho 2, a ordem de uma autoridade inferior
não obriga quando contrária à da autoridade superior, assim, se um procônsul
mandar o que o imperador proíbe. Ora, a razão errónea às vezes, propõe coisas
contrárias à ordem do superior, que é Deus, cuja autoridade é suma. Logo, o
ditame da razão errónea não obriga, e portanto não é má à vontade que discorda
dessa razão.
3.
Demais. ― Toda vontade é má quando é culpada de alguma espécie de malícia. Ora,
a vontade discordante da razão errónea não pode ser culpada de nenhuma espécie
de malícia, p. ex., se a razão erra dizendo que se deve fornicar, à vontade que
não quer fazê-lo, não pode ser culpada de nenhuma espécie de malícia. Logo, a
vontade discordante da razão errónea não é má.
Mas,
em contrário. ― Como já ficou dito na primeira parte 3, a
consciência não é senão a aplicação da ciência a um acto particular, e reside
na razão. Logo, a vontade discordante da razão errónea é contrária à
consciência. Ora, tal vontade é toda má, pois diz a Escritura (Rm 14, 23): E
tudo o que não é segundo a fé é pecado, i. é, tudo o que é contrário à
consciência. Logo, a vontade discordante da razão errónea é má.
Sendo a consciência de certo modo um ditame da razão, pois é uma aplicação da
ciência aos actos, como já se disse na primeira parte 4, indagar se
a vontade discordante da razão errónea é má é o mesmo que indagar se a
consciência errónea obriga. E, a este propósito, alguns distinguiram três géneros
de actos: os genericamente bons, os indiferentes e os genericamente maus. E
ensinam que não há erro se a razão ou a consciência decidir a prática de um acto
genericamente bom ou genericamente mau, pois a mesma razão que ordena o bem
proíbe o mal. Porém será errónea a razão ou a consciência se determinar, que
devamos praticar, em virtude de um preceito, uma acção má em si mesma ou
proibir a prática de um acto em si mesmo bom. E semelhantemente, será errónea a
razão ou a consciência se dispuser que um acto em si mesmo indiferente, como
levantar uma palha do chão, é proibido ou ordenado. Doutrinam pois que a razão
ou a consciência errónea em relação aos actos indiferentes, quer ordenando-os
ou proibindo-os, obriga, de modo que a vontade discordante de tal razão errónea
é má e comete pecado. Porém a razão ou a consciência errónea ordenando o mal em
si, ou proibindo o que em si é bom e necessário à salvação, não obriga, e em
tais casos a vontade discordante da razão ou da consciência errónea não obriga.
Mas
esta doutrina é irracional. Pois, quanto aos actos indiferentes, a vontade
discordante da razão ou da consciência errónea é má, de certo modo, pelo seu objecto,
do qual depende a bondade ou malícia da vontade, não o é porém pelo objecto considerado
em a sua natureza, senão só porque é apreendido acidentalmente pela razão como
bom ou mau, como um bem a ser feito ou um mal a ser evitado. E como o objecto da
vontade lhe é proposto pela razão, segundo já se disse 5, desde que
um objecto lhe é proposto por ela como sendo mau, à vontade que o aceita,
aceita o mal. Ora, tal dá-se, não só com os actos indiferentes, mas também com
os bons ou maus. Pois, não só um acto indiferente pode ser tomado
acidentalmente como bom ou mau, mas ainda o bem pode assumir o aspecto do mal,
ou o mal, o do bem, em virtude da apreensão da razão. P. ex., abster-se de
fornicar é um bem, mas só é abraçado pela vontade na medida em que a razão lho
propõe, se pois for proposto à vontade pela razão errónea como mal, quer-o sob
o aspecto de mal. Donde, a vontade será má porque quer o mal, não em si, mas
acidental, em virtude da apreensão da razão. Semelhantemente, crer em Cristo é
em si bom e necessário à salvação, mas a vontade não quer esse bem senão
enquanto proposto pela razão. Donde, se for proposto pela razão como um mal, é
como tal que à vontade o quer, não seja, em si, mal, senão só acidentalmente,
pela apreensão da razão. E por isso o Filósofo diz: propriamente falando, é
incontinente quem não obedece à razão recta, acidentalmente, quem não obedece à
razão falsa 6.
Donde,
devemos concluir que toda vontade discordante da razão, reta ou errónea, é
sempre má.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O juízo da razão errónea, embora não derive
de Deus, contudo desde que essa razão o propõe como verdadeiro, há-de consequentemente
derivar de Deus de quem procede toda verdade.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O dito de Agostinho refere-se ao caso de sabermos que a autoridade
inferior manda algo de contrário à ordem do superior. Mas quem, tomando a ordem
do procônsul pela do imperador, a desprezasse, desprezaria a deste último. E
semelhantemente, quem soubesse que a razão humana dita algo de contrário à
ordem de Deus não estaria obrigado a segui-la, mas então, a razão não seria
totalmente errónea. Se porém, a razão errónea propuser algo como sendo preceito
de Deus, então desprezar-lhe o ditame será desprezar a ordem de Deus.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A razão, quando apreende o mal, apreende-o sempre sob alguma
noção de bem, p. ex., porque contraria a uma ordem divina, ou porque é
escândalo ou por coisa semelhante. E então, a malícia da vontade reduz-se a uma
dessas espécies de malícia.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
__________________________
Notas:
1.
Q. 19, a. 4.
2.
Serm. LXII, de Verb. Dom., cap. VIII.
3.
Q. 79, a. 13.
4.
Q. 79, a. 13.
5.
Q. 19, a. 3.
6.
VII Ethic., lect. IX.
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