Em
seguida devemos tratar da ordem das paixões entre si.
E
sobre esta questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 ― Se as paixões do irascível tem prioridade sobre as do concupiscível.
Art.
2 ― Se o amor é a primeira das paixões do concupiscível.
Art.
3 ― Se a esperança é a primeira entre as paixões do irascível.
Art.
4 ― Se as principais paixões são as quatro seguintes: a alegria e a tristeza, a
esperança e o temor.
Art. 1 ― Se as paixões do
irascível tem prioridade sobre as do concupiscível.
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que as paixões do irascível têm prioridade
sobre as do concupiscível.
1.
― Pois, a ordem das paixões depende da dos objectos. Ora, o objecto do
irascível é o bem árduo que, parece, é o supremo entre os outros bens. Logo, as
paixões do irascível têm prioridade sobre as do concupiscível.
2.
Demais. ― O motor é anterior ao movido, Ora, o irascível está para o
concupiscível como o motor para o movido, pois foi dado aos animais para
vencerem os obstáculos que se opõem a que o concupiscível goze do seu objecto,
conforme já dissemos 1, ou, na linguagem de Aristóteles, o que
remove o obstáculo exerce a função de motor 2. Logo, as paixões do
irascível têm anterioridade sobre as do concupiscível.
3.
Demais. ― A alegria e a tristeza são paixões do concupiscível. Ora, resultam
das do irascível, pois, diz o Filósofo, que a punição acalma o ímpeto da ira,
produzindo a deleitação em lugar da tristeza 3. Logo, as paixões do
irascível têm prioridade sobre as do concupiscível.
Mas,
em contrário. ― As paixões do concupiscível visam o bem absoluto, as do
irascível porém, o bem restrito, i. é, árduo. Ora, como o bem absoluto tem
prioridade sobre o restrito, as paixões do concupiscível têm prioridade sobre
as do irascível.
As paixões do concupiscível abrangem um domínio mais vasto que as do
irascível, pois há nelas algo relativo ao movimento, como o desejo, e algo relativo
ao repouso, como a alegria e a tristeza, ao passo que, as do irascível, nada têm
de relativo ao repouso mas só ao movimento. E a razão é que, aquilo em que
repousamos nada contém de difícil ou árduo, que é o objecto do irascível.
Ora,
o repouso, sendo o termo do movimento, é anterior na intenção, mas posterior na
execução. Se pois compararmos as paixões do irascível com as do concupiscível,
que supõem o repouso no bem, manifestamente aquelas precedem estas, na ordem da
execução, assim, a esperança precede a alegria e por isso a causa, conforme
aquilo na Escritura (Rm 12, 12): na esperança alegres. A paixão
concupiscível porém, que implica o repouso no mal, a saber, a tristeza, é média
entre as duas paixões do concupiscível pois, sendo causada pelo ocorrer do mal
que era temido, resulta do temor, mas precede o movimento da ira, causa de nos
arrojarmos à vingança. E como vingar-se do mal é apreendido como bom, o irado
alegra-se, após havê-lo conseguido. Donde é manifesto, que toda paixão do
irascível termina numa paixão do concupiscível que implica repouso, a saber, a
alegria ou a tristeza.
Se
porém compararmos as paixões do irascível com as do concupiscível, que importam
o movimento, estas são manifestamente primeiras, porque aquelas acrescentam-lhe
algo, assim como o objecto do irascível acrescenta algo ao do concupiscível, a
saber, o árduo ou a dificuldade. Assim, a esperança acrescenta ao desejo um
certo esforço e uma certa elevação do ânimo para conseguir o bem árduo.
Semelhantemente, o temor acrescenta à aversão ou abominação uma certa depressão
do ânimo por causa da dificuldade do mal.
Donde,
as paixões do irascível são médias entre as do concupiscível, que importam
movimento para o bem ou para o mal, e as que importam repouso no bem ou no mal.
Logo, é claro que, as do irascível, têm princípio e as do concupiscível termo.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A objecção procederia se da essência do objecto
do concupiscível fosse algo de oposto ao árduo, como é da essência do objecto
do irascível ser árduo. Ora, o concupiscível, tendo o bem absoluto, como objecto,
este é naturalmente anterior ao do irascível, como o comum é anterior ao
próprio.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O que remove o obstáculo não é motor por si mesmo, mas por
acidente. Ora, no caso, trata-se da ordem em si mesma entre as paixões. E além
disso, o irascível remove o obstáculo ao repouso do concupiscível no seu objecto.
Donde não resulta senão que as paixões do irascível precedem as do
concupiscível, que se referem ao repouso.
E
é nisto que se funda a TERCEIRA OBJECÇÃO.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 22, a. 1.
2. VIII Phys., lect. VIII.
3. IV Ethic., lect. XIII.
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