2.1. A revelação da Igreja
A
Igreja é um mistério (cf., p. ex., Rm 16,25-27), quer dizer, uma realidade em
que entram em contacto e comunhão Deus e os homens. Igreja vem do grego
ekklesia, que significa assembleia dos convocados. No Antigo Testamento foi
utilizada para traduzir o quahal Yahweh, ou assembleia reunida por Deus para O
honrar com o culto devido. São exemplos disso a assembleia do Sinai, e a que se
reuniu nos tempos do rei Josías a fim de louvar a Deus e voltar à pureza da Lei
(reforma). No Novo Testamento há várias acepções, em continuidade com o Antigo,
mas designa especialmente o povo que Deus convoca e reúne de todos os confins
da terra, para constituir a assembleia daqueles que, pela fé e pelo Baptismo,
se tornam filhos de Deus, membros de Cristo e templo do Espírito Santo (cf.
Catecismo, 777; Compêndio, 147).
Na
Sagrada Escritura, a Igreja recebe diversos nomes, cada um dos quais sublinha
especialmente alguns aspectos do mistério da comunhão de Deus com os homens.
“Povo de Deus” é um título que Israel recebeu. Quando se aplica à Igreja, novo
Israel, quer dizer que Deus não quis salvar os homens isoladamente, mas
constituindo-os num único povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, que O conhecesse na verdade e O servisse santamente 3. Também
significa que ela foi eleita por Deus, que é uma comunidade visível que está a
caminho – entre as nações – da sua pátria definitiva. Nesse povo, todos têm a
comum dignidade dos filhos de Deus, uma missão comum, ser sal da terra e um fim
comum, que é o Reino de Deus. Todos participam das três funções de Cristo,
real, profética e sacerdotal (cf. Catecismo, 782-786).
Quando
dizemos que a Igreja é o “corpo de Cristo” queremos sublinhar que, através do
envio do Espírito Santo, Cristo une intimamente consigo os fiéis, sobretudo na
Eucaristia, incorpora-os à sua Pessoa pelo Espírito Santo, mantendo-se e
crescendo unidos entre si na caridade, formando um só corpo na diversidade dos
membros e funções. Também se indica que a saúde ou a doença de um membro se
repercute em todo o corpo (cf. 1 Cor 12, 1-24), e que os fiéis, como membros de
Cristo, são seus instrumentos para agir no mundo (cf. Catecismo, 787-795). A
Igreja é também chamada “Esposa de Cristo” (cf. Ef 5, 26 seg.), o que acentua,
na união que a Igreja tem com Cristo, a distinção de ambos os sujeitos. Também
assinala que a Aliança de Deus com os homens é definitiva, porque Deus é fiel
às suas promessas, e que a Igreja também corresponde fielmente, sendo Mãe
fecunda de todos os filhos de Deus.
A
Igreja é também “templo do Espírito Santo”, porque Ele vive no corpo da Igreja,
edifica-a na caridade com a Palavra de Deus, com os sacramentos, com as
virtudes e os carismas 4. Como Cristo foi o verdadeiro templo do
Espírito Santo (cf. Jo 2, 19-22), esta imagem assinala também que cada cristão
é Igreja e templo do Espírito Santo. Os carismas são dons que o Espírito
concede a cada pessoa para o bem dos homens, para as necessidades do mundo e
particularmente para a edificação da Igreja. Corresponde aos pastores discernir
e avaliar os carismas (cf. 1 Ts 5, 20-22; Compêndio, 160).
«A
Igreja encontra sua origem e a sua realização plena no eterno desígnio de Deus.
Foi preparada na Antiga Aliança com a eleição de Israel, sinal da reunião
futura de todas as nações. Fundada pelas palavras e as acções de Jesus Cristo,
foi realizada, sobretudo, mediante a sua Morte redentora e a sua Ressurreição.
Foi depois, manifestada como mistério de salvação mediante a efusão do Espírito
Santo no Pentecostes. Terá a sua realização plena no final dos tempos, como
assembleia celeste de todos os redimidos» (Compêndio, 149; cf. Catecismo, 778).
Quando
Deus revela o seu desígnio de salvação, que é permanente, manifesta também como
o deseja realizar. Esse desígnio não o levou a cabo com um único acto, mas
primeiro foi preparando a humanidade para acolher a Salvação; só mais tarde se
revelou plenamente em Cristo. Esse oferecimento de Salvação, na comunhão divina
e na unidade da humanidade, foi definitivamente outorgado aos homens através do
dom do Espírito Santo, que foi derramado nos corações dos crentes pondo-nos em
contacto pessoal e permanente com Cristo. Ao ser filhos de Deus em Cristo,
reconhecemo-nos irmãos dos outros filhos de Deus. Não há uma fraternidade, ou
unidade do género humano, que não se baseie na comum filiação divina que nos
foi oferecida pelo Pai em Cristo; não há uma fraternidade sem um Pai comum, a
quem chegamos pelo Espírito Santo.
Não
foram os homens que fundaram a Igreja; nem sequer é uma resposta humana nobre a
uma experiência de salvação realizada por Deus em Cristo. Nos mistérios da vida
de Cristo, o ungido pelo Espírito, cumpriram-se as promessas anunciadas na Lei
e nos profetas. Também se pode dizer que a fundação da Igreja coincide com a
vida de Jesus Cristo; a Igreja vai tomando forma em relação à missão de Cristo
entre os homens, e para os homens. Não há um momento em que Cristo tenha
fundado a Igreja, mas fundou-a em toda a sua vida: desde a Encarnação até à
Morte, Ressurreição, Ascensão e com o envio do Paráclito. Ao longo da vida,
Cristo – em quem habitava o Espírito – foi manifestando como devia ser a sua
Igreja, dispondo primeiro umas coisas e depois outras. Depois da Ascensão, o Espírito
foi enviado à Igreja e nela permanece unindo-a à missão de Cristo,
recordando-lhe o que o Senhor revelou, e guiando-a ao longo da história até à
sua plenitude. Ele é a causa da presença de Cristo na Igreja pelos sacramentos
e pela Palavra, e adorna-a continuamente com diversos dons hierárquicos e
carismáticos 5. Pela sua presença cumpre-se a promessa do Senhor de
estar sempre com os seus até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20).
O
Concílio Vaticano II retomou uma antiga expressão para designar a Igreja:
“comunhão”. Com isso indica-se que a Igreja é a expansão da comunhão íntima da
Santíssima Trindade aos homens; e que nesta terra ela é já comunhão com a
Trindade divina, embora não se tenha consumado ainda na sua plenitude. Além de
comunhão, a Igreja é sinal e instrumento dessa comunhão para todos os homens.
Por ela participamos na vida íntima de Deus e pertencemos à família de Deus
como filhos no Filho pelo Espírito 6. Isto realiza-se de forma
específica nos sacramentos, principalmente na Eucaristia, também chamada muitas
vezes comunhão (cf. 1 Cor 10, 16). Por último, chama-se também comunhão porque
a Igreja configura e determina o espaço da oração cristã (cf. Catecismo, 2655,
2672, 2790).
Miguel de Salis Amaral
Bibliografia:
Catecismo da Igreja Católica, 683-688;
731-741.
Compêndio do Catecismo de la Igreja
Católica, 136-146.
João Paulo II, Enc. Dominum et
Vivificantem, 18-V-1986, 3-26.
João Paulo II, Catequese sobre o
Espírito Santo, 8-XII-1989.
São Josemaria, Homilia «O Grande
Desconhecido», em Cristo que Passa, 127-138.
Leituras recomendadas:
Catecismo da Igreja Católica, 748-945.
Compêndio do Catecismo da Igreja
Católica, 147-193.
São Josemaria, Homilia «Lealdade à
Igreja», em Amar a Igreja, Rei dos Livros, Lisboa 1986.
_________________________
Notas:
3 Cf. Concílio Vaticano II, Lumen
Gentium, 4 e 9; São Cipriano, De Orat Dom, 23 (CSEL 3, 285).
4 «Quando invocares, pois, Deus Pai,
recorda-te de que foi o Espírito quem, ao mover a tua alma, te deu essa oração.
Se não existisse o Espírito Santo, não haveria na Igreja qualquer palavra de
sabedoria ou de ciência, porque está escrito: é dada pelo Espírito a palavra de
sabedoria (I Cor XII, 8)... Se o Espírito Santo não estivesse presente, a
Igreja não existiria. Mas, se a Igreja existe, é certo que o Espírito Santo não
falta» (São João Crisóstomo, Sermones panegyrici in solemnitates D. N. Iesu
Christi, hom. 1, De Sancta Pentecostes, n. 3-4, PG 50, 457).
5 Cf. Concílio Vaticano II, Const.
Lumen Gentium, 4 e 12.
6 Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium
et Spes, 22.
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