26/03/2013

Tratado dos actos humanos 71


Questão 18: Da bondade e da malícia dos actos humanos em geral.

Art. 7 ― Se a espécie de bondade proveniente do fim está compreendida na proveniente do objecto, como a espécie, no género.


O sétimo discute-se assim. ― Parece que a espécie de bondade proveniente do fim está compreendida na proveniente do objecto, como a espécie, no género, p. ex., quando alguém quer furtar para dar esmola.


1. ― Pois, o acto especifica-se pelo objecto, como já se disse 1. Ora, é impossível uma coisa estar compreendida numa uma determinada espécie, que, por sua vez, não esteja na que lhe é própria, pois, uma mesma coisa não pode estar em diversas espécies não subordinadas entre si. Logo, a espécie procedente do fim está compreendida na que procede do objecto.

2. Demais. ― A última diferença é sempre a que constitui a espécie especialíssima. Ora, a diferença procedente do fim é posterior à procedente do objecto, porque fim é sinónimo de último. Logo, a espécie procedente do fim está compreendida na procedente do objecto, como espécie especialíssima.

3. Demais. ― Quanto mais uma diferença é formal tanto mais especial é, pois a diferença está para o género, como a forma, para a matéria. Ora, a espécie procedente do fim é mais formal que a procedente do objecto, como já se disse 2. Logo, aquela está compreendida nesta como a espécie especialíssima no género subalterno.

Mas, em contrário. ― Cada género tem as suas diferenças determinadas. Ora, um acto de uma mesma espécie procedente do objecto pode se ordenar a infinitos fins, p. ex., o furto pode ordenar-se a infinitos bens ou males. Logo, a espécie proveniente do fim não está compreendida, como género, na que procede do objecto.

O objecto do acto exterior pode ter dupla relação com o fim da vontade. Pode-se lhe ordenar, essencialmente, como, p. ex., o lutar bem se ordena à vitória, ou, acidentalmente, assim furtar para dar esmola. Ora, como diz o Filósofo 3, necessariamente as diferenças dividem o género e lhe constituem as espécies, essencialmente. Se for acidental, a divisão não será procedente: p. ex., se dividíssemos os animais em racionais e irracionais, e estes em alados e não alados a divisão seria inaceitável, porque alados e não alados não determinam, essencialmente, irracionais. É necessário dividir assim: animais que têm e que não têm pés, destes, uns tem dois pés, outros, quatro, outros, muitos, divisões estas que determinam essencialmente a primeira diferença.

Portanto, quando o objecto não se ordena essencialmente ao fim, a diferença específica dele proveniente não determina essencialmente a resultante do fim, e reciprocamente. Donde, uma dessas espécies, não se incluindo na outra, o acto moral pertence a duas como espécies disparatadas, e por isso dizemos que quem furta para fornicar pratica duas malícias num só acto. Se porém o objecto se ordena essencialmente ao fim, uma das diferenças é, essencialmente, determinante da outra, e portanto uma está compreendida na outra.

Resta porém examinar qual é a compreendida, e para o sabermos claramente devemos considerar, primeiro, que quanto mais particular é a forma donde deriva uma diferença, tanto mais específica é esta. Segundo, quanto mais universal é um agente, tanto mais universal é a forma que dele procede. Terceiro, quanto mais posterior é um fim, tanto maior é a sua correspondência a um agente mais universal, assim, ao passo que a vitória, fim último do exército, é o fim visado pelo general chefe, o comando de tal batalhão ou tal outro é o fim visado por chefes inferiores. Do sobredito se segue, que a diferença específica procedente do fim é mais geral, e a procedente do objecto essencialmente ordenado a um determinado fim, é específica em relação à primeira. Ora, a vontade, cujo objecto próprio é o fim, é motor universal em relação a todas as potências da alma, cujos  objectos  próprios são os dos actos particulares.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Uma coisa substancialmente considerada, não pode estar compreendida em duas espécies não ordenadas uma para a outra, mas, considerada acidentalmente, pode, assim, uma fruta pertence, pela cor, a uma certa espécie, p. ex., a dos corpos brancos, e pelo odor, à dos perfumados. E semelhantemente, os actos que substancialmente pertencem a uma espécie natural, podem, pelas condições morais supervenientes, incluir-se em duas espécies, como já se disse 4.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Último na execução, o fim é o primeiro na intenção da razão, pela qual se determinam as espécies dos actos morais.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A diferença está para o género como a forma para a matéria, enquanto ela actualiza o género, mas o género por sua vez é considerado como sendo mais formal que a espécie por ser mais absoluto e menos contracto. Donde, as partes da definição se reduzem ao género de causa formal, como diz Aristóteles 5, e então o género é causa formal da espécie e tanto mais formal quanto mais comum.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 18, a. 2, 6.
2. Q. 18, a. 6.
3. VII Metaph., lect. XIII.
4. Q. 1, a. 3 ad 3.
5. II Phys., lect. V.


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