01/03/2013

Tratado dos actos humanos 47


Questão 14: Do conselho.

Art. 6 ― Se a inquirição do conselho procede ao infinito.




(III Ethic., lect. VIII)

O sexto discute-se assim. ― Parece que a inquirição do conselho procede ao infinito.


1. ― Pois, o conselho é uma inquirição relativa a casos particulares, da ordem prática. Ora, os singulares são infinitos. Logo, também o é a inquirição do conselho.

2. Demais. ― Cabe à inquirição do conselho considerar, não só o que se deve fazer, mas também como se hão-de remover os obstáculos. Ora, qualquer acção humana pode ser impedida infinitas vezes e o impedimento pode ser removido por alguma razão humana. Logo, vamos ao infinito buscando a remoção dos obstáculos.

3. Demais. ― A inquirição da ciência demonstrativa não procede ao infinito, porque há de chegar a algum princípio evidente, de certeza absoluta. Ora, tal certeza não se pode encontrar nos singulares contingentes, variáveis e incertos. Logo, a inquirição do conselho procede ao infinito.

Mas, em contrário. ― Ninguém busca o que é impossível alcançar, como diz Aristóteles 1. Ora, é impossível percorrer o infinito. Se pois, a inquirição do conselho fosse ao infinito, ninguém começaria à deliberar, o que é patentemente falso.

A inquirição do conselho procede actualmente ao finito, sob duplo aspecto: quanto ao princípio e quanto ao termo. Pois essa inquirição parte, na verdade, de duplo princípio. Um próprio, em virtude do género mesmo das ações, que é o fim, sobre o qual não se delibera, mas antes o conselho o supõe, como princípio, segundo já se disse 2. Outro é tirado de um diverso género, por assim dizer, do mesmo modo que, nas ciências demonstrativas, em que uma ciência supõe, sem os discutir, dados de outra. Ora, esses princípios supostos na inquirição do conselho são todos os recebidos pelos sentidos, p. ex., que isto é pão ou ferro, e todos os conhecidos em universal por qualquer ciência especulativa ou prática, como p. ex., que fornicar é proibido por Deus e que o homem não pode viver se não se nutrir convenientemente. Ora, sobre tudo isto não discute quem delibera. Por outro lado o termo da inquirição consiste naquilo que nos é imediatamente possível fazer. Pois, assim como o fim exerce a função de princípio, assim os meios, a de conclusão. Donde, o que ocorre a ser feito em primeiro lugar exerce a função de conclusão última, com a qual a inquirição termina. ― Nada porém impede que, potencialmente, o conselho procede ao infinito, enquanto podem ocorrer coisas infinitas a serem inquiridas por ele.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os casos singulares são infinitos, não actual, mas só potencialmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Embora uma acção humana possa vir a ser impedida, nem sempre, porém, esse impedimento lhe está presente. E portanto, nem sempre se deve deliberar sobre a eliminação do impedimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Nos singulares contingentes pode ser considerada uma acção como certa, ser bem não absolutamente, contudo relativamente a ela. Assim, não e necessário que Sócrates esteja sentado, mas o é, quando o está, e disso podemos ter a certeza.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. I De caelo, lect. XIII.
2. Q. 14, a. 2.

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