24/02/2013

Tratado dos actos humanos 42


Questão 14: Do conselho.


Em seguida devemos tratar do conselho. E sobre esta Questão, seis artigos se discutem:

Art. 1 ― Se o conselho é inquirição.
Art. 2 ― Se o objecto do conselho são somente os meios ou também os fins.
Art. 3 ― Se o conselho tem por objecto só nossos actos.
Art. 4 ― Se o conselho respeita tudo o que fazemos.
Art. 5 ― Se o conselho procede por modo resolutório.
Art. 6 ― Se a inquirição do conselho procede ao infinito.


Art. 1 ― Se o conselho é inquirição.

O primeiro discute-se assim. ― Parece que o conselho não é inquirição.

1. ― Pois, como diz Damasceno, o conselho é apetitivo 1. Ora, não pertence ao apetite o inquirir. Logo, o conselho não e inquirição.

2. Demais. ― O inquirir é próprio do intelecto discursivo, e por isso não convém a Deus, cujo conhecimento não é discursivo, como se estabeleceu na primeira parte 2. Ora, o conselho é atribuído a Deus, pois, como diz o Apóstolo (Ef 1, 11), obra todas as coisas segundo o conselho da sua vontade. Logo, o conselho não é inquirição.

3. Demais. ― A inquirição é relativa ao duvidoso. Ora, o conselho se dá em relação a bens certos, conforme aquilo do Apóstolo (1 Cor 7, 25): Quanto porém às virgens não tenho mandamento do Senhor, mas dou conselho. Logo, o conselho não é inquirição.

Mas, em contrário, diz Gregório Nisseno (Nemésio): Todo conselho é uma inquirição, mas, nem toda inquirição é conselho 3.

Como já se disse 4, a eleição resulta de um juízo da razão relativo ao que se deve fazer. Ora, relativamente ao que se deve fazer há muita incerteza porque os actos versam sobre os singulares contingentes, pela sua variabilidade incertos. Ora, nas coisas duvidosas e incertas, a razão não profere o juízo sem uma inquirição precedente. Logo, é necessária a inquirição da razão antes do juízo relativo ao que se deve escolher. E a essa inquirição se chama conselho, e por isso o Filósofo diz, que a eleição é um desejo do que foi anteriormente deliberado5.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Quando os actos de duas potências se ordenam uns aos outros, há em cada um deles algo que depende da outra potência, e portanto, uns e outros podem ser designados pelo nomes de uma e outra potência. Ora, é manifesto que o acto da razão dirigente para os meios, e o acto da vontade subordinado à razão e tendente para eles ordenam-se um para outro. Donde, de um lado, na eleição, acto da vontade, manifesta-se algo de racional, que é a ordem, e de outro lado, no conselho, acto da razão, manifesta-se de algum modo a vontade. Este elemento voluntário se apresenta como matéria, porque o conselho é relativo ao que o homem quer fazer, e também como movido, pois desde que o homem quer o fim, move-se ao conselho relativo aos meios. E por isso o Filósofo diz, que a eleição é um intelecto apetitivo6, para mostrar que esses dois elementos nela concorrem. E Damasceno diz que o conselho é um apetite inquisitivo 7, para mostrar que pertence de certo modo tanto à vontade, relativamente à qual e pela qual se faz a inquirição, como à razão que inquire.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O que se diz de Deus deve ser entendido sem nenhuma das nossas deficiências. Assim, a nossa ciência é das conclusões, obtida discorrendo das causas para os efeitos, ao passo que a ciência de Deus significa certeza relativamente a todos os efeitos, na causa primeira, sem nenhum discurso. E semelhantemente, o conselho é atribuído a Deus, quanto à certeza da sentença ou do juízo, que em nós procede da inquirição do conselho, mas tal inquirição não existe em Deus e portanto, sob este aspecto, o conselho não lhe é atribuído. E por isso Damasceno diz, que em Deus não há conselho, próprio do ignorante 8.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Nada impede serem alguns bens certíssimos, no juízo dos sapientes e dos homens espirituais, e todavia não o serem no de muitos ou dos homens carnais. E por isso formam-se conselhos a respeito deles.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II Orth. Fid., cap. XXII.
2. Q. 14 a. 7.
3. De nat. Hom., cap. XXXIV.
4. Q. 13 a. 1, ad 2, a. 3.
5. III Ethic., lect. VI.
6. VI Ethic., lect. II.
7. Loc. Cit.
8. Lib. II Orth. Fid., cap. XXII.Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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