09/02/2013

Tratado dos actos humanos 27


Questão 11: Da fruição.



Em seguida devemos tratar da fruição.

E, nesta Questão quatro artigos se discutem:

Art. 1 ― Se fruir é próprio só da potência apetitiva.
Art. 2 ― se fruir é próprio só do homem.
Art. 3 ― Se há fruição só do último fim.
Art. 4 ― Se a fruição é só do bem possuído.



Art. 1 ― Se fruir é próprio só da potência apetitiva.

(I Sent., dist. I, q. 1, a . 1).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que fruir não é próprio só da potência apetitiva.

1. ― Pois, fruir não é senão colher o fruto. Ora, o fruto da vida humana, que é a bem-aventurança, colhe-o o intelecto, em cujo acto consiste a felicidade, como já se demonstrou 1. Logo, fruir não é próprio da potência apetitiva, mas do intelecto.

2. Demais. ― Toda potência tem um fim próprio, que é a sua perfeição, pois, o fim da visão é conhecer o visível, o da audição, perceber os sons e assim por diante. Ora, o fim de uma coisa é o seu fruto. Logo, fruir é próprio de todas as potências e não só da apetitiva.

3. Demais. ― A fruição importa num certo deleite. Ora, o deleite sensível pertence ao sentido, que se compara no seu objecto, e pela mesma razão o deleite intelectual pertence ao intelecto. Logo, a fruição pertence à potência apreensiva e não à apetitiva.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Fruir é aderir por amor, a alguma coisa, em si mesma 2. Ora, o amor respeita à potência apetitiva. Logo, também fruir é acto dessa potência.

Fruição e fruto respeitam, segundo parece, a uma mesma realidade, e um deriva do outro. Qual seja o derivado, não vem ao caso, senão que, como parece provável, o mais manifesto também foi primeiro denominado. Ora, sendo-nos as coisas mais sensíveis as mais manifestas, o nome de fruição parece derivado dos frutos materiais. Ora, o fruto material é o que por último esperamos da árvore e o que colhemos com certa suavidade. Donde, a fruição parece pertencer ao amor ou deleite que sentimos ante o termo da nossa expectativa, que é o fim. Ora, o fim e o bem é o objecto da potência apetitiva. Logo, é manifesto ser a fruição acto dessa potência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Nada impede que diversas potências se refiram a uma só e mesma realidade, sob diversos pontos de vista. Assim, a visão de Deus como tal é acto do intelecto, mas como bem e fim é objecto da vontade e podemos desse modo gozá-lo. De maneira que o intelecto, como potência agente, alcança esse fim, ao passo que a vontade o alcança como potência que move para o fim e deste goza, quando já obtido.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Como já se disse 3, a perfeição e o fim de cada uma das outras potências estão contidos no objecto da potência apetitiva, como o próprio está contido no comum. Donde, a perfeição e o fim de qualquer potência, como bem particular, pertence à potência apetitiva, e por isso esta move as outras aos fins próprios e, conseguindo o seu fim, ajuda também as outras a conseguirem os seus.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― No deleite há dois elementos: a percepção do conveniente, própria da potência apreensiva, e a complacência no que se apresenta como conveniente, própria da potência apetitiva e em que o deleite encontra a sua plenitude.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 3 a. 4.
2. I De doctr. Christ., cap. IV, X De Trinit., cap. X, XI
3. Q. 9 a. 1.

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