Questão 5: Da consecução da bem-aventurança.
Art. 8 — Se todos desejam a bem-aventurança.
(IV Sent., dist. XLIX, q. 1, a
. 3, q ª 1).
O oitavo discute-se assim. — Parece nem todos desejam a bem-aventurança.
1. — Pois, sendo o bem apreendido o objecto do apetite, como diz Aristóteles, ninguém pode desejar o que ignora 1. Ora, muitos ignoram o que seja a bem-aventurança, e o evidencia, como diz Agostinho, o terem uns posto a bem-aventurança no prazer do corpo, outros, na virtude da alma, outros, em outras coisas 2. Logo, nem todos desejam a bem-aventurança.
2.
Demais. — Como já se disse 3, a essência da bem-aventurança é a
visão da essência divina. Ora, alguns dizem ser impossível ao homem ver a Deus
em essência, e portanto, não desejam tal. Logo, nem todos os homens desejam a bem-aventurança.
3.
Demais. — Agostinho diz, que feliz é quem tem tudo o que quer e nada quer mal 4.
Ora, nem todos querem tal, pois, uns querem mal certas coisas, e contudo
consentem em querê-las. Logo, nem todos querem a bem-aventurança.
Mas,
em contrário, Agostinho: Se um comediante dissesse — Todos quereis ser felizes
e não quereis ser miserável — diria algo que ninguém deixaria de confessar, na
sua vontade 5.
A bem-aventurança pode ser considerada a dupla luz. — Quanto à sua essência
comum, e então necessariamente todo homem a quer. Pois, a essência comum da bem-aventurança
está em ela ser o bem perfeito, como já se disse 6. Ora, sendo o bem
o objecto da vontade, o bem perfeito de alguém é o que lhe satisfaz totalmente a
vontade. Donde, desejar a bem-aventurança não é senão desejar que a vontade
seja saciada, o que todos querem. — De outro modo, podemos considerar a bem-aventurança
quanto à sua noção especial, i. é, quanto ao que ela consiste. E então, nem
todos a conhecem porque não sabem a que coisa convenha à essência comum dela. E
por conseguinte, nesta acepção nem todos a querem.
Donde
se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A vontade segue a apreensão do intelecto ou da razão, mas assim
como acontece que uma coisa, idêntica na realidade, é todavia diversa quanto à
consideração da razão, assim também se dá que uma coisa é idêntica, na
realidade, e todavia, sob um aspecto, é desejada e, sob outro, não. A bem-aventurança,
portanto, pode ser considerada quanto à noção de bem final e perfeito, e nisso
consiste a essência comum dela, e, então, a vontade tende para ela,
necessariamente, como já se disse 7. E pode também ser considerada
sob outros pontos de vista especiais quanto à própria operação, ou quanto à
potência operativa, ou quanto ao objecto, e então a vontade não tende para ela
necessariamente.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A definição de bem-aventurança dada por certos — Feliz é quem tem
tudo o que quer, ou, a quem tudo lhe sucede como deseja — entendida de um modo,
é boa e suficiente, de outro modo, porém, é imperfeita. — Assim, se a
entendermos, absolutamente, de todas as coisas que o homem quer com desejo
natural, então é verdade que quem tem tudo o que quer é feliz. Pois nada sacia
o apetite natural do homem, senão o bem perfeito, que é a bem-aventurança. —
Entendida, porém do que o homem quer pela apreensão da razão, então o possuir o
homem certas coisas, que quer, é antes miséria que bem-aventurança, enquanto
tais coisas, possuídas impedem-no de possuir o que quer naturalmente, assim
como a razão recebe como verdadeiras, às vezes, coisas que impedem o
conhecimento da verdade. — E conforme este ponto de vista, Agostinho acrescenta
8, para a perfeição da bem-aventurança, que nada quer mal. Embora a
primeira expressão — feliz é quem tem tudo o que quer — bem entendida, já podia
bastar.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
________________________
Notas:
1.
III De Anima.
2.
XIII De Trin.
3.
Q. 8 a. 8.
4.
XIII De Trin.
5.
XIII De Trin.
6.
Q. 5, a. 3, 4.
7. Q. 5, a. 8, q. 5 a. 4 ad 2.
8. XIII De Trin.
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