Art. 3 — Se a bem-aventurança pode ser obtida nesta vida.
(IV Sent., dist. XLIII, a . 1,
q ª 1, dist. XLIX, q. 1, a . 1, q ª 4, Cont. Gent., cap. XLVIII,
I Ethic., lect. X, XVI).
O
terceiro discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança pode ser obtida nesta
vida.
1. — Pois, diz a Escritura (Sl 118,1): Bem-aventurados os que se conservam sem mácula no caminho, os que andam na lei do Senhor. Ora, isto dá-se nesta vida. Logo, nela se pode ser feliz.
2.
Demais. — A participação imperfeita do sumo bem não elimina a essência da bem-aventurança,
do contrário, um não seria mais feliz que outro. Ora, nesta vida, os homens
podem participar do sumo bem, conhecendo e amando a Deus, embora imperfeitamente.
Logo, nesta vida o homem pode ser feliz.
3.
Demais. — O que é dito por muitos não pode ser totalmente falso, pois considera-se
natural o que existe em muitos, porque a natureza não falha totalmente. Ora,
muitos põem a bem-aventurança nesta vida, como se vê claramente na Escritura
(Sl 143, 15): Bem-aventurado chamarão ao povo que tem estas coisas, i. é, os
bens da vida presente. Logo, pode nesta vida ser-se feliz.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Jó 14, 1): O homem nascido da mulher, que vive
breve tempo, é cercado de muitas misérias. Ora, a bem-aventurança exclui a
miséria. Logo o homem não pode ser feliz nesta vida.
Podemos alcançar nesta vida uma certa participação de bem-aventurança, bem-aventurança
perfeita porém e verdadeira não pode ser obtida. E, isto, podemos prová-lo de
dois modos.
Primeiro,
pela essência comum da bem-aventurança. Pois, sendo ela o bem perfeito e
suficiente, exclui todo mal e satisfaz todo desejo. — Ora, nesta vida não
podemos excluir todo mal. Pois, a vida presente está sujeita a muitos males,
que não podem ser evitados: à ignorância da inteligência, à afeição desordenada
do apetite, e a muitos incómodos do corpo, que Agostinho diligentemente enumera
1. — Semelhantemente, também o desejo do bem não pode ser saciado
nesta vida. Pois naturalmente o homem deseja a permanência do bem que possui.
Ora, não só os bens da vida presente são transitórios, mas ainda passa a
própria vida, que naturalmente desejamos e queríamos permanecesse
perpetuamente, porque ao homem repugna-lhe naturalmente a morte. Donde, é
impossível nesta vida obter-se a verdadeira bem-aventurança.
Segundo,
se se considerar o em que especialmente consiste a bem-aventurança — a visão da
essência divina, a que o homem não pode chegar nesta vida, como já se
demonstrou na primeira parte 2.
Donde
manifestamente resulta que ninguém nesta vida pode alcançar a verdadeira e
perfeita bem-aventurança.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Alguns consideram-se felizes nesta vida, ou
pela esperança da bem-aventurança a alcançar, na vida futura, conforme aquilo
da Escritura (Rm 8, 24) — Na esperança é que fomos salvos, ou por uma tal ou
qual participação da bem-aventurança, relativa a uma certa fruição do sumo bem.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A participação da bem-aventurança pode ser imperfeita de duplo
modo. Quanto ao próprio objecto da bem-aventurança,
que não é visto na sua essência, e tal imperfeição elimina a essência da
verdadeira bem-aventurança. E segundo, quanto ao próprio participante que,
certo, atinge o objecto da bem-aventurança, em si mesmo, que é Deus, mas
imperfeitamente, por comparação com o modo pelo qual Deus a si mesmo se goza. E
tal imperfeição não elimina a verdadeira essência da bem-aventurança porque,
sendo esta uma operação, como já se disse 3, a sua verdadeira
essência se considera quanto ao objecto que especifica o acto, e não quanto ao
sujeito.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Os homens julgam haver nesta vida alguma bem-aventurança, por uma
certa semelhança com a verdadeira. E assim, não erram totalmente no seu juízo.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1.
XIX De civ. Dei.
2.
Q. 12 a. 2.
3.
Q. 3, a. 2.
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