05/01/2013

Tratado da bem-aventurança 32


Questão 4: Do necessário à bem-aventurança.



Art. 8 — Se os amigos são necessários à bem-aventurança.

O oitavo discute-se assim. — Parece que os amigos são necessários à bem-aventurança.





1. — Pois, a bem-aventurança futura é frequentemente designada nas Escrituras com o nome de glória. Ora, esta consiste em ser o bem de um homem levado ao conhecimento de muitos. Logo, à bem-aventurança é necessária a sociedade dos amigos.

2. Demais. — Boécio — (Séneca) diz, que sem a sociedade não é agradável à posse de nenhum bem (1). Ora, à bem-aventurança implica o deleite. Logo, também é necessária a sociedade dos amigos.

3. Demais. — A caridade aperfeiçoa-se na bem-aventurança. Ora aquela estende-se ao amor de Deus e do próximo. Logo, para esta é necessária a sociedade dos amigos.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sb 7, 11): E todos os bens me vieram juntamente com ela, i. é, com divina sabedoria, que consiste na contemplação de Deus. E portanto, nada mais é necessário à bem-aventurança.

Se nos referimos à felicidade da vida presente, o feliz precisa de amigos, como diz Aristóteles (2), não certo por utilidade, pois basta–se a si mesmo, nem pelo deleite, pois tem-na em si mesmo perfeita, praticando a virtude, mas para beneficiá-los, para deleitar-se vendo-os bem fazer e para ser, no bem fazer, coadjuvante por eles. Portanto, para bem obrar, o homem precisa de auxílio dos amigos, tanto nas obras da vida activa, como nas da contemplativa.

Mas, se nos referimos à bem-aventurança perfeita da pátria, não implica necessariamente a sociedade dos amigos, porque o homem tem a plenitude total da sua bem-aventurança em Deus. Mas, tal sociedade contribui para a existência completa da bem-aventurança, donde o dizer Agostinho: para a criatura espiritual ser feliz basta seja intrinsecamente coadjuvante pela eternidade, verdade e caridade do Criador, se porém deve dizer-se que é coadjuvante extrinsecamente, talvez isso só se dê pela visão mútua e pelo gáudio da sociedade (3).

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A glória essencial à bem-aventurança é a que o homem tem, não junto de outro homem, mas junto de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A expressão citada deve entender-se como referente ao bem possuído, que não tem plena suficiência. O que não se aplica no caso vertente, porque o homem tem em Deus a suficiência de todos os bens.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A perfeição da caridade é essencial à bem-aventurança, quanto ao amor de Deus, não do próximo. Donde, se fosse uma única a alma que gozasse de Deus, ela seria feliz sem ter próximo a quem amasse. Mas, suposto este, resulta o amor para com ele, do perfeito amor de Deus. Por isso a amizade é como que concomitante à perfeita bem-aventurança.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:

1. Ad Lacilium, epist. 6.
2. IX Ethic.
3. VIII Super Gen. ad litt.

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