31/12/2012

Tratado da bem-aventurança 27


Questão 4: Do necessário à bem-aventurança.


Art. 3 — Se a bem-aventurança supõe a compreensão.

(I, q. 12, a. 7. ad I, I Sent., dist. I, q. a . 1, IV, dist. XLIV, q. 4, a. 5, q ª 1).

O terceiro discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança não supõe a compreensão.



1. — Pois, diz Agostinho: Alcançar a Deus com a mente é grande bem-aventurança, porém é impossível compreender (1). Logo, sem compreensão há bem-aventurança.

2. Demais. — A bem-aventurança é a perfeição do homem, quanto à parte intelectiva, que não abrange outras potências, senão o intelecto e a vontade, como já se disse na primeira parte (2). Ora, o intelecto aperfeiçoa-se suficientemente pela visão de Deus e a vontade, pelo deleite nele. Logo, não é necessária, como terceiro elemento, a compreensão.

3. Demais. — A bem-aventurança consiste na operação. Ora, as operações determinam-se pelos objectos e os objectos gerais são dois, a verdade e o bem. A verdade porém corresponde à visão e o bem, ao deleite. Logo, não é necessária a compreensão, como terceiro elemento.

Mas, em contrário, dia o Apóstolo (1 Cor 9, 24): Correi de tal maneira que o alcanceis. Ora, a carreira espiritual termina em a bem-aventurança, Donde, diz o mesmo (2 Tm 4, 7): Eu pelejei uma boa peleja, acabei a minha carreira, guardei a fé. Pelo mais me está reservada a coroa da justiça. Logo, a bem-aventurança exige a compreensão.

Consistindo a bem-aventurança na consecução do último fim, o que ela supõe devemos considerá-lo quanto à ordem própria do homem em relação ao fim. Ora, o homem ordena-se a um fim inteligível, em parte, pelo intelecto e, em parte, pela vontade. Pelo intelecto, enquanto nele preexiste um conhecimento imperfeito do fim. Pela vontade, antes de tudo pelo amor, que é o seu movimento primeiro para algum objecto, em segundo lugar, pela relação real entre o amante e o amado, e que pode ser tríplice. Assim, umas vezes o amado, estando presente ao amante, já não é buscado. Outras, não o estando, mas sendo impossível alcança-lo, não é buscado. Outras, enfim, é possível obtê-lo, mas sendo de tal modo superior à faculdade de quem deve alcança-lo, não pode ser obtido imediatamente, donde resulta uma relação entre quem espera e o que é esperado, a única que leva à busca do fim. E a cada uma desta tríplice relação corresponde algo na bem-aventurança. Assim, o conhecimento perfeito corresponde à relação imperfeita, enquanto a presença do fim, sem si, corresponde à relação de esperança, e afinal o deleite no fim já presente resulta do amor, como já se disse (3). Donde, é necessária, para a bem-aventurança, esta tríplice concorrência: a visão, conhecimento perfeito do fim inteligível, a compreensão, que supõe a presença do fim, o deleite ou fruição, que supõe o repouso do amante no amado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Compreensão tem duplo sentido. Num significa a inclusão do compreendido no compreensor, e assim tudo o que é compreendido pelo finito é finito, e então, Deus não pode ser compreendido por nenhum intelecto criado. Noutro sentido, compreensão não significa mais do que a posse de uma coisa já tida presencialmente, assim, diz-se que quem busca a outrem o compreende quando o possui. E neste sentido a compreensão é necessária à bem-aventurança.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como à vontade pertence à esperança e o amor, porque quem ama alguma coisa não adquirida tende para ela, assim também lhe pertence à compreensão e o deleite, porque quem tem alguma coisa nela repousa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A compreensão não é operação diferente da visão, mas relação com o fim já adquirido. Donde, mesmo a visão, em si, ou a coisa vista, enquanto existente presencialmente, é o objecto da compreensão.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:

1. Ad Paulinam de Videndo Deum.
2. Q. 79ss.
3. Q. 4, a. 2 ad 3.

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