Questão 4: Do necessário à
bem-aventurança.
Art. 3 — Se a bem-aventurança
supõe a compreensão.
(I, q. 12, a. 7. ad I, I Sent.,
dist. I,
q. a . 1, IV, dist. XLIV, q. 4, a. 5, q ª 1).
O
terceiro discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança não supõe a
compreensão.
1.
— Pois, diz Agostinho: Alcançar a Deus com a mente é grande bem-aventurança,
porém é impossível compreender (1). Logo, sem compreensão há bem-aventurança.
2.
Demais. — A bem-aventurança é a perfeição do homem, quanto à parte intelectiva,
que não abrange outras potências, senão o intelecto e a vontade, como já se
disse na primeira parte (2). Ora, o intelecto aperfeiçoa-se suficientemente
pela visão de Deus e a vontade, pelo deleite nele. Logo, não é necessária, como
terceiro elemento, a compreensão.
3.
Demais. — A bem-aventurança consiste na operação. Ora, as operações determinam-se
pelos objectos e os objectos gerais são dois, a verdade e o bem. A verdade
porém corresponde à visão e o bem, ao deleite. Logo, não é necessária a
compreensão, como terceiro elemento.
Mas,
em contrário, dia o Apóstolo (1 Cor 9, 24): Correi de tal maneira que o
alcanceis. Ora, a carreira espiritual termina em a bem-aventurança, Donde, diz
o mesmo (2 Tm 4, 7): Eu pelejei uma boa peleja, acabei a minha carreira,
guardei a fé. Pelo mais me está reservada a coroa da justiça. Logo, a bem-aventurança
exige a compreensão.
Consistindo a bem-aventurança na consecução do último fim, o que ela supõe
devemos considerá-lo quanto à ordem própria do homem em relação ao fim. Ora, o
homem ordena-se a um fim inteligível, em parte, pelo intelecto e, em parte,
pela vontade. Pelo intelecto, enquanto nele preexiste um conhecimento
imperfeito do fim. Pela vontade, antes de tudo pelo amor, que é o seu movimento
primeiro para algum objecto, em segundo lugar, pela relação real entre o amante
e o amado, e que pode ser tríplice. Assim, umas vezes o amado, estando presente
ao amante, já não é buscado. Outras, não o estando, mas sendo impossível
alcança-lo, não é buscado. Outras, enfim, é possível obtê-lo, mas sendo de tal
modo superior à faculdade de quem deve alcança-lo, não pode ser obtido imediatamente,
donde resulta uma relação entre quem espera e o que é esperado, a única que
leva à busca do fim. E a cada uma desta tríplice relação corresponde algo na bem-aventurança.
Assim, o conhecimento perfeito corresponde à relação imperfeita, enquanto a
presença do fim, sem si, corresponde à relação de esperança, e afinal o deleite
no fim já presente resulta do amor, como já se disse (3). Donde, é
necessária, para a bem-aventurança, esta tríplice concorrência: a visão,
conhecimento perfeito do fim inteligível, a compreensão, que supõe a presença
do fim, o deleite ou fruição, que supõe o repouso do amante no amado.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Compreensão tem duplo sentido. Num significa
a inclusão do compreendido no compreensor, e assim tudo o que é compreendido
pelo finito é finito, e então, Deus não pode ser compreendido por nenhum
intelecto criado. Noutro sentido, compreensão não significa mais do que a posse
de uma coisa já tida presencialmente, assim, diz-se que quem busca a outrem o
compreende quando o possui. E neste sentido a compreensão é necessária à bem-aventurança.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Assim como à vontade pertence à esperança e o amor, porque quem
ama alguma coisa não adquirida tende para ela, assim também lhe pertence à
compreensão e o deleite, porque quem tem alguma coisa nela repousa.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A compreensão não é operação diferente da visão, mas relação com
o fim já adquirido. Donde, mesmo a visão, em si, ou a coisa vista, enquanto
existente presencialmente, é o objecto da compreensão.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Ad Paulinam de Videndo Deum.
2. Q. 79ss.
3. Q. 4, a. 2 ad 3.
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