Em
seguida deve-se tratar do necessário à bem-aventurança. E sobre esta Questão
oito artigos se discutem:
Art.
1 — Se o deleite é necessária à bem-aventurança.
Art.
2 — Se a deleite , na bem-aventurança,
tem prioridade sobre a visão.
Art.
3 — Se a bem-aventurança supõe a compreensão.
Art.
4 — Se a rectidão da vontade é necessária para a bem-aventurança.
Art.
5 — Se o corpo é necessário à bem-aventurança.
Art.
6 — Se a perfeição do corpo é necessária à perfeita bem-aventurança do homem.
Art.
7 — Se para a bem-aventurança são também necessários bens externos.
Art.
8 — Se os amigos são necessários à bem-aventurança.
Art. 1 — Se o deleite é
necessária à bem-aventurança.
(Supra, q. 3, a . 4, II Sent., dist. XXXVIII, a . 2, dist. XLIX, q. 1, a. 1, q ª 2, q. 3, a. 4, q ª 4, Compend. Theol., cap. CVII, CLXV, X Ethic., lect. VI).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que o deleite não é necessário para a bem-aventurança.
1.
— Pois, como diz Agostinho, a visão é toda a mercê da fé (1). Ora, o
prêmio ou mercê da virtude é a bem-aventurança, como se vê no Filósofo (2).
Logo, além da visão, nada mais é necessário à bem-aventurança.
2.
Demais. — A bem-aventurança é o bem por si suficientíssimo, como diz o Filósofo
(3). Ora, o que necessita de qualquer outra coisa não é por si suficiente.
Consistindo, pois, a essência da bem-aventurança na visão de Deus, como já se
demonstrou (4), resulta que o deleite não é necessário à bem-aventurança.
3.
Demais. — A operação da felicidade ou da bem-aventurança há-de ser não
impedida, como diz Aristóteles (5). Ora, o deleite impede a acção do
intelecto, pois, corrompe a apreciação da prudência, conforme Aristóteles (6).
Logo, ela não é necessária para a bem-aventurança.
Mas,
em contrário, diz Agostinho (7), que a bem-aventurança é o alegrar-se
com a verdade.
Pode dizer-se de quatro modos que uma coisa é necessária a outra. Primeiro,
como preâmbulo ou preparação, assim, a disciplina é necessária à ciência.
Segundo, como aperfeiçoamento, assim, a alma é necessária à vida do corpo. Terceiro,
como coadjuvante extrínseco, assim, amigos são necessários para fazer alguma
coisa. Quarto, como algo de concomitante, como se dissermos que o calor é
necessário ao fogo. E deste modo é que o deleite é necessário à bem-aventurança,
pois é causado pelo repouso do apetite no bem alcançado. Donde, não sendo a bem-aventurança
senão a obtenção do sumo bem, não pode existir sem a concomitante deleite .
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A vontade de quem merece repousa só pelo facto
de lhe ser feita mercê, o que é deleitar-se. Donde, em a noção mesma de mercê
feita já se inclui o deleite.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — O deleite resulta da própria visão de Deus. Donde, a quem vê a
Deus não lhe pode faltar o deleite.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O deleite concomitante à operação do intelecto não a impede,
antes, a conforta, como diz Aristóteles (8), pois, no que fazemos
com prazer, agimos mais atenta e perseverantemente. Ao passo que o deleite estranho
impede a operação. Umas vezes, por distraimento da intenção, pois, como já se
disse, a nossa intenção dirige-se sobretudo àquilo com que nos deleitamos, e
quando intencionamos veementemente uma coisa, é necessário que a nossa intenção
se retraia de outras. Por vezes, também, por contrariedade, assim, o deleite do
sentido, contrário à razão, impede a ponderação da prudência mais do que a do
intelecto especulativo.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
__________________
Notas:
1.
I De Trin.
2.
I Ethic.
3. I Ethic.
4. Q. 3 a. 8.
5. VII Ethic.
6. VI Ethic.
7. X Confess.
8. X Ethic.
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