28/12/2012

Tratado da bem-aventurança 24


Questão 3: Que é a bem-aventurança.


Art. 8 — Se a bem-aventurança do homem consiste na visão da essência divina em si mesma.

(I. q. 12, a . 1, De Verit., q. 8, a . 1, Quodl. X, q. 8, Compend. Theol., part. I. cap. CIV, CVI, part. II, cap. IX, In Matth., cap. V, In Ion., cap. I lect. XI).

O oitavo discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança do homem não consiste na visão da divina essência em si mesma.


1. — Pois, no dizer de Dionísio (1), pelo supremo intelecto o homem se une a Deus como ao completamente desconhecido. Ora, o que é visto em essência não é completamente desconhecido. Logo, a perfeição última do intelecto ou bem-aventurança não consiste em ver Deus em essência.

2. Demais. — A perfeição da natureza mais alta é mais elevada. Ora, a perfeição própria do divino intelecto é contemplar a sua própria essência.
Logo, tal não alcança a perfeição do intelecto humano, que lhe é inferior.

Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Jo 3, 2): Quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele e o veremos bem como ele é.

A bem-aventurança última e perfeita não pode estar senão na visão da divina essência, para a evidência do que duas coisas se devem considerar. A primeira é que o homem não é perfeitamente feliz, enquanto lhe resta algo a desejar e a buscar. A segunda é que a perfeição de uma potência é relativa à natureza do seu objecto. Ora, o objecto do intelecto é a quididade, i. é, a essência da coisa, como diz Aristóteles (2). Donde, a perfeição do intelecto está na razão directa do seu conhecimento da essência de uma coisa. De um intelecto, pois, que conhece a essência de um efeito sem poder conhecer, por ele, o eu a causa essencialmente é, não se diz que atinge a causa em si mesma, embora possa, pelo efeito, saber se ela existe. Donde, permanece naturalmente no homem o desejo de também saber o que é a causa, depois de conhecido o efeito e de sabido que tem causa. E tal desejo é o de admiração e provoca a indagação, como diz Aristóteles (3). Por ex., quem contempla um eclipse do sol, considera-lhe a causa e, não sabendo qual seja, admira-se e, admirando-se, perquire, esta perquirição não repousa até que chegue a conhecer a essência da causa. — Se, pois, o intelecto humano, conhecendo a essência de um efeito criado, somente souber que Deus existe, a sua perfeição ainda não atingiu a causa primeira em si próprio, restando-lhe ainda o desejo natural de perquirir a causa, e por isso não é perfeitamente feliz. Portanto, para a felicidade perfeita é necessário o intelecto atingir a essência mesma da causa primeira. E assim, terá a sua perfeição pela união com Deus como o objecto em que só consiste a bem-aventurança do homem, conforme já se disse.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Dionísio se refere ao conhecimento dos que estão na via, em busca da bem-aventurança.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como já se disse, em dupla acepção se pode considerar o fim. Como a própria coisa que é desejada, e então como já se disse, o fim da natureza superior é idêntico ao da inferior, e mesmo ao de todas as coisas. E como a aquisição dessa própria coisa, e então o fim da natureza superior é diverso do fim da inferior, conforme a relação diversa com uma determinada coisa. Assim, pois, mais elevada é a bem-aventurança de Deus, que compreende pelo intelecto a sua essência, que a do homem ou a do anjo, que vê mas não compreende.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:

1. Myst. Theol., cap. I.
2. III De Anima
3. Metaphys, in principio.

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