21/12/2012

Tratado da bem-aventurança 17


Questão 3: Que é a bem-aventurança.


Em seguida devemos tratar da bem-aventurança e o que ela exige.

Sobre o primeiro ponto oito artigos se discutem:

Art. 1 — Se a bem-aventurança é algo de incriado.
Art. 2 — Se a bem-aventurança é operação.
Art. 3 — Se a bem-aventurança consiste também na actividade dos sentidos.
Art. 4 — Se a bem-aventurança consiste no acto da vontade.
Art. 5 — Se a bem-aventurança consiste na actividade do intelecto prático.
Art. 6 — Se a bem-aventurança do homem consiste na consideração das ciências especulativas.
Art. 7 — Se a bem-aventurança do homem consiste no conhecimento das substâncias separadas, i. é, dos anjos.
Art. 8 — Se a bem-aventurança do homem consiste na visão da essência divina em si mesma.

Art. 1 — Se a bem-aventurança é algo de incriado.


(I. q. 26, a . 3, IV Sent., dist. XLIX, q. 1, a . 2, q ª 1).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança é algo de incriado.

1. — Pois, como diz Boécio, é necessário confessar que Deus é a própria bem-aventurança (1).

2. Demais. — A bem-aventurança é o mesmo bem. Ora, ser o sumo bem é próprio de Deus. Logo, como não há vários bens sumo, resulta que a bem-aventurança é o mesmo que Deus.

3. Demais. — A bem-aventurança é o fim último, para o qual naturalmente tende a vontade humana. Ora, esta não deve tender para nenhum outro fim, a não ser Deus, só do qual deve gozar, como diz Agostinho. Logo, a bem-aventurança é o mesmo que Deus.

Mas, em contrário. — Nada do que é feito é incriado. Ora, a bem-aventurança do homem é algo de feito, pois, segundo Agostinho, devemos gozar das coisas que nos fazem felizes (2). Logo, a bem-aventurança não é algo de incriado.

Como já se disse o fim tem dupla acepção. Numa é a coisa mesma que desejamos alcançar, assim, do avarento o fim é o dinheiro. Noutra, é a obtenção ou a posse ou o uso ou a função da coisa desejada, assim, se se disser que a posse do dinheiro é o fim do avarento e gozar da coisa voluptuosa é o fim do desregrado.

Ora, na primeira acepção, o fim último do homem é o bem incriado, i. é, Deus, que só, pela sua bondade infinita, pode satisfazer perfeitamente à vontade do homem.

Na segunda, porém, esse último fim é algo de criado nele mesmo existente, e que não é senão a obtenção ou o gozo do fim último.

Ora, o fim último chama-se bem-aventurança. — Assim pois, considerada quanto à causa ou ao objecto, a bem-aventurança do homem é algo de incriado. — Considerada, porém, quanto à sua própria essência, é algo de criado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Deus é por essência a bem-aventurança, pois é feliz, não pela obtenção ou participação de qualquer outra coisa, mas pela sua essência. Ao passo que os homens são felizes, como no mesmo passo diz Boécio, por participação, assim como são assim chamados deuses, por participação. Ora, a participação própria da bem-aventurança, pela qual dizemos que o homem é feliz, é algo de criado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que a bem-aventurança é o sumo bem do homem, porque é a obtenção ou gozo do sumo bem.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A bem-aventurança é chamada o último fim no sentido em que a obtenção do fim se chama fim.

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Notas:
1. III De Consol.
2. I De Doctr. Christ.

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