Iluminado
pela graça-chàris, o homem responde com a sua liberdade que pode gerar uma
recusa ou uma adesão. E a adesão é precisamente a fé, pìstis em grego,
semelhante a braços abertos que acolhem a graça-amor, escuta de uma revelação
divina e resposta na oração. É um apertar a mão de Deus que nos é oferecido
enquanto estamos imersos no nosso limite criatural ou colapsamos nas areias
movediças lamacentas do mal e do pecado. Este abraço transforma-nos e
transfigura porque Deus infunde em nós a sua própria respiração de vida, o seu
“espírito”.
Iluminadoras
são também as palavras de Paulo aos Romanos: «Vós não recebestes um Espírito
que vos escravize e volte a encher-vos de medo; mas recebestes um Espírito que
faz de vós filhos adoptivos. É por Ele que clamamos: Abbá, ó Pai!» (8, 15).
Igualmente significativa para ilustrar a irrupção do divino em nós, com a sua
energia e eficácia, é a parábola da semente deposta no campo, narrada por Jesus
(Marcos 4, 26-29). O agricultor está na cama e dorme numa longa
noite de inverno ou está em algum outro lugar, ocupado num dia primaveril ou no
início do verão. Entretanto aquela semente gera, por si só, um caule e uma
espiga repleta de grãos. A fé é reconhecer que existe uma presença invisível
que opera na história, é saber partilhar os tempos de crescimento, é acolher
com alegria esse dom que faz viver uma existência totalmente nova.
Há
no entanto outra dupla temática respeitante à primeira virtude teologal, a que
vincula fé e confiança. (...) O primeiro Credo cristão, citado por Paulo, diz
assim: «Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi
sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a
Cefas e depois aos Doze» (1 Cor 15, 3-5). Mas a fé, por causa deste
conteúdo vital, postula uma reacção “subjectiva”, isto é, uma adesão; para lá do
“discurso” é um “percurso” de vida: é a confiança, é o abandono ao Revelador e
Redentor, é um confiar-se a ele e aos seus braços paternos.
A
fé tem, assim, também uma dimensão de risco, de entrega de si, na consciência
de que o horizonte misterioso de Deus é bem mais alto que o nosso, como já
sugeria o Senhor pela boca de Isaías: «Os meus planos não são os vossos planos,
os vossos caminhos não são os meus caminhos - oráculo do Senhor. Tanto quanto
os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos são mais altos que os vossos,
e os meus planos, mais altos que os vossos planos» (55, 8-9). (...)
Este
entrelaçamento entre fé e confiança, entre verdade e risco cria outro par
temático, entre fé e razão, que constitui também o título de uma encíclica de
João Paulo II, Fides et ratio (1998),
dedicada precisamente a este contraponto harmonioso, a este voo no céu do mistério
divino com as duas asas da fé e da racionalidade, para usar a imagem com que
abre este texto papal.
armindo dos santos vaz, ocd, Semana de
Espiritualidade 2012, Avessadas, © SNPC | 11.10.12
Card.
gianfranco ravasi, Presidente do
Pontifício Conselho para a Cultura, In L'Osservatore Romano (26.7.2012), © SNPC
(trad.) | 11.10.12
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