Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Jo 12, 27-50
27 «Agora a Minha alma,
está turbada. E que direi Eu? Pai, livra-Me desta hora? Mas é para isso que
cheguei a esta hora. 28 Pai, glorifica o Teu nome». Então veio do céu esta voz:
«Eu O glorifiquei e O glorificarei novamente». 29 Ora o povo, que ali estava e
ouvira, dizia que tinha sido um trovão. Outros diziam: «Um anjo Lhe falou». 30 Jesus
respondeu: «Esta voz não veio por causa de Mim, mas por vossa causa. 31 Agora é
o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo. 32 E Eu,
quando for levantado da terra, atrairei todos os homens a Mim». 33 Dizia isto
para designar de que morte havia de morrer. 34 Respondeu-Lhe a multidão: «Nós
aprendemos da Lei que o Messias permanece eternamente; como dizes Tu que o
Filho do Homem deve ser levantado? Quem é este Filho do Homem?». 35 Jesus
respondeu-lhes: «Ainda por um pouco de tempo está a luz convosco. Andai
enquanto tendes a luz, para que não vos surpreendam as trevas; quem caminha nas
trevas não sabe aonde vai.36 Enquanto tendes a luz, crede na luz para que
sejais filhos da luz». Jesus disse isto; depois retirou-Se e escondeu-Se deles.
37 Apesar de ter feito tantos milagres na sua presença, não acreditaram n'Ele, 38
para se cumprir a palavra do profeta Isaías, quando disse: “Senhor, quem acreditou
o que ouviu de nós? E a quem foi revelado o braço do Senhor?”. 39 Por isso não
podiam acreditar, porque também disse Isaías: 40 “Tornou-lhes cegos os olhos,
endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos, e não compreendam
com o coração, nem se convertam e Eu os cure”. 41 Isto disse Isaías, quando viu
a Sua glória e falou d'Ele.42 Todavia, mesmo entre os principais, muitos creram
n'Ele; mas, por causa dos fariseus, não o confessavam para não serem expulsos
da sinagoga;43 porque amaram mais a glória dos homens do que a glória de
Deus.44 Jesus levantou a voz e disse: «Quem acredita em Mim, não é em Mim que
acredita, mas n'Aquele que Me enviou. 45 Quem Me vê a Mim, vê Aquele que Me
enviou. 46 Eu vim ao mundo como uma luz, para que todo o que crê em Mim não
fique nas trevas. 47 Se alguém ouvir as Minhas palavras e não as guardar, Eu não
o julgo, porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. 48 Quem
Me despreza e não recebe as Minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra
que anunciei, essa o julgará no último dia. 49 Com efeito, Eu não falei por Mim
mesmo, mas o Pai que Me enviou, Ele mesmo Me prescreveu o que Eu devia dizer e
ensinar. 50 Eu sei que o Seu mandamento é a vida eterna. As coisas, pois, que
digo, digo-as como Meu Pai Me disse».
EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
I PARTE
VERBUM DEI
…/5
A necessária superação da «letra»
38. Para se recuperar a articulação entre os diversos
sentidos da Escritura, torna-se então decisivo identificar a passagem
entre letra e espírito. Não se trata de uma passagem automática e
espontânea; antes, é preciso transcender a letra: «de facto, a Palavra do
próprio Deus nunca se apresenta na simples literalidade do texto. Para
alcançá-la, é preciso transcender a literalidade num processo de compreensão,
que se deixa guiar pelo movimento interior do conjunto e, portanto, deve
tornar-se também um processo de vida».[125] Descobrimos
assim o motivo por que um autêntico processo interpretativo nunca é apenas
intelectual, mas também vital, que requer o pleno envolvimento na vida eclesial
enquanto vida «segundo o Espírito» (Gl5, 16). Deste modo tornam-se mais
claros os critérios evidenciados pelo número 12 da Constituição dogmática Dei
Verbum: a referida superação não pode verificar-se no fragmento literário
individual mas em relação com a totalidade da Escritura. De facto, é uma única
Palavra aquela para a qual somos chamados a transcender. Este processo possui
uma íntima dramaticidade, porque, no processo de superação, a passagem que
acontece em virtude do Espírito tem inevitavelmente a ver também com a
liberdade de cada um. São Paulo viveu plenamente na sua própria vida esta
passagem. O que significa transcender a letra e a sua compreensão unicamente a
partir do conjunto, expressou-o ele de modo radical nesta frase: «A letra
mata, mas o Espírito vivifica» (2 Cor 3, 6). São Paulo descobre
que «o Espírito libertador tem um nome e que a liberdade tem, consequentemente,
uma medida interior: “O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor há
liberdade” (2 Cor 3, 17). O Espírito libertador não é simplesmente
a própria ideia, a visão pessoal de quem interpreta. O Espírito é Cristo, e
Cristo é o Senhor que nos indica a estrada».[126] Sabemos
como esta passagem foi dramática e simultaneamente libertadora em Santo
Agostinho; ele acreditou nas Escrituras, que antes se lhe apresentavam muito
diversificadas em si mesmas e às vezes indelicadas, precisamente por esta
superação que aprendeu de Santo Ambrósio mediante a interpretação tipológica,
segundo a qual todo o Antigo Testamento é um caminho para Jesus Cristo. Para
Santo Agostinho, transcender a letra tornou credível a própria letra e
permitiu-lhe encontrar finalmente a resposta às profundas inquietações do seu
espírito, sedento da verdade.[127]
A unidade intrínseca da Bíblia
39. Na escola da grande tradição da Igreja, aprendemos
na passagem da letra ao espírito a identificar também a unidade de toda a
Escritura, pois única é a Palavra de Deus que interpela a nossa vida,
chamando-a constantemente à conversão.[128] Continuam
a ser para nós uma guia segura as expressões de Hugo de São Víctor: «Toda a
Escritura divina constitui um único livro e este único livro é Cristo, fala de
Cristo e encontra em Cristo a sua realização».[129] É
certo que a Bíblia, vista sob o aspecto puramente histórico ou literário, não é
simplesmente um livro, mas uma colectânea de textos literários, cuja redacção
se estende por mais de um milénio e cujos diversos livros não são facilmente
reconhecíveis como partes duma unidade interior; antes, há tensões palpáveis
entre eles. Se isto já se verifica no interior da Bíblia de Israel, que nós,
cristãos, chamamos Antigo Testamento, muito mais quando nós, como cristãos,
ligamos o Novo Testamento e os seus escritos – como se fosse a chave
hermenêutica – com a Bíblia de Israel interpretando-a como caminho para Cristo.
No Novo Testamento, aparece menos a expressão «a Escritura» (cf. Rm 4,
3; 1 Pd 1, 6), do que «as Escrituras» (cf. Mt 21,
43; Jo 5, 39;Rm 1, 2; 2 Pd 3,
16), que porém, no seu conjunto, são depois consideradas como a única Palavra
de Deus dirigida a nós.[130] Por
isso se vê claramente como é a pessoa de Cristo que dá unidade a todas as
«Escrituras» postas em relação com a única «Palavra». Compreende-se assim a
afirmação do número 12 da Constituição dogmática Dei Verbum, quando
indica a unidade interna de toda a Bíblia como critério decisivo para uma
correcta hermenêutica da fé.
A relação entre Antigo e Novo Testamento
40. Na perspectiva da unidade das Escrituras em
Cristo, tanto os teólogos como os pastores necessitam de estar conscientes das
relações entre o Antigo e o Novo Testamento. Em primeiro lugar, é evidente
que o próprio Novo Testamento reconhece o Antigo Testamento como Palavra
de Deus e, por conseguinte, admite a autoridade das Sagradas
Escrituras do povo judeu.[131] Reconhece-as
implicitamente, quando usa a mesma linguagem e frequentemente alude a trechos
destas Escrituras; reconhece-as explicitamente, porque cita muitas partes
servindo-se delas para argumentar. Uma argumentação baseada nos textos do
Antigo Testamento reveste-se assim, no Novo Testamento, de um valor decisivo,
superior ao de raciocínios simplesmente humanos. No quarto Evangelho, a este
propósito Jesus declara que «a Escritura não pode ser anulada» (Jo 10,
35) e São Paulo especifica de modo particular que a revelação do Antigo
Testamento continua a valer para nós, cristãos (cf. Rm 15,
4; 1 Cor 10, 11).[132] Além
disso, afirmamos que «Jesus de Nazaré foi um judeu e a Terra Santa é terra-mãe
da Igreja»;[133] a
raiz do cristianismo encontra-se no Antigo Testamento e sempre se nutre desta
raiz. Por isso a sã doutrina cristã sempre recusou qualquer forma emergente de
marcionismo, que tende de diversos modos a contrapor entre si o Antigo e o Novo
Testamento.[134]
Além disso, o próprio Novo Testamento se diz em
conformidade com o Antigo e proclama que, no mistério da vida, morte e
ressurreição de Cristo, encontraram o seu perfeito cumprimento as Escrituras
Sagradas do povo judeu. Mas é preciso notar que o conceito de cumprimento das
Escrituras é complexo, porque comporta uma tríplice dimensão: um aspecto
fundamental de continuidade com a revelação do Antigo Testamento, um
aspecto de ruptura e um aspecto de cumprimento e superação.
O mistério de Cristo está em continuidade de intenção com o culto sacrificial
do Antigo Testamento; mas realizou-se de um modo muito diferente, que
corresponde a muitos oráculos dos profetas, e alcançou assim uma perfeição
nunca antes obtida. De facto, o Antigo Testamento está cheio de tensões entre
os seus aspectos institucionais e os seus aspectos proféticos. O mistério pascal
de Cristo está plenamente de acordo – embora de uma forma que era imprevisível
– com as profecias e o aspecto prefigurativo das Escrituras; mas apresenta
evidentes aspectos de descontinuidade relativamente às instituições do Antigo
Testamento.
41. Estas considerações mostram assim a importância
insubstituível do Antigo Testamento para os cristãos, mas ao mesmo tempo
evidenciam a originalidade da leitura cristológica. Desde os
tempos apostólicos e depois na Tradição viva, a Igreja deixou clara a unidade
do plano divino nos dois Testamentos graças à tipologia, que não tem carácter
arbitrário mas é intrínseca aos acontecimentos narrados pelo texto sagrado e,
por conseguinte, diz respeito a toda a Escritura. A tipologia «descobre nas
obras de Deus, na Antiga Aliança, prefigurações do que o mesmo Deus realizou,
na plenitude dos tempos, na pessoa do seu Filho encarnado».[135] Por
isso os cristãos lêem o Antigo Testamento à luz de Cristo morto e ressuscitado.
Se a leitura tipológica revela o conteúdo inesgotável do Antigo Testamento
relativamente ao Novo, não deve todavia fazer-nos esquecer que aquele mantém o
seu próprio valor de Revelação que Nosso Senhor veio reafirmar (cf. Mc 12,
29-31). Por isso «também o Novo Testamento requer ser lido à luz do Antigo. A
catequese cristã primitiva recorreu constantemente a este método (cf. 1
Cor 5, 6-8; 10, 1-11)».[136] Por
este motivo, os Padres sinodais afirmaram que «a compreensão judaica da Bíblia
pode ajudar a inteligência e o estudo das Escrituras por parte dos cristãos».[137]
Assim se exprimia, com aguda sabedoria, Santo
Agostinho sobre este tema: «O Novo Testamento está oculto no Antigo e o Antigo
está patente no Novo».[138] Deste
modo, tanto em âmbito pastoral como em âmbito académico, importa que seja
colocada bem em evidência a relação íntima entre os dois Testamentos,
recordando com São Gregório Magno que aquilo que «o Antigo Testamento prometeu,
o Novo Testamento fê-lo ver; o que aquele anuncia de maneira oculta, este
proclama abertamente como presente. Por isso, o Antigo Testamento é profecia do
Novo Testamento; e o melhor comentário do Antigo Testamento é o Novo
Testamento».[139]
As páginas «obscuras» da Bíblia
42. No contexto da relação entre Antigo e Novo
Testamento, o Sínodo enfrentou também o caso de páginas da Bíblia que às vezes
se apresentam obscuras e difíceis por causa da violência e imoralidade nelas
referidas. Em relação a isto, deve-se ter presente antes de mais nada que a
revelação bíblica está profundamente radicada na história. Nela se vaiprogressivamente manifestando
o desígnio de Deus, actuando-se lentamente ao longo deetapas sucessivas,
não obstante a resistência dos homens. Deus escolhe um povo e, pacientemente,
realiza a sua educação. A revelação adapta-se ao nível cultural e moral de
épocas antigas, referindo consequentemente factos e usos como, por exemplo,
manobras fraudulentas, intervenções violentas, extermínio de populações, sem
denunciar explicitamente a sua imoralidade. Isto explica-se a partir do
contexto histórico, mas pode surpreender o leitor moderno, sobretudo quando se
esquecem tantos comportamentos «obscuros» que os homens sempre tiveram ao longo
dos séculos, inclusive nos nossos dias. No Antigo Testamento, a pregação dos
profetas ergue-se vigorosamente contra todo o tipo de injustiça e de violência,
colectiva ou individual, tornando-se assim o instrumento da educação dada por
Deus ao seu povo como preparação para o Evangelho. Seria, pois, errado não
considerar aqueles passos da Escritura que nos aparecem problemáticos.
Entretanto deve-se ter consciência de que a leitura destas páginas requer a
aquisição de uma adequada competência, através duma formação que leia os textos
no seu contexto histórico-literário e na perspectiva cristã, que tem como chave
hermenêutica última «o Evangelho e o mandamento novo de Jesus Cristo realizado
no mistério pascal».[140] Por
isso exorto os estudiosos e os pastores a ajudarem todos os fiéis a abeirar-se
também destas páginas por meio de uma leitura que leve a descobrir o seu
significado à luz do mistério de Cristo.
Cristãos e judeus, relativamente às Sagradas
Escrituras
43. Depois de considerar a íntima relação que une o
Novo Testamento ao Antigo, é espontâneo fixar a atenção no vínculo peculiar que
isso cria entre cristãos e judeus, um vínculo que não deveria jamais ser
esquecido. Aos judeus, o Papa João Paulo II declarou: sois «os nossos “irmãos
predilectos” na fé de Abraão, nosso patriarca».[141] Por
certo, estas afirmações não significam ignorar as rupturas atestadas no Novo
Testamento relativamente às instituições do Antigo Testamento e menos ainda o
cumprimento das Escrituras no mistério de Jesus Cristo, reconhecido Messias e
Filho de Deus. Mas esta diferença profunda e radical não implica de modo algum
hostilidade recíproca. Pelo contrário, o exemplo de São Paulo (cf. Rm 9–11)
demonstra que «uma atitude de respeito, estima e amor pelo povo judeu é a única
atitude verdadeiramente cristã nesta situação que, misteriosamente, faz parte
do desígnio totalmente positivo de Deus».[142] De
facto, o Apóstolo afirma que os judeus, «quanto à escolha divina, são amados
por causa dos Patriarcas, pois os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis»
(Rm 11, 28-29).
Além disso, usa a bela imagem da oliveira para
descrever as relações muito estreitas entre cristãos e judeus: a Igreja dos
gentios é como um rebento de oliveira brava enxertado na oliveira boa que é o
povo da Aliança (cf. Rm 11, 17-24). Alimentamo-nos, pois, das
mesmas raízes espirituais. Encontramo-nos como irmãos; irmãos que em certos
momentos da sua história tiveram um relacionamento tenso, mas agora estão
firmemente comprometidos na construção de pontes de amizade duradoura.[143] Como
disse o Papa João Paulo II noutra ocasião: «Temos muito em comum. Juntos
podemos fazer muito pela paz, pela justiça e por um mundo mais fraterno e mais
humano».[144]
Desejo afirmar uma vez mais quão precioso é para a
Igreja o diálogo com os judeus. É bom que, onde isto se
apresentar como oportuno, se criem possibilidades mesmo públicas de encontro e
diálogo, que favoreçam o crescimento do conhecimento mútuo, da estima recíproca
e da colaboração inclusive no próprio estudo das Sagradas Escrituras.
A interpretação fundamentalista da Sagrada Escritura
44. A atenção que quisemos dar até agora ao tema da
hermenêutica bíblica, nos seus diversos aspectos, permite-nos abordar o tema –
muitas vezes aflorado no debate sinodal – da interpretação fundamentalista da
Sagrada Escritura.[145] Sobre
este tema, a Pontifícia Comissão Bíblica, no documento A interpretação
da Bíblia na Igreja, formulou indicações importantes. Neste contexto,
desejo chamar a atenção sobretudo para aquelas leituras que não respeitam o
texto sagrado na sua natureza autêntica, promovendo interpretações
subjectivistas e arbitrárias. Na realidade, o «literalismo» propugnado pela
leitura fundamentalista constitui uma traição tanto do sentido literal como do
espiritual, abrindo caminho a instrumentalizações de variada natureza,
difundindo por exemplo interpretações anti-eclesiais das próprias Escrituras. O
aspecto problemático da «leitura fundamentalista é que, recusando ter em conta o
carácter histórico da revelação bíblica, torna-se incapaz de aceitar plenamente
a verdade da própria Encarnação. O fundamentalismo evita a íntima ligação do
divino e do humano nas relações com Deus. (…) Por este motivo, tende a tratar o
texto bíblico como se fosse ditado palavra por palavra pelo Espírito e não
chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada numa linguagem e numa
fraseologia condicionadas por uma dada época».[146] Ao
contrário, o cristianismo divisa nas palavras a Palavra,
o próprio Logos, que estende o seu mistério através de tal
multiplicidade e da realidade de uma história humana.[147] A
verdadeira resposta a uma leitura fundamentalista é «a leitura crente da
Sagrada Escritura, praticada desde a antiguidade na Tradição da Igreja. [Tal
leitura] procura a verdade salvífica para a vida do indivíduo fiel e para a
Igreja. Esta leitura reconhece o valor histórico da tradição bíblica.
Precisamente por este valor de testemunho histórico é que ela quer descobrir o
significado vivo das Sagradas Escrituras destinadas também à vida do fiel de
hoje»,[148] sem
ignorar, portanto, a mediação humana do texto inspirado e os seus géneros
literários.
Diálogo entre Pastores, teólogos e exegetas
45. A autêntica hermenêutica da fé acarreta algumas
consequências importantes no âmbito da actividade pastoral da Igreja.
Precisamente a este respeito, os Padres sinodais recomendaram, por exemplo, um
relacionamento mais assíduo entre Pastores, exegetas e teólogos. É bom que as
Conferências Episcopais favoreçam estes encontros com o «fim de promover uma maior
comunhão no serviço da Palavra de Deus».[149] Tal
cooperação ajudará a todos a realizarem melhor o próprio trabalho em benefício
da Igreja inteira. De facto, situar-se no horizonte do trabalho pastoral quer
dizer, mesmo para os estudiosos, olhar o texto sagrado na sua natureza de
comunicação que o Senhor faz aos homens para a salvação. Portanto, como afirmou
a Constituição dogmática Dei Verbum, «é preciso que os exegetas
católicos e demais estudiosos da sagrada teologia trabalhem em íntima
colaboração de esforços, para que, sob a vigilância do sagrado magistério,
lançando mão de meios aptos, estudem e expliquem as divinas Letras, de modo que
o maior número possível de ministros da Palavra de Deus possa oferecer com
fruto ao Povo de Deus o alimento das Escrituras, que ilumine o espírito,
robusteça as vontades e inflame os corações dos homens no amor de Deus».[150]
Bíblia e ecumenismo
46. Na certeza de que a Igreja tem o seu fundamento em
Cristo, Verbo de Deus feito carne, o Sínodo quis sublinhar a centralidade dos
estudos bíblicos no diálogo ecuménico, que visa a plena expressão da unidade de
todos os crentes em Cristo.[151] De
facto, na própria Escritura, encontramos a comovente súplica de Jesus ao Pai
pelos seus discípulos para que sejam um só a fim de que o mundo creia
(cf. Jo 17, 21). Tudo isto nos fortalece na convicção de que
escutar e meditar juntos as Escrituras nos faz viver uma comunhão real, embora
ainda não plena;[152]pois
«a escuta comum das Escrituras impele ao diálogo da caridade e faz crescer o da
verdade».[153] De
facto, ouvir juntos a Palavra de Deus, praticar a lectio divina da
Bíblia, deixar-se surpreender pela novidade que nunca envelhece e jamais se
esgota da Palavra de Deus, superar a nossa surdez àquelas palavras que não
estão de acordo com as nossas opiniões ou preconceitos, escutar e estudar na
comunhão dos fiéis de todos os tempos: tudo isto constitui um caminho a
percorrer para alcançar a unidade da fé, como resposta à escuta da Palavra.[154] Verdadeiramente
esclarecedoras eram estas palavras do Concílio Vaticano II: «No próprio diálogo
[ecuménico], a Sagrada Escritura é um exímio instrumento da poderosa mão de
Deus para a consecução daquela unidade que o Salvador oferece a todos os
homens».[155] Por
isso, é bom incrementar o estudo, o diálogo e as celebrações ecuménicas da
Palavra de Deus, no respeito das regras vigentes e das diversas tradições.[156] Estas
celebrações são úteis à causa ecuménica e, se vividas no seu verdadeiro
significado, constituem momentos intensos de autêntica oração nos quais se pede
a Deus para apressar o suspirado dia em que será possível abeirar-nos todos da
mesma mesa e beber do único cálice. Entretanto, na justa e louvável promoção
destes momentos, faça-se de modo que os mesmos não sejam propostos aos fiéis em
substituição da participação na Santa Missa nos dias de preceito.
Neste trabalho de estudo e de oração, reconhecemos com
serenidade também os aspectos que requerem ser aprofundados e que nos mantêm
ainda distantes, como, por exemplo, a compreensão do sujeito da interpretação
com autoridade na Igreja e o papel decisivo do Magistério.[157]
Além disso queria sublinhar o que os Padres sinodais
disseram da importância que têm, neste trabalho ecuménico, as traduções
da Bíblia nas diversas línguas. De facto, sabemos que traduzir um texto não
é trabalho meramente mecânico, mas faz parte em certo sentido do trabalho
interpretativo. A este respeito, o Venerável João Paulo II afirmou: «Quem
recorda como influíram nas divisões, especialmente no Ocidente, os debates em
torno da Escritura, pode compreender quanto seja notável o passo em frente
representado por tais traduções comuns».[158] Por
isso, a promoção das traduções comuns da Bíblia faz parte do trabalho
ecuménico. Desejo aqui agradecer a todos os que estão comprometidos nesta
importante tarefa e encorajá-los a continuarem na sua obra.
Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
_____________________
[125] Bento XVI, Discurso aos homens de cultura
no «Collège des Bernardins» de Paris (12 de
Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 726.
[130] Cf. Bento XVI, Discurso aos homens de cultura
no «Collège des Bernardins» de Paris(12 de Setembro
de 2008): AAS 100 (2008), 725.
[131] Cf. Propositio 10; Pont. Comissão
Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia cristã (24
de Maio de 2001), 3-5: Ench. Vat. 20, n. 748-755.
[134] Cf. Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as
suas sagradas Escrituras na Bíblia cristã(24 de Maio de 2001), 19: Ench.
Vat. 20, n. 799-801; Orígenes, Homilia sobre Números 9,
4: SC415, 238-242.
[141] João Paulo II, Mensagem ao Rabino-Chefe de
Roma (22 de Maio de 2004): Insegnamenti27/1 (2004),
655.
[142] Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas
sagradas Escrituras na Bíblia cristã (24 de Maio de 2001), 87: Ench.
Vat. 20, n. 1150.
[143] Cf. Bento XVI, Discurso de despedida no
Aeroporto Ben Gurion de Telavive (15 de Maio de 2009): Insegnamenti V/1
(2009), 847-849.
[146] Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da
Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), I, F:Ench. Vat. 13,
n. 2974.
[147] Cf. Bento XVI, Discurso aos homens de cultura
no «Collège des Bernardins» de Paris(12 de Setembro
de 2008): AAS 100 (2008), 726.
[151] Em todo o caso não se esqueça que, relativamente aos
chamados Livros Deuterocanónicos do Antigo Testamento e à sua inspiração, os
católicos e os ortodoxos não possuem exactamente o mesmo cânon bíblico que os
anglicanos e os protestantes.
[154] Cf. Bento XVI, Discurso no XI Conselho
Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos (25 de Janeiro de
2007): AAS 99 (2007), 85-86.
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