24/10/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 33


Questão 110: Do governo dos anjos sobre a criatura corpórea.
Art. 4 — Se os anjos podem fazer milagres.


(Infra, q. 114, a. 4, III Cont. Gent., cap. CII, CIII, De Pot., q. 6, a. 3, 4, Compend. Theol., cap. CXXXVI, Opusc.XI, Resp. de XXXVI Artic., a. 15, 16, 18, in Ioan, cap. X, lect. V).

O quarto discute-se assim. — Parece que os anjos podem fazer milagres.




1. — Pois, como diz Gregório, chamam-se virtudes os espíritos pelos quais mais frequentemente se fazem presságios e os milagres.

2. Demais. — Como diz Agostinho, os magos fazem milagres por contractos privados, os bons Cristãos, por pública justiça, os maus Cristãos, por sinais da justiça pública. Ora, os magos fazem milagres por serem ouvidos pelos demónios, como o mesmo autor diz, no mesmo livro. Logo, os demónios podem fazer milagres e com maior razão os anjos bons.

3. Demais. — Como Agostinho diz, crê-se que as coisas visivelmente feitas, mesmo pelas potestades inferiores do ar, podem ser feitas, sem absurdo. Ora, dizemos que há milagre, quando um efeito das causas naturais é produzido sem dependência da causa, p. ex., quando alguém sara de uma febre, sem ser por operação da natureza. Logo, os anjos e os demónios podem fazer milagres.

4. Demais. — A virtude superior não está sujeita à ordem da causa inferior. Ora, a natureza corpórea é inferior ao anjo. Logo, este pode operar fora da ordem dos agentes corpóreos, o que é fazer milagres.

Mas, em contrário, diz a Escritura, de Deus (Sl 135, 4): O que faz grandes maravilhas só.

Diz-se que há propriamente milagre, quando alguma coisa se realiza, contra a ordem da natureza. Não basta porém para a existência do milagre que alguma coisa se faça contra a ordem de alguma natureza particular, pois então quem atirasse uma pedra para cima faria milagre, por isso contra a ordem da natureza da pedra. Chama-se, portanto, milagre ao que se faz contrariamente à ordem de toda a natureza criada. Ora, isso apenas Deus pode fazer, porque tudo quanto fizer o anjo, ou qualquer natureza criada, por virtude própria, fá-lo-á conforme à ordem da natureza criada e então não é milagre. Donde se conclui que só Deus pode fazer milagres.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz-se que certos anjos fazem milagres ou porque, por desejo deles, Deus os faz, assim como também se diz que os santos os fazem, ou porque desempenham certas funções, nos milagres, p. ex., reunindo as cinzas, na ressurreição geral, ou fazendo coisas semelhantes.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Chamam-se milagres, simplesmente falando, segundo já disse, as coisas feitas contra a ordem de toda a natureza criada. Mas, como não nos é conhecida toda a virtude da natureza criada, por isso dizemos que para nós há milagre quando alguma coisa é feita contra a ordem da natureza criada, que conhecemos, por alguma virtude criada, que ignoramos. Assim não é milagre, em si mesmo, mas só para nós, qualquer coisa que os demónios façam por virtude natural, sendo desse modo que os magos fazem milagres, por meio dos demónios. E diz-se que isso se faz por contractos privados porque qualquer virtude criada está para o universo como a virtude de qualquer pessoa privada está para a cidade. Donde, quando um mago faz qualquer coisa, por pacto concluído com o demónio, faz tal por um como contracto privado. A justiça divina porém está para todo o universo, como a lei pública, para a cidade. E por isso, diz-se que os bons Cristãos, quando fazem milagres, por meio da justiça divina, fazem-nos por justiça pública. Ao passo que os maus Cristãos os fazem pelos sinais da justiça pública, invocando o nome de Cristo ou empregando certos sacramentos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As potestades espirituais podem fazer coisas viáveis neste mundo, empregando germes corpóreos, por meio do movimento local.

RESPOSTA À QUARTA. — Embora os anjos possam fazer coisas contra a ordem da natureza corpórea, não podem entretanto fazer nada contra a ordem de toda a criatura, o que é exigido para a existência do milagre, como já se disse.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama

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