21/10/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 30


Questão 110: Do governo dos anjos sobre a criatura corpórea.
Em seguida devemos considerar o governo dos anjos sobre a criatura corpórea.


E sobre esta questão quatro artigos se discutem:
Art. 1 — Se a criatura corpórea é governada pelos anjos.
Art. 2 — Se a matéria corpórea obedece à vontade dos anjos.
Art. 3 — Se os corpos obedecem aos anjos quanto ao movimento local.
Art. 4 — Se os anjos podem fazer milagres.


Art. 1 — Se a criatura corpórea é governada pelos anjos.

(III Cont. Gent., cap. LXXVIII, De Verit., q. 5, a. 8).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a criatura corpórea não é governada pelos anjos.

1. — Pois, seres com determinado modo de obrar não precisam ser governados por nenhum superior, e se precisamos ser governados é para não agirmos de modo diverso do necessário. Ora, os seres corpóreos obram determinados actos resultantes dos dons naturais, outorgados por Deus. Logo, não necessitam o governo dos anjos.

2. Demais. — Os seres inferiores são governados pelos superiores. Ora, há certos corpos considerados inferiores, e outros, superiores. Logo, aqueles são governados por estes, sem necessidade de serem governados pelos anjos.

3. Demais. — As diversas ordens dos anjos distinguem-se pelas diversas funções. Ora, se as criaturas corpóreas são governadas pelos anjos, estes terão tantas funções quantas às espécies daquelas. Logo, também haverá tantas ordens de anjos, quantos estas espécies, o que é contra o que já ficou estabelecido (q. 108, a. 2). Logo, a criatura corpórea não é governada pelos anjos.

Mas, em contrário, diz Agostinho: todos os corpos são governados pelo espírito racional da vida. E Gregório: neste mundo visível nada pode ser disposto senão pela criatura invisível.

Tanto nas coisas humanas, como nas naturais, é comum seja o poder particular submetido ao universal e por este regido, assim, o poder do bailio está submetido ao do rei. E também em relação aos anjos já foi dito (q. 108), que os superiores, que presidem aos inferiores, têm ciência mais universal. Ora, é manifesto, que a virtude de qualquer corpo é mais particular que a da substância espiritual, pois, ao passo que toda forma corpórea é individuada pela matéria e determinada, local e temporalmente, as formas imateriais são absolutas e inteligíveis. Donde, assim como os anjos inferiores, de formas menos universais, são governados pelos superiores, assim todos os corpos são governados pelos anjos. E isto é ensinado não só pelos santos Doutores, mas também por todos os filósofos que admitem substâncias incorpóreas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As coisas corpóreas têm determinados actos, que só se exercem quando elas são movidas, porque é próprio do corpo não agir senão pelo movimento. Logo, é necessário que a criatura corpórea seja movida pela espiritual.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção procede, segundo a opinião de Aristóteles, que ensinava serem os corpos celestes movidos pelas substâncias espirituais, e ele procurou determinar o número delas pelo dos movimentos que se verificam nos corpos celestes. Mas não ensinou existirem quaisquer substâncias espirituais com governo imediato sobre os corpos inferiores, a não serem talvez as almas humanas. E isto porque não admitia outras operações, nos corpos inferiores, senão as naturais para explicar as quais bastava o movimento dos corpos celestes. Mas nós admitimos que muitas coisas se realizam, nos corpos inferiores, que escapam aos actos naturais dos corpos. E para explicá-los não bastam as virtudes dos corpos celestes, sendo necessário admitirmos que os anjos têm governo imediato, não só dos corpos celestes, mas também dos inferiores.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os filósofos trataram diversamente das substâncias imateriais. — Assim, para Platão, elas são as razões e as espécies dos corpos sensíveis, sendo umas mais universais que outras. E por isso ensina que essas substâncias têm o governo imediato de todos os corpos sensíveis, correspondendo a diversos corpos diversas substâncias. — Para Aristóteles porém, elas não são espécies de corpos sensíveis, mas algo de mais elevado e universal. E por isso, não lhes atribuiu o governo imediato de cada um dos corpos, mas só dos agentes universais, que são os corpos celestes. — Avicena, enfim, seguiu uma via média. Com Platão, admite uma substância espiritual que preside imediatamente à esfera dos corpos activos e passivos, porque, com Platão, admite serem as formas desses sensíveis derivadas das substâncias imateriais. Mas, diferindo de Platão, ensina a existência de uma só substância imaterial, que governa todos os corpos inferiores e a que chama Inteligência agente.

Mas os santos Doutores, por outro lado, ensinam com os Platónicos, que os diversos seres corpóreos são presididos por diversas substâncias corporais. Assim, Agostinho diz: Cada ser visível deste mundo tem uma inteligência, que lhe é preposta. Damasceno: O diabo era das virtudes angélicas que presidiam à ordem terrestre. E Orígenes, a propósito daquilo da Escritura — A jumenta vendo o anjo: o mundo precisa de anjos, que governem os animais, lhes presidam ao nascimento, bem como ao crescimento dos rebentos, das plantações e dos demais seres. Mas isto não se funda em que um anjo por natureza seja mais apto a presidir aos animais, que às plantas, porque qualquer anjo, ainda mínimo, tem virtude mais alta e universal do que qualquer género de corpos, mas, sim, na ordem da divina sabedoria, que prepôs, a coisas diversas, diversos superiores. Daqui porém não se segue haja mais de nove ordens de anjos, pois, como já foi dito (q. 108, a. 2), as ordens se distinguem pelas funções gerais. Donde, assim como, segundo Gregório, à ordem das Potestades pertencem todos os anjos que, propriamente, governam os demónios, assim, à das Virtudes pertencem todos os que governam as coisas puramente corpóreas e, pelo ministério destes realizam-se às vezes os milagres.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama

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