Questão
110: Do governo dos
anjos sobre a criatura corpórea.
Em
seguida devemos considerar o governo dos anjos sobre a criatura corpórea.
E
sobre esta questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 — Se a criatura corpórea é governada pelos anjos.
Art.
2 — Se a matéria corpórea obedece à vontade dos anjos.
Art.
3 — Se os corpos obedecem aos anjos quanto ao movimento local.
Art.
4 — Se os anjos podem fazer milagres.
(III Cont. Gent., cap. LXXVIII,
De Verit., q. 5, a. 8).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que a criatura corpórea não é governada
pelos anjos.
1.
— Pois, seres com determinado modo de obrar não precisam ser governados por
nenhum superior, e se precisamos ser governados é para não agirmos de modo
diverso do necessário. Ora, os seres corpóreos obram determinados actos
resultantes dos dons naturais, outorgados por Deus. Logo, não necessitam o
governo dos anjos.
2.
Demais. — Os seres inferiores são governados pelos superiores. Ora, há certos
corpos considerados inferiores, e outros, superiores. Logo, aqueles são
governados por estes, sem necessidade de serem governados pelos anjos.
3.
Demais. — As diversas ordens dos anjos distinguem-se pelas diversas funções.
Ora, se as criaturas corpóreas são governadas pelos anjos, estes terão tantas
funções quantas às espécies daquelas. Logo, também haverá tantas ordens de
anjos, quantos estas espécies, o que é contra o que já ficou estabelecido (q.
108, a. 2). Logo, a criatura corpórea não é governada pelos anjos.
Mas,
em contrário, diz Agostinho: todos os corpos são governados pelo espírito
racional da vida. E Gregório: neste mundo visível nada pode ser disposto senão
pela criatura invisível.
Tanto nas coisas humanas, como nas naturais, é comum seja o poder particular
submetido ao universal e por este regido, assim, o poder do bailio está
submetido ao do rei. E também em relação aos anjos já foi dito (q. 108),
que os superiores, que presidem aos inferiores, têm ciência mais universal.
Ora, é manifesto, que a virtude de qualquer corpo é mais particular que a da
substância espiritual, pois, ao passo que toda forma corpórea é individuada
pela matéria e determinada, local e temporalmente, as formas imateriais são
absolutas e inteligíveis. Donde, assim como os anjos inferiores, de formas
menos universais, são governados pelos superiores, assim todos os corpos são
governados pelos anjos. E isto é ensinado não só pelos santos Doutores, mas
também por todos os filósofos que admitem substâncias incorpóreas.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As coisas corpóreas têm determinados actos,
que só se exercem quando elas são movidas, porque é próprio do corpo não agir
senão pelo movimento. Logo, é necessário que a criatura corpórea seja movida
pela espiritual.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A objecção procede, segundo a opinião de Aristóteles, que ensinava
serem os corpos celestes movidos pelas substâncias espirituais, e ele procurou
determinar o número delas pelo dos movimentos que se verificam nos corpos
celestes. Mas não ensinou existirem quaisquer substâncias espirituais com
governo imediato sobre os corpos inferiores, a não serem talvez as almas
humanas. E isto porque não admitia outras operações, nos corpos inferiores,
senão as naturais para explicar as quais bastava o movimento dos corpos
celestes. Mas nós admitimos que muitas coisas se realizam, nos corpos
inferiores, que escapam aos actos naturais dos corpos. E para explicá-los não bastam
as virtudes dos corpos celestes, sendo necessário admitirmos que os anjos têm
governo imediato, não só dos corpos celestes, mas também dos inferiores.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Os filósofos trataram diversamente das substâncias imateriais. —
Assim, para Platão, elas são as razões e as espécies dos corpos sensíveis,
sendo umas mais universais que outras. E por isso ensina que essas substâncias
têm o governo imediato de todos os corpos sensíveis, correspondendo a diversos
corpos diversas substâncias. — Para Aristóteles porém, elas não são espécies de
corpos sensíveis, mas algo de mais elevado e universal. E por isso, não lhes
atribuiu o governo imediato de cada um dos corpos, mas só dos agentes
universais, que são os corpos celestes. — Avicena, enfim, seguiu uma via média.
Com Platão, admite uma substância espiritual que preside imediatamente à esfera
dos corpos activos e passivos, porque, com Platão, admite serem as formas
desses sensíveis derivadas das substâncias imateriais. Mas, diferindo de
Platão, ensina a existência de uma só substância imaterial, que governa todos
os corpos inferiores e a que chama Inteligência agente.
Mas
os santos Doutores, por outro lado, ensinam com os Platónicos, que os diversos
seres corpóreos são presididos por diversas substâncias corporais. Assim,
Agostinho diz: Cada ser visível deste mundo tem uma inteligência, que lhe é
preposta. Damasceno: O diabo era das virtudes angélicas que presidiam à ordem
terrestre. E Orígenes, a propósito daquilo da Escritura — A jumenta vendo o
anjo: o mundo precisa de anjos, que governem os animais, lhes presidam ao nascimento,
bem como ao crescimento dos rebentos, das plantações e dos demais seres. Mas
isto não se funda em que um anjo por natureza seja mais apto a presidir aos
animais, que às plantas, porque qualquer anjo, ainda mínimo, tem virtude mais
alta e universal do que qualquer género de corpos, mas, sim, na ordem da divina
sabedoria, que prepôs, a coisas diversas, diversos superiores. Daqui porém não
se segue haja mais de nove ordens de anjos, pois, como já foi dito (q.
108, a. 2), as ordens se distinguem pelas funções gerais. Donde, assim
como, segundo Gregório, à ordem das Potestades pertencem todos os anjos que,
propriamente, governam os demónios, assim, à das Virtudes pertencem todos os
que governam as coisas puramente corpóreas e, pelo ministério destes
realizam-se às vezes os milagres.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama
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