01/09/2012

Tratado sobre o homem 60


Questão 84: Por meio do que a alma, unida ao corpo, intelige as coisas corpóreas.

Art. 7 — Se o intelecto pode inteligir em acto, pelas espécies inteligíveis, que traz em si mesmo, sem se valer dos fantasmas.

(Infra, q. 89, a. 1; II Sent., dist. XX, q. 2, a. 2, ad 3; III, dist. XXXI, q. 2, a. 4; II Cont. Gent., cap. LXXIII, LXXXI; De Verit., q. 10, a. 2, ad 7; a. 8, ad 1; q. 19, a. 1; I Cor., cap. XIII, lect. XII; De Mem. et Remin., lect. III).

O Sétimo discute-se assim. ― Parece que o intelecto pode inteligir, em acto, pelas espécies que traz em si, sem se valer dos fantasmas.

1. ― Pois, o intelecto é actualizado pela espécie inteligível que o informa. Ora, o intelecto actualizado é o inteligir mesmo. Logo, as espécies inteligíveis bastam para o intelecto se actualizar sem se valer dos fantasmas.

2. Demais. ― Mais depende a imaginação, do sentido, do que o intelecto, da imaginação. Ora, esta pode imaginar em acto, estando ausentes os sensíveis. Logo, com maioria de razão, o intelecto pode inteligir em acto, sem se valer dos fantasmas.

3. Demais. ― Não há fantasmas de seres incorpóreos, porque a imaginação não transcende o tempo e o contínuo. Se, pois, o nosso intelecto não pudesse inteligir nada em acto, sem se valer dos fantasmas, resultaria que não poderia inteligir nada de incorpóreo. O que é claramente falso; pois inteligimos a própria verdade, Deus e os anjos.

Mas, em contrário, diz o Filósofo que, a alma não intelige nada sem o fantasma.

É impossível ao nosso intelecto, no estado da vida presente, enquanto unido ao corpo, inteligir qualquer coisa, em acto, sem se valer dos fantasmas. O que ressalta de dois indícios. ― Primeiro, sendo o intelecto uma virtude que não se serve de órgão corpóreo de nenhum modo seria impedido, no seu acto, por uma lesão em qualquer desses órgãos, se não fosse necessário, para tal acto, o acto de alguma potência que se serve do sobredito órgão. Ora, o sentido, a imaginação, e outras virtudes pertencentes à parte sensitiva servem-se de órgão corpóreo. Donde, é manifesto que, para o intelecto inteligir em acto, não só adquirindo ciência nova, mas usando da ciência já adquirida, é necessário o acto da imaginação e das outras virtudes. Pois, vemos que, impedido o acto da virtude imaginativa, por lesão do órgão, como nos frenéticos, e, semelhantemente, impedido o acto da virtude memorativa, como nos letárgicos, o homem fica impedido de inteligir em acto, mesmo aquelas coisas cuja ciência já possuía. ― Segundo, qualquer pode experimentar em si mesmo que, quando se esforça por inteligir uma coisa, forma fantasmas, para si, a modo de exemplos, nos quais como que vê o que se esforça por inteligir. E daí procede também que, quando queremos fazer alguém inteligir alguma coisa, propomos-lhe exemplos pelos quais pode formar, para si, fantasmas, afim de inteligir.

E a razão disto é que a potência cognoscitiva é proporcionada ao cognoscível. Donde, o intelecto angélico, totalmente separado do corpo, tem como objecto próprio à substância inteligível separada do corpo e, nesse inteligível, conhece as coisas materiais. Porém o intelecto humano, unido ao corpo, tem como objecto próprio a quididade ou natureza existente na matéria corpórea; e, por tais naturezas, do conhecimento das coisas visíveis ascende a um certo conhecimento das invisíveis. Ora, é da essência de tal natureza existir num indivíduo, o qual não existe sem matéria corpórea; como é da essência da natureza da pedra existir numa determinada pedra; da essência da natureza do cavalo, existir num determinado cavalo, e assim por diante. Donde, a natureza da pedra, ou de qualquer coisa material, não pode ser conhecida completa e verdadeiramente, senão enquanto conhecida como existente num ser particular. Ora, este apreendemo-lo pelo sentido e pela imaginação. E por isso, é necessário, para inteligir em acto o seu objecto próprio, que o intelecto se valha dos fantasmas a fim de conhecer a natureza universal existente no particular. Se, porém o objecto próprio do nosso intelecto fosse a forma separada, ou se as formas das coisas sensíveis não subsistissem nos particulares, segundo Platão, não seria necessário que o nosso intelecto sempre, inteligindo, se voltasse para os fantasmas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― As espécies conservadas no intelecto possível neste existem habitualmente, quando ele não intelige em acto, como já se disse antes. Donde, para inteligirmos em acto, não basta à conservação mesma das espécies; mas é necessário que delas nos sirvamos como convém às coisas das quais são espécies, que são as naturezas existentes nos particulares.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Mesmo o próprio fantasma é semelhança da coisa particular; Donde, a imaginação não precisa de nenhuma outra semelhança particular, como precisa o intelecto.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Os seres incorpóreos, dos quais não há fantasmas, são conhecidos por nós por comparação com os corpos sensíveis, de que existem os fantasmas. Assim, inteligimos a verdade considerando a coisa sobre a qual procuramos a verdade; ao passo que Deus, como diz Dionísio, o conhecemos como causa, quer por excesso, quer pela remoção. Porém, as outras substâncias incorpóreas, não podemos conhecê-las, no estado da vida presente, senão pela remoção ou por alguma comparação com as coisas corpóreas. E portanto, quando de tais substâncias inteligimos alguma coisa, necessário é que nos valhamos dos fantasmas dos corpos, embora elas mesmas não tenham fantasmas.

Nota: Revisão da tradução para português por ama

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