23/09/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 2



Art. 2 — Se Deus pode mover imediatamente algum corpo.

(Opusc. XI, Resp. de XXXVI Art., 8. 13).

O segundo discute-se assim. — Parece que Deus não pode mover imediatamente nenhum corpo.


1. Pois, o motor e o movido devendo ser simultâneos, como o prova Aristóteles, necessário é haver contado entre eles. Ora, não pode haver contado entre Deus e qualquer corpo; pois, como diz Dionísio, Deus não é susceptível de contacto, e, logo, não pode mover imediatamente nenhum corpo.

2. Demais. — Deus é motor não movido, pois, tal é o objeto desejável apreendido. Logo, Deus move como desejado e apreendido. Ora, o que não é corpo, nem virtude do corpo, só pode ser apreendido pelo intelecto. Logo, Deus não pode mover nenhum corpo imediata¬mente.

3. Demais. — Como prova o Filósofo, a potência infinita move instantaneamente. Ora, é impossível a qualquer corpo ser movido instantaneamente; porque, realizando-se o movimento entre dois termos opostos, resultaria que esses dois opostos existiriam simultaneamente no mesmo ser, e tal é impossível. Logo, nenhum corpo pode ser movido imediatamente por uma potência infinita. Ora, a potência de Deus é infinita (q. 25, a. 2). Logo, Ele não pode mover imediata¬mente nenhum corpo.

Mas, em contrário. — Deus fez imediata¬mente as obras dos seis dias e nelas está incluído o movimento dos corpos, como é patente por aquilo da Escritura (Gn 1, 9): As águas ajuntem-se num mesmo lugar. Logo, Deus pode mover os corpos, imediatamente.

É erróneo dizer-se que Deus não pode fazer, por si mesmo, todos os efeitos determinados operados por qualquer causa criada. Donde, como os corpos são movidos imediatamente pelas causas criadas, a ninguém é lícito duvidar que Deus possa mover imediatamente qualquer corpo. E isto resulta consequentemente do que já foi dito antes (a. 1). Pois, o movimento de qualquer corpo ou resulta de alguma forma, como o movimento local dos graves e dos leves resulta da forma que lhes é dada pelo gerador, em razão do que, este se chama motor; ou é via para alguma forma, como, a calefação é via para a forma do fogo. Ora, é o mesmo ser que imprime a forma, dispõe para ela e dá o movimento, dela resultan-te.

Pois o fogo não somente gera outro fogo, mas também aquece e move para cima. Ora, como Deus pode imprimir imediatamente a forma na matéria, consequente é que possa mover, por qualquer movimento, qualquer corpo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O contato pode ser duplo — o corpóreo, como quando dois corpos se tocam; e o virtual como quando dizemos que o que molesta toca o molestado. Ora, do primeiro modo, Deus, sendo incorpóreo, nem toca nem é tocado. Mas, pelo contacto virtual, toca, movendo as criaturas; mas não é tocado, porque a virtude natural de nenhuma criatura pode atingi-lo. E é neste sentido que entende Dionísio dizendo que não há contado com Deus, ou seja, de maneira que seja tocado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus move como desejado e inteligido. Mas não é necessário que sempre mova como desejado e inteligido pelo ser movido; senão enquanto desejado e conhecido por si mesmo, pois, tudo obra pela sua bondade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O Filósofo pretende provar que a virtude do primeiro motor não o é em grandeza, pela razão seguinte. A virtude do primeiro motor é infinita; e prova-o pelo facto de poder mover num tempo infinito. Ora, uma virtude infinita, se tivesse qualquer grandeza, moveria num tempo nulo, o que é impossível. Logo e necessariamente, a virtude infinita do primeiro motor não pode ter grandeza. Donde é claro que o ser um corpo movido num tempo nulo não resulta senão de uma virtude de grandeza infinita. E a razão é que toda virtude susceptível de grandeza move pela sua totalidade, pois move por uma necessidade de natureza. Ora, a virtude infinita sobre excede, sem nenhuma proporção, qualquer virtude finita. E quanto maior for o poder do motor, tanto maior será a velocidade do movimento. Donde, como um poder finito move num tempo determi¬nado, resulta que o poder infinito não move num tempo tal, pois há sempre alguma pro¬porção entre um tempo e outro. — Ora, uma virtude fora de qualquer grandeza é virtude de um ser inteligente, que age sobre os efeitos, conforme eles o comportam. E portanto, não podendo convir ao corpo o ser movido num tempo nulo, não se segue que mova num tempo tal.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por AMA

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