Em seguida deve tratar-se da vontade. Sobre a qual cinco artigos se discutem:
Art.
1 ― Se a vontade deseja alguma coisa necessariamente.
Art.
2 — Se a vontade quer necessariamente tudo quanto quer.
Art.
3 — Se a vontade é potência mais elevada que o intelecto.
Art.
4 — Se a vontade move o intelecto.
Art.
5 — Se se devem distinguir o irascível e o concupiscível, no apetite superior,
que é a vontade.
Art. 1 ― Se a vontade deseja alguma
coisa necessariamente.
(Iª
IIae, q. 10, a. 1; II Sent., dist. ., q. 22, a. 5; De Malo, q. 6).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a vontade não deseja nada
necessariamente.
1.
― Pois, como diz Agostinho, se alguma coisa é necessária não é voluntária. Ora,
tudo o que a vontade deseja é voluntário. Logo, ela, nada deseja
necessariamente.
2.
Demais. ― As potências racionais, segundo o Filósofo, exercem-se sobre termos
opostos. Ora, a vontade é uma potência racional, pois, como se disse, ela
reside na razão. Logo, ela exerce-se sobre termos opostos e, portanto, não está
determinada, necessariamente, a nada.
3.
Demais. ― Pela vontade somos senhores dos nossos actos. Ora, não o somos do que
é necessário. Logo, o acto da vontade não pode ter necessidade.
Mas,
em contrário, diz Agostinho, que todos, com vontade una, desejam a beatitude.
Ora, se este desejo não fosse necessário, mas contingente, falharia, pelo menos
em alguns casos. Logo a vontade quer alguma coisa, necessariamente.
O vocábulo ― necessidade ― tem muitos significados. Assim, é necessário o que
não pode deixar de ser; podendo tal convir a uma coisa, quer por princípio
intrínseco ou material, como quando dizemos que todo composto de elementos
contrários deve necessariamente corromper-se; quer pelo princípio formal, como
quando dizemos ser necessário que todo triângulo tenha três ângulos iguais e
dois rectos. E essa necessidade chama-se natural e absoluta. ― De outro modo,
diz-se que uma coisa não pode deixar de ser, por um princípio intrínseco, que é
fim ou agente. Fim, como quando alguém não pode, sem este, conseguir ou bem
conseguir qualquer outro fim; assim, diz-se que o alimento é necessário à vida
e um cavalo, para uma viagem. E essa é a necessidade de fim, chamada também, às
vezes, utilidade. Porém a necessidade pode provir do agente, como quando alguém
é por ele coagido de modo a não ser possível agir em sentido contrário. E essa
é à vontade de coação, que repugna, absolutamente, à vontade, pois, denominamos
violento o que vai contra a inclinação de um ser. Ora, o movimento próprio da
vontade é uma certa inclinação para alguma coisa. Donde, assim como se chama
natural ao que é conforme, à inclinação da natureza, assim se chama voluntário
ao que é conforme a inclinação da vontade. Ora, como é impossível a
simultaneidade do violento e do natural, assim também o é que absolutamente, o
coagido ou violento seja voluntário. Porém, a necessidade de fim não repugna à
vontade, quando esta não pode obtê-lo senão de um modo; assim, o desejo de
atravessar o mar faz com que a vontade queira, necessariamente, o navio.
Semelhantemente, a necessidade natural também não repugna à vontade. Antes, é
necessário que, assim como o intelecto necessariamente adere aos primeiros princípios,
assim a vontade adira necessariamente ao último fim, que é a beatitude. Pois, o
fim está para a operação, como o princípio para a especulação, segundo já se
disse. Donde, é forçoso que o que convém a um ser, natural e imovelmente, seja
o fundamento e o princípio de todas as demais conveniências; porque a natureza
da coisa é, em cada ser, o que é primário, todo movimento procedendo de algum
ser imóvel.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A expressão de Agostinho deve entender-se do
que é necessário pela necessidade de coação. Pois, a necessidade natural não
tira a liberdade da vontade, como ele próprio o diz, no mesmo livro.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A vontade pela qual alguém quer naturalmente mais corresponde ao
intelecto dos princípios naturais do que à razão, que se exerce sobre as
oposições. Donde, desse ponto de vista, é uma potência mais intelectual do que
racional.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Somos senhores dos nossos actos enquanto podemos escolher tal
coisa ou tal outra. Ora, a eleição não se refere ao fim, mas ao que leva para o
fim, como se disse. Donde, o desejo do fim último não é daqueles de que somos
senhores.
Nota:
Revisão da tradução para português por ama
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