Art. 3 — Se o irascível e o concupiscível obedecem à razão.
(Iª
IIae., q. 17, art. 7; De Verit., q. 25, a. 4; I Ethic., lect. XX).
O
terceiro discute-se assim. ― Parece que o irascível e o concupiscível não
obedecem à razão.
1.
― Pois, são partes da sensualidade. Ora, esta não obedece à razão, sendo por
isso denominada serpente por Agostinho. Logo, o irascível e o concupiscível
também não lhe obedecem.
2.
Demais. ― O que obedece a alguém não lhe repugna. Ora, o irascível e
concupiscível, repugnam à razão, conforme a Escritura (Rm 7, 23):
Mas sinto nos meus membros outra lei que repugna à lei do meu espírito. Logo, o
irascível e o concupiscível não obedecem à razão.
3.
Demais. ― Assim como a virtude apetitiva é inferior à parte racional da alma,
assim também o é a sensitiva. Ora, esta não obedece à razão, pois não ouvimos
nem vemos quando queremos. Logo, semelhantemente, nem as virtudes do apetite
sensitivo, a saber, o irascível e o concupiscível, lhe obedecem.
Mas,
em contrário, diz Damasceno, a parte obediente à razão e que se deixa por ela
persuadir divide-se em concupiscência e ira.
O irascível e o concupiscível obedecem à parte superior, em que residem o
intelecto ou razão e a vontade, de dois modos: um quanto à razão; outro, quanto
à vontade.
Assim,
obedecem à razão, quanto aos actos próprios deles. E isso porque ao apetite
sensitivo, nos animais, é natural ser movido pela virtude estimativa; como, p.
ex., a ovelha, tendo o lobo como inimigo, teme. Ora, como já ficou dito (q.
78, a. 4), em lugar da estimativa o homem tem a virtude cogitativa,
chamada por alguns, razão particular, por ser a que compara entre si as
intenções individuais. Donde o ser natural ao apetite sensitivo, no homem,
mover-se por ela. Mas a essa mesma razão particular é natural ser movida e
dirigida pela razão universal; e daí vem que, nos raciocínios silogísticos, de
proposições universais se tiram conclusões particulares. Donde, como é claro, a
razão universal impera sobre o apetite sensitivo, que se divide em
concupiscível e irascível, e obedece àquela. E como deduzir conclusões
singulares, de princípios universais, não é função do simples intelecto, mas da
razão, resulta o dizer-se que o irascível e o concupiscível mais obedecem à
razão do que ao intelecto. E, tal, todos podem experimentar em si mesmos; pois,
a aplicação de certas considerações universais mitiga ou instiga a ira, o temor
e afectos semelhantes.
O
apetite sensitivo, porém, está sujeito à vontade, quanto à execução, que se faz
pela virtude motiva. Pois, nos animais, o movimento segue-se, imediatamente, ao
apetite concupiscível e ao irascível; assim, a ovelha, temendo o lobo, foge
imediatamente; e isso porque não há, nos animais, um apetite superior que
repugne. Ao passo que o homem não se move imediatamente pelo apetite
concupiscível e pelo irascível; mas espera o império da vontade, que é apetite
superior. Ora, em todas as potências motivas ordenadas, o segundo motor não
move senão em virtude do primeiro. Donde, o apetite inferior não basta para
mover, sem que nisso consinta o superior. E isso diz o Filósofo: o apetite
superior move o inferior, como a esfera superior, a inferior.
É,
pois, desse modo, que o irascível e o concupiscível estão sujeitos à razão.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A sensualidade é representada pela serpente,
naquilo que a primeira é próprio, quanto à parte sensitiva. Porém, o irascível
e o concupiscível sobretudo denominam o apetite sensitivo, quanto ao acto ao
qual induzem a razão, como já se disse.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Como diz o Filósofo, deve distinguir-se, no animal, o principado
despótico e o político. Assim, a alma domina o corpo pelo principado despótico;
porém, o intelecto domina o apetite pelo principado político e real. Ora,
chama-se principado despótico àquele pelo qual alguém governa escravos, que,
como nada têm de seu, nenhuma faculdade têm para resistir, seja no que for, ao
império de quem manda. Ao passo que se chama principado político e real aquele
em virtude do qual alguém governa homens livres, que, embora sujeitos ao regime
de quem preside, tendo contudo algo de próprio, podem opor-se ao império de
quem manda. Ora, é pelo principado despótico, que a alma governa o corpo,
porque os membros do corpo não podem resistir ao império da alma, em nada; mas,
imediatamente, ao desejo desta, movem-se as mãos, os pés e qualquer outro
membro susceptível de mover-se pelo movimento voluntário. Porém o intelecto ou
razão governam o irascível e o concupiscível pelo principado político; porque o
apetite sensível, tendo algo de próprio, pode opor-se ao império da razão.
Pois, é natural a esse apetite ser movido, não somente pela estimativa, nos
animais, e pela cogitativa, no homem, que é dirigido pela razão universal, mas
também pela imaginativa e pelo sentido. Donde, experimentamos que o irascível
ou o concupiscível repugnam à razão, quando sentimos ou imaginamos algo de
deleitável, que a razão proíbe, ou de triste, que ela ordena. Assim que, pelo
repugnarem, em alguma coisa, à razão, não se exclua que o irascível e o
concupiscível obedeçam à mesma.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Os sentidos externos necessitam, para os seus actos, dos
sensíveis externos, que neles causam mutação e cuja presença não depende do
poder da razão. Mas as virtudes internas, tanto as apetitivas como as
apreensivas, não necessitam das coisas externas. E, portanto, sujeitam-se ao
império da razão, que pode, não somente instigar ou mitigar o afecto da virtude
apetitiva, como também formar os fantasmas da virtude imaginativa.
Nota:
Revisão da tradução para português por ama
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