23/07/2012

Tratado sobre o homem 20

Questão 77: Do que se refere às potências da alma em geral.
Art. 6 ― Se as potências da alma defluem da essência da mesma.


(I Sent., dist. III, q. 4, a. 2).

O sexto discute-se assim. ― Parece que as potências da alma não defluem da essência da mesma.

1. ― Pois, de um ser simples não podem provir seres diversos. Ora, a essência da alma é una e simples. Logo, sendo as suas potências muitas e diversas, não lhe podem proceder da essência.

2. Demais. ― Aquilo de que alguma coisa procede é causa dessa coisa. Ora, não se pode considerar a essência da alma como causa das potências; conforme verá claramente quem discorrer pelos diversos géneros e causas. Logo, as potências da alma não defluem da essência da mesma.

3. Demais. ― Emanação denomina um certo movimento. Ora, nada se move por si mesmo, como prova o Filósofo; salvo, levando-se em conta a parte, pois, então, diz-se que o animal se move a si mesmo, por ser uma parte dele a que move e outra, a movida. Ora, a alma nem mesmo é movida, como já se provou. Logo, ela não causa em si as suas potências.

Mas, em contrário. ― As potências da alma são certas propriedades naturais da mesma. Ora, o sujeito é causa dos acidentes próprios, entrando por isso, na definição de acidente, como se vê em Aristóteles. Logo, as potências da alma emanam-lhe da essência, como da causa.

A forma substancial e a acidental em parte convêm entre si e, em parte diferem. Convêm, por serem ambas acto e por atualizarem, de certo modo, as coisas, Diferem, porém, em dois pontos. ― Primeiro, porque a forma substancial causa o ser, absolutamente, e tem como sujeito o ser apenas em potência; ao passo que a forma acidental não causa o ser, absolutamente, mas o que tem natureza ou tal grandeza, ou outra qualquer modalidade, pois, o sujeito dela é o ser actual. Donde se vê claramente, que a actualidade existe na forma substancial antes de existir no sujeito desta. E como o que é primeiro é, em qualquer género, a causa, a forma substancial causa, no sujeito, o ser actual. Mas, inversamente, a actualidade encontra-se nesta e, por isso, a actualidade desta forma é causada pela do sujeito; de modo que este, quando ainda em potência, é susceptível daquela; e quando já em acto, é produtivo da mesma. Isto, porém, do acidente próprio e em si; pois, do acidente estranho o sujeito é somente susceptível da forma, sendo, então, o agente extrínseco o produtivo. ― Segundo, as duas formas diferem entre si porque, existindo o que é menos principal por causa do que é mais principal, a matéria existe por causa da forma substancial; mas, inversamente, a forma acidental existe por causa do acabamento do sujeito.

Pois, como, é manifesto, pelo que já foi dito (a. 6), o sujeito das potências da alma é, ou a alma mesma em separado ― que pode ser sujeito do acidente, por ter algo de potencialidade, como antes se disse (a. 1 ad 6; q. 75, a. 5 ad 4) ― ou o composto. Ora, este é actualizado pela alma. Donde, é claro que todas as potências da alma, quer tenham como sujeito a alma, em separado, ou o composto, emanam da essência da mesma, como do princípio; porque, como já ficou dito, o acidente é causado pelo sujeito, enquanto este é actual, e é recebido no mesmo enquanto este é potencial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― De um ser simples podem proceder, naturalmente, muitos outros, por uma certa ordem; e, além disso, por causa da diversidade dos recipientes. Assim, pois, da essência una da alma procedem muitas e diversas potências, quer por causa da ordem delas, quer por causa da diversidade dos órgãos corpóreos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O sujeito é causa do acidente próprio; portanto causa final e, de certo modo, activa e também material, enquanto susceptível do acidente. E, por isso, pode-se admitir que a essência da alma é a causa de todas as potências, como fim e como princípio activo; e de algumas, como susceptivo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A emanação dos acidentes próprios, do sujeito, não se dá por qualquer transmutação; mas por um certo e resultar natural; como que, de um naturalmente resultando o outro, do mesmo modo que, da luz resulta a cor.


Nota: Revisão da tradução para português por ama

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