Esta pergunta-desafio ouve-se muitas
vezes perante uma catástrofe natural, um crime hediondo, o sofrimento de um
inocente. Há mesmo quem lhe dê uma forma justificativa da incredulidade (um
Deus que permite isto...). E não é fácil dar uma resposta, pois o respeito pela
dor torna difícil desmontar friamente algo que, para além do mistério da dor,
contem algo de falácia. E eu não vou agora tentar fazê-lo, porque esta
interrogação surgiu-me por estes dias num contexto totalmente diferente.
Foi
ao assistir a essa fabulosa transmissão da abertura dos Jogos Olímpicos de
Londres. É que não sei se as pessoas que mais recorrem à tal pergunta
dramática, se lembram de fazê-la também nessas circunstâncias.
E
de facto, perante aquela obra-prima de conjugação de tecnologia avançada com a
beleza, e a sensibilidade humana com o bom-humor, e por muito justo que seja
atribuir isso ao engenho, arte e trabalho de homens e mulheres concretos,
sempre fica essa pergunta: quem deu ao homem estas capacidades. Fez-me lembrar
uma vez mais o Salmo:
Como
é grande o teu nome, Senhor, em toda a terra!
Quando
contemplo os céus, obra das vossas mãos,
a
lua e as estrelas que lá colocastes,
que
é o homem para que Vos lembreis dele,
o
filho do homem para dele Vos ocupardes?
Fizeste dele quase um ser divino, de
honra e glória o coroastes:
deste-lhe
poder sobre a obra das vossas mãos,
tudo
submetestes a seus pés.
Como
é grande o teu nome, Senhor, em toda a terra!
Onde
estava Deus? Estava em tudo e em todos! Mesmo naqueles que não acreditam. E se fazemos
essa pergunta quando são muitas vezes os homens que desfiguram a imagem e
semelhança de Deus que levam impressa, porque não fazê-la quando essa imagem e
semelhança se tornam mais evidentes?
É
claro que isso talvez permitisse ir um pouco mais ao fundo da questão e
perguntarmo-nos: para além de uma bela canção ao jeito de oração, não poderia
haver alguma referencia mais explícita ao transcendente? Vendo as inúmeras
representações de todos os países de todos os continentes, não é difícil
imaginar que muitos daqueles homens e mulheres praticam as mais variadas
religiões (cristã, judaica, islão, induísmo, animismo, etc.) ou pelo menos
estão abertos a algo transcendente. A pergunta é: porquê prevaleceu como paradigma
o daqueles que não acreditam em nada? Mais, os juramentos olímpicos podem de
facto convocar o respeito de todos, se não há nada de transcendente que os una?
Recorda-me
esse elegante desafio intelectual do Cardeal Ratzinger ao Filósofo Habermas: a
tentativa de construir uma ética universal abrangendo pessoas de todas as
crenças e descrenças, a partir de “como se Deus não existisse” é evidente que
falhou. Porque não tentar a sua edificação a partir de “como se Deus
existisse”? Afinal uma cerimónia como a que Londres nos ofereceu, está muito
mais perto disso do que poderíamos imaginar.
P. jorge
margarido correia
Eng.º Mecânico. Doutor em Teologia
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