Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 25, 31-46
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Evangelho: Mt 25, 31-46
31 «Quando,
pois, vier o Filho do Homem na Sua majestade, e todos os anjos com Ele, então
Se sentará sobre o trono de Sua majestade. 32 Todas as nações serão
congregadas diante d'Ele, e separará uns dos outros, como o pastor separa as
ovelhas dos cabritos, 33 e porá as ovelhas à sua direita, e os
cabritos à esquerda. 34 «Dirá então o Rei aos que estiverem à Sua
direita: “Vinde, benditos de Meu Pai, possuí o reino que vos está preparado
desde a criação do mundo,
35 porque
tive fome, e Me destes de comer; tive sede, e Me destes de beber; era
peregrino, e Me recolhestes; 36 nu, e Me vestistes; enfermo, e Me
visitastes; estava na prisão, e fostes ver-Me”. 37 Então, os justos
Lhe responderão: “Senhor, quando é que nós Te vimos faminto, e Te demos de
comer; com sede, e Te demos de beber? 38 Quando Te vimos peregrino,
e Te recolhemos; nu, e Te vestimos? 39 Ou quando Te vimos enfermo,
ou na prisão, e fomos visitar-Te?”. 40 O Rei, respondendo, lhes
dirá: “Em verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes
Meus irmãos mais pequenos, a Mim o fizestes”. 41 Em seguida, dirá
aos que estiverem à esquerda: “Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo
eterno, que foi preparado para o demónio e para os seus anjos; 42
porque tive fome, e não Me destes de comer; tive sede, e não Me destes de
beber; 43 era peregrino, e não Me recolhestes; estava nu, e não Me
vestistes; enfermo e na prisão, e não Me visitastes”. 44 Então, eles
também responderão: “Senhor, quando é que nós Te vimos faminto ou com sede, ou
peregrino, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não Te assistimos?”.
45 E lhes
responderá: “Em verdade vos digo: Todas as vezes que o não fizestes a um destes
mais pequenos, foi a Mim que não o fizestes”.
46 E esses
irão para o suplício eterno; e os justos para a vida eterna».
Ioannes Paulus PP.
II
Fides et ratio
aos Bispos da Igreja
Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão
…/7
73. À luz destas considerações, a justa
relação que se deve instaurar entre a teologia e a filosofia há-de ser pautada
por uma reciprocidade circular. Quanto à teologia, o seu ponto de partida e
fonte primeira terá de ser sempre a palavra de Deus revelada na história, ao
passo que o objectivo final só poderá ser uma compreensão cada vez mais
profunda dessa mesma palavra por parte das sucessivas gerações. Visto que a
palavra de Deus é Verdade (cf. Jo 17, 17), uma melhor compreensão
dela só tem a beneficiar com a busca humana da verdade, ou seja, o filosofar,
no respeito das leis que lhe são próprias. Não se trata simplesmente de
utilizar, no raciocínio teológico, qualquer conceito ou parcela dum sistema filosófico;
o facto decisivo é que a razão do crente exerce as suas capacidades de reflexão
na busca da verdade, dentro dum movimento que, partindo da palavra de Deus,
procura alcançar uma melhor compreensão da mesma. É claro, de resto, que a
razão, movendo-se dentro destes dois polos — palavra de Deus e melhor
conhecimento desta —, encontra-se prevenida, e de algum modo guiada, para
evitar percursos que poderiam conduzi-la fora da Verdade revelada e, em última
análise, fora pura e simplesmente da verdade; mais ainda, ela sente-se
estimulada a explorar caminhos que, sozinha, nem sequer suspeitaria de poder
percorrer. Esta relação de reciprocidade circular com a Palavra de Deus
enriquece a filosofia, porque a razão descobre horizontes novos e inesperados.
74. A prova da fecundidade de tal relação é
oferecida pela própria vida de grandes teólogos cristãos que se distinguiram
também como grandes filósofos, deixando escritos de tamanho valor especulativo
que justificam ser colocados ao lado dos grandes mestres da filosofia antiga.
Isto é válido tanto para os Padres da Igreja, de entre os quais há que citar
pelo menos os nomes de S. Gregório Nazianzeno e S. Agostinho, como para os
Doutores medievais entre os quais sobressai a grande tríade formada por S.
Anselmo, S. Boaventura e S. Tomás de Aquino. A relação entre a filosofia e a
palavra de Deus manifesta-se fecunda também na investigação corajosa realizada
por pensadores mais recentes, de entre os quais me apraz mencionar, no âmbito
ocidental, personagens como John Henry Newman, António Rosmini, Jacques
Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein, e, no âmbito oriental, estudiosos com a
estatura de Vladimir S. Solov'ev, Pavel A. Florenskij, Petr J. Caadaev,
Vladimir N. Losskij. Ao referir estes autores, ao lado dos quais outros nomes
poderiam ser citados, não tenciono obviamente dar aval a todos os aspectos do
seu pensamento, mas apenas propô-los como exemplos significativos dum caminho
de pesquisa filosófica que tirou notáveis vantagens da sua confrontação com os
dados da fé. Uma coisa é certa: a consideração do itinerário espiritual destes
mestres não poderá deixar de contribuir para o avanço na busca da verdade e na
utilização dos resultados conseguidos para o serviço do homem. Espera-se que
esta grande tradição filosófico-teológica encontre, hoje e no futuro, os seus
continuadores e estudiosos para bem da Igreja e da humanidade.
2.
Diferentes estádios da filosofia
75. Como consta da história das relações
entre a fé e a filosofia, apontada acima brevemente, podem distinguir-se
diversos estádios da filosofia relativamente à fé cristã. O primeiro é a
filosofia totalmente independente da revelação evangélica: é o estádio da
filosofia, existente historicamente nas épocas que precederam o nascimento do
Redentor, e, mesmo depois dele, nas regiões onde o Evangelho ainda não chegou.
Nesta situação, a filosofia apresenta a legítima aspiração de ser um
empreendimento autónomo, ou seja, que procede segundo as suas próprias leis,
valendo-se simplesmente das forças da razão. Embora cientes dos graves limites
devidos à debilidade congénita da razão humana, uma tal aspiração deve ser
apoiada e fortalecida. De facto, o trabalho filosófico, como busca da verdade
no âmbito natural, pelo menos implicitamente permanece aberto ao sobrenatural.
E, mesmo quando é o próprio discurso
teológico que se serve de conceitos e argumentações filosóficas, a exigência de
correcta autonomia do pensamento há-de ser respeitada. Com efeito, a
argumentação conduzida segundo rigorosos critérios racionais é garantia para a
obtenção de resultados universalmente válidos. Também aqui se verifica o
princípio segundo o qual a graça não destrói, mas aperfeiçoa a natureza: a
anuência de fé, que envolve a inteligência e a vontade, não destrói mas
aperfeiçoa o livre arbítrio do crente, que acolhe em si próprio o dado
revelado.
Desta exigência em si mesma correcta,
afasta-se nitidamente a teoria da chamada filosofia «separada», sustentada por
vários filósofos modernos. Mais do que afirmação da justa autonomia do
filosofar, ela constitui a reivindicação duma auto-suficiência do pensamento
que é claramente ilegítima: rejeitar as contribuições de verdade vindas da
revelação divina significa efectivamente impedir o acesso a um conhecimento
mais profundo da verdade, danificando precisamente a filosofia.
76. Um segundo estádio da filosofia é
aquilo que muitos designam com a expressão filosofia cristã. A denominação, em
si mesma, é legítima, mas não deve dar margem a equívocos: com ela, não se
pretende aludir a uma filosofia oficial da Igreja, já que a fé enquanto tal não
é uma filosofia. Com aquela designação, deseja-se sobretudo indicar um modo
cristão de filosofar, uma reflexão filosófica concebida em união vital com a
fé. Por conseguinte, não se refere simplesmente a uma filosofia elaborada por
filósofos cristãos que, na sua pesquisa, quiseram não contradizer a fé. Quando
se fala de filosofia cristã, pretende-se abraçar todos aqueles importantes
avanços do pensamento filosófico que não seriam alcançados sem a contribuição,
directa ou indirecta, da fé cristã.
Assim, a filosofia cristã contém dois
aspectos: um subjectivo, que consiste na purificação da razão por parte da fé.
Esta, enquanto virtude teologal, liberta a razão da presunção — uma típica
tentação a que os filósofos facilmente estão sujeitos. Já S. Paulo e os Padres
da Igreja, e mais recentemente filósofos, como Pascal e Kierkegaard, a
estigmatizaram. Com a humildade, o filósofo adquire também a coragem para
enfrentar algumas questões que dificilmente poderia resolver sem ter em
consideração os dados recebidos da Revelação. Basta pensar, por exemplo, aos
problemas do mal e do sofrimento, à identidade pessoal de Deus e à questão
acerca do sentido da vida, ou, mais diretamente, à pergunta metafísica radical:
«Porque existe o ser?».
Temos, depois, o aspecto objectivo, que diz
respeito aos conteúdos: a Revelação propõe claramente algumas verdades que,
embora sejam acessíveis à razão por via natural, possivelmente nunca seriam descobertas
por ela, se tivesse sido abandonada a si própria. Colocam-se, neste horizonte,
questões como o conceito de um Deus pessoal, livre e criador, que tanta
importância teve para o progresso do pensamento filosófico e, de modo
particular, para a filosofia do ser. Pertence ao mesmo âmbito a realidade do
pecado, tal como é vista pela luz da fé, e que ajuda a filosofia a enquadrar
adequadamente o problema do mal. Também a concepção da pessoa como ser
espiritual é uma originalidade peculiar da fé: o anúncio cristão da dignidade,
igualdade e liberdade dos homens influiu seguramente sobre a reflexão
filosófica, realizada pelos filósofos modernos. Nos tempos mais recentes,
pode-se mencionar a descoberta da importância que tem, também para a filosofia,
o acontecimento histórico, centro da revelação cristã. Não foi por acaso que
aquele se tornou perne de uma filosofia da história, que se apresenta como um
novo capítulo da busca humana da verdade.
Entre os elementos objectivos da filosofia
cristã, inclui-se também a necessidade de explorar a racionalidade de algumas
verdades expressas pela Sagrada Escritura, tais como a possibilidade de uma
vocação sobrenatural do homem, e também o próprio pecado original. São tarefas
que induzem a razão a reconhecer que existe a verdade e o racional, muito para
além dos limites estreitos onde ela seria tentada a encerrar-se. Estas
temáticas ampliam, de facto, o âmbito do racional.
Ao reflectirem sobre estes conteúdos, os
filósofos não se tornaram teólogos, já que não procuraram compreender e
ilustrar as verdades da fé a partir da Revelação; continuaram a trabalhar no
seu próprio terreno e com a sua metodologia puramente racional, mas alargando a
sua investigação a novos âmbitos da verdade. Pode-se dizer que, sem este
influxo estimulante da palavra de Deus, boa parte da filosofia moderna e
contemporânea não existiria. O dado mantém toda a sua relevância, mesmo diante
da constatação decepcionante de não poucos pensadores destes últimos séculos
que abandonaram a ortodoxia cristã.
77. Outro estádio significativo da filosofia
verifica-se quando é a própria teologia que chama em causa a filosofia. Na
verdade, a teologia sempre teve, e continua a ter, necessidade da contribuição
filosófica. Realizado pela razão crítica à luz da fé, o trabalho teológico
pressupõe e exige, ao longo de toda a sua pesquisa, uma razão conceptual e
argumentativa educada e formada. Além disso, a teologia precisa da filosofia
como interlocutora, para verificar a inteligibilidade e a verdade universal das
suas afirmações. Não foi por acaso que os Padres da Igreja e os teólogos
medievais assumiram, para tal função explicativa, filosofias não cristãs. Este
facto histórico indica o valor da autonomia que a filosofia conserva mesmo
neste terceiro estádio, mas mostra igualmente as transformações necessárias e profundas
que ela deve sofrer.
É precisamente no sentido de uma
contribuição indispensável e nobre que a filosofia foi chamada, desde a Idade
Patrística, ancilla theologiæ. De facto, o título não foi atribuído para
indicar uma submissão servil ou um papel puramente funcional da filosofia
relativamente à teologia; mas no mesmo sentido em que Aristóteles falava das
ciências experimentais como «servas» da «filosofia primeira». A expressão, hoje
dificilmente utilizável devido aos princípios de autonomia antes mencionados,
foi usada ao longo da história para indicar a necessidade da relação entre as
duas ciências e a impossibilidade de uma sua separação.
Se o teólogo se recusasse a utilizar a
filosofia, arriscar-se-ia a fazer filosofia sem o saber e a fechar-se em
estruturas de pensamento pouco idóneas à compreensão da fé. Se o filósofo, por
sua vez, excluísse todo o contacto com a teologia, ver-se-ia na obrigação de
apoderar-se por conta própria dos conteúdos da fé cristã, como aconteceu com
alguns filósofos modernos. Tanto num caso como noutro, surgiria o perigo da
destruição dos princípios básicos de autonomia que cada ciência justamente quer
ver garantidos.
O estádio da filosofia agora considerado,
devido às implicações que comporta na compreensão da Revelação, está, como
acontece com a teologia, mais directamente colocado sob a autoridade do
Magistério e do seu discernimento, como expus mais acima. Das verdades de fé
derivam, efectivamente, determinadas exigências que a filosofia deve respeitar,
quando entra em relação com a teologia.
78. À luz destas reflexões, é fácil
compreender porque tenha o Magistério louvado reiteradamente os méritos do
pensamento de S. Tomás, e o tenha proposto como guia e modelo dos estudos
teológicos. O que interessava não era tomar posição sobre questões propriamente
filosóficas, nem impor a adesão a teses particulares; o objectivo do Magistério
era, e continua a ser, mostrar como S. Tomás é um autêntico modelo para quantos
buscam a verdade. De facto, na sua reflexão, a exigência da razão e a força da
fé encontraram a síntese mais elevada que o pensamento jamais alcançou,
enquanto soube defender a novidade radical trazida pela Revelação, sem nunca
humilhar o caminho próprio da razão.
79. Ao explicitar melhor os conteúdos do Magistério
precedente, é minha intenção, nesta última parte, indicar algumas exigências
que a teologia — e, ainda antes, a palavra de Deus — coloca, hoje, ao pensamento
filosófico e às filosofias actuais. Como já assinalei, o filósofo deve proceder
segundo as próprias regras e basear-se sobre os próprios princípios; todavia, a
verdade é uma só. A Revelação, com os seus conteúdos, não poderá nunca humilhar
a razão nas suas descobertas e na sua legítima autonomia; a razão, por sua vez,
não deverá perder nunca a sua capacidade de interrogar-se e de interrogar,
consciente de não poder arvorar-se em valor absoluto e exclusivo. A verdade
revelada, projectando plena luz sobre o ser a partir do esplendor que lhe vem
do próprio Ser subsistente, iluminará o caminho da reflexão filosófica. Em
resumo, a revelação cristã torna-se o verdadeiro ponto de enlace e confronto
entre o pensar filosófico e o teológico, no seu recíproco intercâmbio.
Espera-se, pois, que teólogos e filósofos se deixem guiar unicamente pela
autoridade da verdade, para que seja elaborada uma filosofia de harmonia com a
palavra de Deus. Esta filosofia será o terreno de encontro entre as culturas e
a fé cristã, o espaço de entendimento entre crentes e não crentes. Ajudará os
crentes a convencerem-se mais intimamente de que a profundidade e a
autenticidade da fé saem favorecidas quando esta se une ao pensamento e não
renuncia a ele. Mais uma vez, encontramos nos Padres a lição que nos guia nesta
convicção: «Crer, nada mais é senão pensar consentindo [...]. Todo o que crê,
pensa; crendo pensa, e pensando crê [...]. A fé, se não for pensada, nada é».
95 Mais: «Se se tira o assentimento, tira-se a fé, pois, sem o assentimento,
realmente não se crê». 96
CAPÍTULO
VII - EXIGÊNCIAS E TAREFAS ACTUAIS
1. As
exigências irrenunciáveis da palavra de Deus
80. A Sagrada Escritura contém, de forma
explícita ou implícita, toda uma série de elementos que permite alcançar uma
perspectiva de notável densidade filosófica acerca do homem e do mundo. Os cristãos
foram gradualmente tomando consciência da riqueza contida naquelas páginas
sagradas. Delas se conclui que a realidade que experimentamos, não é o
absoluto: não é incriada, nem se auto-gerou. Só Deus é o Absoluto. Nas páginas
da Bíblia, o homem é visto como imago Dei, que contém indicações precisas sobre
o seu ser, a sua liberdade e a imortalidade do seu espírito. Uma vez que o
mundo criado não é auto-suficiente, qualquer ilusão de autonomia que ignore a
essencial dependência de Deus de toda criatura — incluindo o homem — leva a
dramas que destroem a busca racional da harmonia e do sentido da existência
humana.
Também o problema do mal moral — a forma
mais trágica do mal — é considerado na Bíblia, dizendo-nos que este não pode
ser reduzido a uma mera deficiência devida à matéria, mas é uma ferida que provém
de uma manifestação desordenada da liberdade humana. Finalmente, a palavra de
Deus apresenta o problema do sentido da existência e revela a resposta para o
mesmo, encaminhando o homem para Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que
realiza em plenitude a existência humana. Poder-se-iam ainda explicitar outros
aspectos da leitura do texto sagrado; de qualquer modo, o que sobressai é a
rejeição de toda a forma de relativismo, materialismo, panteísmo.
A convicção fundamental desta «filosofia»
presente na Bíblia é que a vida humana e o mundo têm um sentido e caminham para
a sua plenitude, que se verifica em Jesus Cristo. O mistério da Encarnação
permanecerá sempre o centro de referência para se poder compreender o enigma da
existência humana, do mundo criado, e mesmo de Deus. A filosofia encontra,
neste mistério, os desafios extremos, porque a razão é chamada a assumir uma
lógica que destrói as barreiras onde ela mesma corre o risco de se fechar.
Somente aqui, porém, o sentido da existência alcança o seu ponto culminante.
Com efeito, torna-se inteligível a essência íntima de Deus e do homem: no mistério
do Verbo encarnado, são salvaguardadas a natureza divina e a natureza humana,
com sua respectiva autonomia, e simultaneamente manifesta-se aquele vínculo
único que as coloca em mútuo relacionamento, sem confusão. 97
81. Deve ter-se em conta que um dos dados
mais salientes da nossa situação actual consiste na «crise de sentido». Os
pontos de vista, muitas vezes de carácter científico, sobre a vida e o mundo
multiplicaram-se tanto que estamos efectivamente assistindo à afirmação
crescente do fenómeno da fragmentação do saber. É precisamente isto que torna
difícil e frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda,
neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece constituir a
própria trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem sentido pôr-se a
questão do sentido. A pluralidade das teorias que se disputam a resposta, ou os
diversos modos de ver e interpretar o mundo e a vida do homem não fazem senão
agravar esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de cepticismo
e indiferença ou nas diversas expressões do niilismo.
Em consequência disto, o espírito humano
fica muitas vezes ocupado por uma forma de pensamento ambíguo, que o leva a
encerrar-se ainda mais em si próprio, dentro dos limites da própria imanência,
sem qualquer referência ao transcendente. Privada da questão do sentido da
existência, uma filosofia incorreria no grave perigo de relegar a razão para
funções meramente instrumentais, sem uma autêntica paixão pela busca da
verdade.
Para estar em consonância com a palavra de
Deus ocorre, antes de mais, que a filosofia volte a encontrar a sua dimensão
sapiencial de procura do sentido último e global da vida. Esta primeira
exigência, por sinal, constitui um estímulo utilíssimo para a filosofia se
conformar com a sua própria natureza. Deste modo, ela não será apenas aquela
instância crítica decisiva que indica, às várias partes do saber científico, o
seu fundamento e os seus limites, mas representará também a instância última de
unificação do saber e do agir humano, levando-os a convergirem para um fim e um
sentido definitivos. Esta dimensão sapiencial é ainda mais indispensável hoje,
uma vez que o imenso crescimento do poder técnico da humanidade requer uma
renovada e viva consciência dos valores últimos. Se viesse a faltar a estes
meios técnicos a sua orientação para um fim não meramente utilitarista,
poderiam rapidamente revelar-se desumanos e transformar-se mesmo em potenciais
destrutores do género humano. 98
A palavra de Deus revela o fim último do
homem, e dá um sentido global à sua acção no mundo. Por isso, ela convida a
filosofia a empenhar-se na busca do fundamento natural desse sentido, que é a
religiosidade constitutiva de cada pessoa. Uma filosofia que quisesse negar a
possibilidade de um sentido último e global, seria não apenas imprópria, mas
errónea.
82. De resto, este papel sapiencial não
poderia ser desempenhado por uma filosofia que não fosse, ela própria, um
autêntico e verdadeiro saber, isto é, debruçado não só sobre os aspectos
particulares e relativos — sejam eles funcionais, formais ou úteis — da
realidade, mas sobre a verdade total e definitiva desta, ou seja, sobre o
próprio ser do objecto de conhecimento. Daqui, uma segunda exigência: verificar
a capacidade do homem chegar ao conhecimento da verdade; mais, um conhecimento
que alcance a verdade objectiva por meio daquela adæquatio rei et intellectus,
a que se referem os Doutores da Escolástica. 99
Esta exigência, própria da fé, foi explicitamente reafirmada pelo Concílio Vaticano II: «A inteligência,
de facto, não se limita ao domínio dos fenómenos; embora, em consequência do
pecado, esteja parcialmente obscurecida e debilitada, ela é capaz de atingir
com certeza a realidade inteligível». 100
Uma filosofia, radicalmente fenomenista ou
relativista, revelar-se-ia inadequada para ajudar no aprofundamento da riqueza
contida na palavra de Deus. De facto, a Sagrada Escritura sempre pressupõe que
o homem, mesmo quando culpável de duplicidade e mentira, é capaz de conhecer e
captar a verdade clara e simples. Nos Livros Sagrados, e de modo particular no
Novo Testamento, encontram-se textos e afirmações de alcance propriamente
ontológico. Os autores inspirados, com efeito, quiseram formular afirmações
verdadeiras, isto é, capazes de exprimir a realidade objectiva. Não se pode
dizer que a tradição católica tenha cometido um erro, quando entendeu alguns
textos de S. João e de S. Paulo como afirmações sobre o ser mesmo de Cristo.
Ora, quando a teologia procura compreender e explicar estas afirmações, tem
necessidade do auxílio duma filosofia que não renegue a possibilidade de um
conhecimento objectivamente verdadeiro, embora sempre passível de
aperfeiçoamento. Isto vale também para os juízos da consciência moral, que a
Sagrada Escritura supõe ser objectivamente verdadeiros. 101
83. As duas exigências, já referidas,
implicam uma terceira: ocorre uma filosofia de alcance autenticamente
metafísico, isto é, capaz de transcender os dados empíricos para chegar, na sua
busca da verdade, a algo de absoluto, definitivo, básico. Trata-se duma exigência
implícita tanto no conhecimento de tipo sapiencial, como de carácter analítico;
de modo particular, é uma exigência própria do conhecimento do bem moral, cujo
fundamento último é o sumo Bem, o próprio Deus. Não é minha intenção falar aqui
da metafísica enquanto escola específica ou particular corrente histórica;
desejo somente afirmar que a realidade e a verdade transcendem o elemento
factível e empírico, e quero reivindicar a capacidade que o homem possui de
conhecer esta dimensão transcendente e metafísica de forma verdadeira e certa,
mesmo se imperfeita e analógica. Neste sentido, a metafísica não deve ser vista
como alternativa à antropologia, pois é precisamente ela que permite dar
fundamento ao conceito da dignidade da pessoa, assente na sua condição
espiritual. De modo particular, a pessoa constitui um âmbito privilegiado para
o encontro com o ser e, consequentemente, com a reflexão metafísica.
Em toda a parte onde o homem descobre a
presença dum apelo ao absoluto e ao transcendente, lá se abre uma fresta para a
dimensão metafísica do real: na verdade, na beleza, nos valores morais, na
pessoa do outro, no ser, em Deus. Um grande desafio, que nos espera no final
deste milénio, é saber realizar a passagem, tão necessária como urgente, do
fenómeno ao fundamento. Não é possível deter-se simplesmente na experiência;
mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a sua
espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa alcance a substância
espiritual e o fundamento que a sustenta. Portanto, um pensamento filosófico
que rejeitasse qualquer abertura metafísica, seria radicalmente inadequado para
desempenhar um papel de mediação na compreensão da Revelação.
A palavra de Deus alude continuamente a
realidades que ultrapassam a experiência e até mesmo o pensamento do homem;
mas, este «mistério» não poderia ser revelado, nem a teologia poderia de modo
algum torná-lo inteligível, 102
se o conhecimento humano se limitasse exclusivamente ao mundo da experiência
sensível. Por isso, a metafísica constitui uma intermediária privilegiada na
pesquisa teológica. Uma teologia, privada do horizonte metafísico, não
conseguiria chegar além da análise da experiência religiosa, não permitindo ao
intellectus fidei exprimir coerentemente o valor universal e transcendente da
verdade revelada.
Se insisto tanto na componente metafísica,
é porque estou convencido de que este é o caminho obrigatório para superar a
situação de crise que aflige actualmente grandes sectores da filosofia e, desta
forma, corrigir alguns comportamentos errados, difusos na nossa sociedade.
Revisão da tradução portuguesa por ama
___________________________
Notas:
94 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 53-59.
95 S. Agostinho, De prædestinatione
Sanctorum 2, 5: PL 44, 963.
96 Idem, De fide, spe et caritate, 7: CCL
64, 61.
97 Cf. Conc. Ecum. de Calcedónia, Symbolum,
definitio: DS 302.
98 Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor
hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286-289.
99 Veja-se, por exemplo, S. Tomás de
Aquino, Summa theologiæ, I, 16, 1; S. Boaventura, Coll. in Hex., 3, 8, 1.
100 Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 15.
101 Cf. João Paulo II, Carta enc. Veritatis
splendor (6 de Agosto de 1993), 57-61: AAS 85 (1993), 1179-1182.
102 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé
católica Dei Filius, IV: DS 3016.
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