15/07/2012

Leitura espiritual para 15 Jul 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.




Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 25, 31-46



31 «Quando, pois, vier o Filho do Homem na Sua majestade, e todos os anjos com Ele, então Se sentará sobre o trono de Sua majestade. 32 Todas as nações serão congregadas diante d'Ele, e separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, 33 e porá as ovelhas à sua direita, e os cabritos à esquerda. 34 «Dirá então o Rei aos que estiverem à Sua direita: “Vinde, benditos de Meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a criação do mundo,
35 porque tive fome, e Me destes de comer; tive sede, e Me destes de beber; era peregrino, e Me recolhestes; 36 nu, e Me vestistes; enfermo, e Me visitastes; estava na prisão, e fostes ver-Me”. 37 Então, os justos Lhe responderão: “Senhor, quando é que nós Te vimos faminto, e Te demos de comer; com sede, e Te demos de beber? 38 Quando Te vimos peregrino, e Te recolhemos; nu, e Te vestimos? 39 Ou quando Te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-Te?”. 40 O Rei, respondendo, lhes dirá: “Em verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequenos, a Mim o fizestes”. 41 Em seguida, dirá aos que estiverem à esquerda: “Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demónio e para os seus anjos; 42 porque tive fome, e não Me destes de comer; tive sede, e não Me destes de beber; 43 era peregrino, e não Me recolhestes; estava nu, e não Me vestistes; enfermo e na prisão, e não Me visitastes”. 44 Então, eles também responderão: “Senhor, quando é que nós Te vimos faminto ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não Te assistimos?”.
45 E lhes responderá: “Em verdade vos digo: Todas as vezes que o não fizestes a um destes mais pequenos, foi a Mim que não o fizestes”.
46 E esses irão para o suplício eterno; e os justos para a vida eterna».





Ioannes Paulus PP. II
Fides et ratio
aos Bispos da Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão

…/7


73. À luz destas considerações, a justa relação que se deve instaurar entre a teologia e a filosofia há-de ser pautada por uma reciprocidade circular. Quanto à teologia, o seu ponto de partida e fonte primeira terá de ser sempre a palavra de Deus revelada na história, ao passo que o objectivo final só poderá ser uma compreensão cada vez mais profunda dessa mesma palavra por parte das sucessivas gerações. Visto que a palavra de Deus é Verdade (cf. Jo 17, 17), uma melhor compreensão dela só tem a beneficiar com a busca humana da verdade, ou seja, o filosofar, no respeito das leis que lhe são próprias. Não se trata simplesmente de utilizar, no raciocínio teológico, qualquer conceito ou parcela dum sistema filosófico; o facto decisivo é que a razão do crente exerce as suas capacidades de reflexão na busca da verdade, dentro dum movimento que, partindo da palavra de Deus, procura alcançar uma melhor compreensão da mesma. É claro, de resto, que a razão, movendo-se dentro destes dois polos — palavra de Deus e melhor conhecimento desta —, encontra-se prevenida, e de algum modo guiada, para evitar percursos que poderiam conduzi-la fora da Verdade revelada e, em última análise, fora pura e simplesmente da verdade; mais ainda, ela sente-se estimulada a explorar caminhos que, sozinha, nem sequer suspeitaria de poder percorrer. Esta relação de reciprocidade circular com a Palavra de Deus enriquece a filosofia, porque a razão descobre horizontes novos e inesperados.

74. A prova da fecundidade de tal relação é oferecida pela própria vida de grandes teólogos cristãos que se distinguiram também como grandes filósofos, deixando escritos de tamanho valor especulativo que justificam ser colocados ao lado dos grandes mestres da filosofia antiga. Isto é válido tanto para os Padres da Igreja, de entre os quais há que citar pelo menos os nomes de S. Gregório Nazianzeno e S. Agostinho, como para os Doutores medievais entre os quais sobressai a grande tríade formada por S. Anselmo, S. Boaventura e S. Tomás de Aquino. A relação entre a filosofia e a palavra de Deus manifesta-se fecunda também na investigação corajosa realizada por pensadores mais recentes, de entre os quais me apraz mencionar, no âmbito ocidental, personagens como John Henry Newman, António Rosmini, Jacques Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein, e, no âmbito oriental, estudiosos com a estatura de Vladimir S. Solov'ev, Pavel A. Florenskij, Petr J. Caadaev, Vladimir N. Losskij. Ao referir estes autores, ao lado dos quais outros nomes poderiam ser citados, não tenciono obviamente dar aval a todos os aspectos do seu pensamento, mas apenas propô-los como exemplos significativos dum caminho de pesquisa filosófica que tirou notáveis vantagens da sua confrontação com os dados da fé. Uma coisa é certa: a consideração do itinerário espiritual destes mestres não poderá deixar de contribuir para o avanço na busca da verdade e na utilização dos resultados conseguidos para o serviço do homem. Espera-se que esta grande tradição filosófico-teológica encontre, hoje e no futuro, os seus continuadores e estudiosos para bem da Igreja e da humanidade.

2. Diferentes estádios da filosofia

75. Como consta da história das relações entre a fé e a filosofia, apontada acima brevemente, podem distinguir-se diversos estádios da filosofia relativamente à fé cristã. O primeiro é a filosofia totalmente independente da revelação evangélica: é o estádio da filosofia, existente historicamente nas épocas que precederam o nascimento do Redentor, e, mesmo depois dele, nas regiões onde o Evangelho ainda não chegou. Nesta situação, a filosofia apresenta a legítima aspiração de ser um empreendimento autónomo, ou seja, que procede segundo as suas próprias leis, valendo-se simplesmente das forças da razão. Embora cientes dos graves limites devidos à debilidade congénita da razão humana, uma tal aspiração deve ser apoiada e fortalecida. De facto, o trabalho filosófico, como busca da verdade no âmbito natural, pelo menos implicitamente permanece aberto ao sobrenatural.

E, mesmo quando é o próprio discurso teológico que se serve de conceitos e argumentações filosóficas, a exigência de correcta autonomia do pensamento há-de ser respeitada. Com efeito, a argumentação conduzida segundo rigorosos critérios racionais é garantia para a obtenção de resultados universalmente válidos. Também aqui se verifica o princípio segundo o qual a graça não destrói, mas aperfeiçoa a natureza: a anuência de fé, que envolve a inteligência e a vontade, não destrói mas aperfeiçoa o livre arbítrio do crente, que acolhe em si próprio o dado revelado.

Desta exigência em si mesma correcta, afasta-se nitidamente a teoria da chamada filosofia «separada», sustentada por vários filósofos modernos. Mais do que afirmação da justa autonomia do filosofar, ela constitui a reivindicação duma auto-suficiência do pensamento que é claramente ilegítima: rejeitar as contribuições de verdade vindas da revelação divina significa efectivamente impedir o acesso a um conhecimento mais profundo da verdade, danificando precisamente a filosofia.

76. Um segundo estádio da filosofia é aquilo que muitos designam com a expressão filosofia cristã. A denominação, em si mesma, é legítima, mas não deve dar margem a equívocos: com ela, não se pretende aludir a uma filosofia oficial da Igreja, já que a fé enquanto tal não é uma filosofia. Com aquela designação, deseja-se sobretudo indicar um modo cristão de filosofar, uma reflexão filosófica concebida em união vital com a fé. Por conseguinte, não se refere simplesmente a uma filosofia elaborada por filósofos cristãos que, na sua pesquisa, quiseram não contradizer a fé. Quando se fala de filosofia cristã, pretende-se abraçar todos aqueles importantes avanços do pensamento filosófico que não seriam alcançados sem a contribuição, directa ou indirecta, da fé cristã.

Assim, a filosofia cristã contém dois aspectos: um subjectivo, que consiste na purificação da razão por parte da fé. Esta, enquanto virtude teologal, liberta a razão da presunção — uma típica tentação a que os filósofos facilmente estão sujeitos. Já S. Paulo e os Padres da Igreja, e mais recentemente filósofos, como Pascal e Kierkegaard, a estigmatizaram. Com a humildade, o filósofo adquire também a coragem para enfrentar algumas questões que dificilmente poderia resolver sem ter em consideração os dados recebidos da Revelação. Basta pensar, por exemplo, aos problemas do mal e do sofrimento, à identidade pessoal de Deus e à questão acerca do sentido da vida, ou, mais diretamente, à pergunta metafísica radical: «Porque existe o ser?».

Temos, depois, o aspecto objectivo, que diz respeito aos conteúdos: a Revelação propõe claramente algumas verdades que, embora sejam acessíveis à razão por via natural, possivelmente nunca seriam descobertas por ela, se tivesse sido abandonada a si própria. Colocam-se, neste horizonte, questões como o conceito de um Deus pessoal, livre e criador, que tanta importância teve para o progresso do pensamento filosófico e, de modo particular, para a filosofia do ser. Pertence ao mesmo âmbito a realidade do pecado, tal como é vista pela luz da fé, e que ajuda a filosofia a enquadrar adequadamente o problema do mal. Também a concepção da pessoa como ser espiritual é uma originalidade peculiar da fé: o anúncio cristão da dignidade, igualdade e liberdade dos homens influiu seguramente sobre a reflexão filosófica, realizada pelos filósofos modernos. Nos tempos mais recentes, pode-se mencionar a descoberta da importância que tem, também para a filosofia, o acontecimento histórico, centro da revelação cristã. Não foi por acaso que aquele se tornou perne de uma filosofia da história, que se apresenta como um novo capítulo da busca humana da verdade.

Entre os elementos objectivos da filosofia cristã, inclui-se também a necessidade de explorar a racionalidade de algumas verdades expressas pela Sagrada Escritura, tais como a possibilidade de uma vocação sobrenatural do homem, e também o próprio pecado original. São tarefas que induzem a razão a reconhecer que existe a verdade e o racional, muito para além dos limites estreitos onde ela seria tentada a encerrar-se. Estas temáticas ampliam, de facto, o âmbito do racional.

Ao reflectirem sobre estes conteúdos, os filósofos não se tornaram teólogos, já que não procuraram compreender e ilustrar as verdades da fé a partir da Revelação; continuaram a trabalhar no seu próprio terreno e com a sua metodologia puramente racional, mas alargando a sua investigação a novos âmbitos da verdade. Pode-se dizer que, sem este influxo estimulante da palavra de Deus, boa parte da filosofia moderna e contemporânea não existiria. O dado mantém toda a sua relevância, mesmo diante da constatação decepcionante de não poucos pensadores destes últimos séculos que abandonaram a ortodoxia cristã.

77. Outro estádio significativo da filosofia verifica-se quando é a própria teologia que chama em causa a filosofia. Na verdade, a teologia sempre teve, e continua a ter, necessidade da contribuição filosófica. Realizado pela razão crítica à luz da fé, o trabalho teológico pressupõe e exige, ao longo de toda a sua pesquisa, uma razão conceptual e argumentativa educada e formada. Além disso, a teologia precisa da filosofia como interlocutora, para verificar a inteligibilidade e a verdade universal das suas afirmações. Não foi por acaso que os Padres da Igreja e os teólogos medievais assumiram, para tal função explicativa, filosofias não cristãs. Este facto histórico indica o valor da autonomia que a filosofia conserva mesmo neste terceiro estádio, mas mostra igualmente as transformações necessárias e profundas que ela deve sofrer.

É precisamente no sentido de uma contribuição indispensável e nobre que a filosofia foi chamada, desde a Idade Patrística, ancilla theologiæ. De facto, o título não foi atribuído para indicar uma submissão servil ou um papel puramente funcional da filosofia relativamente à teologia; mas no mesmo sentido em que Aristóteles falava das ciências experimentais como «servas» da «filosofia primeira». A expressão, hoje dificilmente utilizável devido aos princípios de autonomia antes mencionados, foi usada ao longo da história para indicar a necessidade da relação entre as duas ciências e a impossibilidade de uma sua separação.

Se o teólogo se recusasse a utilizar a filosofia, arriscar-se-ia a fazer filosofia sem o saber e a fechar-se em estruturas de pensamento pouco idóneas à compreensão da fé. Se o filósofo, por sua vez, excluísse todo o contacto com a teologia, ver-se-ia na obrigação de apoderar-se por conta própria dos conteúdos da fé cristã, como aconteceu com alguns filósofos modernos. Tanto num caso como noutro, surgiria o perigo da destruição dos princípios básicos de autonomia que cada ciência justamente quer ver garantidos.

O estádio da filosofia agora considerado, devido às implicações que comporta na compreensão da Revelação, está, como acontece com a teologia, mais directamente colocado sob a autoridade do Magistério e do seu discernimento, como expus mais acima. Das verdades de fé derivam, efectivamente, determinadas exigências que a filosofia deve respeitar, quando entra em relação com a teologia.

78. À luz destas reflexões, é fácil compreender porque tenha o Magistério louvado reiteradamente os méritos do pensamento de S. Tomás, e o tenha proposto como guia e modelo dos estudos teológicos. O que interessava não era tomar posição sobre questões propriamente filosóficas, nem impor a adesão a teses particulares; o objectivo do Magistério era, e continua a ser, mostrar como S. Tomás é um autêntico modelo para quantos buscam a verdade. De facto, na sua reflexão, a exigência da razão e a força da fé encontraram a síntese mais elevada que o pensamento jamais alcançou, enquanto soube defender a novidade radical trazida pela Revelação, sem nunca humilhar o caminho próprio da razão.

79. Ao explicitar melhor os conteúdos do Magistério precedente, é minha intenção, nesta última parte, indicar algumas exigências que a teologia — e, ainda antes, a palavra de Deus — coloca, hoje, ao pensamento filosófico e às filosofias actuais. Como já assinalei, o filósofo deve proceder segundo as próprias regras e basear-se sobre os próprios princípios; todavia, a verdade é uma só. A Revelação, com os seus conteúdos, não poderá nunca humilhar a razão nas suas descobertas e na sua legítima autonomia; a razão, por sua vez, não deverá perder nunca a sua capacidade de interrogar-se e de interrogar, consciente de não poder arvorar-se em valor absoluto e exclusivo. A verdade revelada, projectando plena luz sobre o ser a partir do esplendor que lhe vem do próprio Ser subsistente, iluminará o caminho da reflexão filosófica. Em resumo, a revelação cristã torna-se o verdadeiro ponto de enlace e confronto entre o pensar filosófico e o teológico, no seu recíproco intercâmbio. Espera-se, pois, que teólogos e filósofos se deixem guiar unicamente pela autoridade da verdade, para que seja elaborada uma filosofia de harmonia com a palavra de Deus. Esta filosofia será o terreno de encontro entre as culturas e a fé cristã, o espaço de entendimento entre crentes e não crentes. Ajudará os crentes a convencerem-se mais intimamente de que a profundidade e a autenticidade da fé saem favorecidas quando esta se une ao pensamento e não renuncia a ele. Mais uma vez, encontramos nos Padres a lição que nos guia nesta convicção: «Crer, nada mais é senão pensar consentindo [...]. Todo o que crê, pensa; crendo pensa, e pensando crê [...]. A fé, se não for pensada, nada é». 95 Mais: «Se se tira o assentimento, tira-se a fé, pois, sem o assentimento, realmente não se crê». 96

CAPÍTULO VII - EXIGÊNCIAS E TAREFAS ACTUAIS

1. As exigências irrenunciáveis da palavra de Deus

80. A Sagrada Escritura contém, de forma explícita ou implícita, toda uma série de elementos que permite alcançar uma perspectiva de notável densidade filosófica acerca do homem e do mundo. Os cristãos foram gradualmente tomando consciência da riqueza contida naquelas páginas sagradas. Delas se conclui que a realidade que experimentamos, não é o absoluto: não é incriada, nem se auto-gerou. Só Deus é o Absoluto. Nas páginas da Bíblia, o homem é visto como imago Dei, que contém indicações precisas sobre o seu ser, a sua liberdade e a imortalidade do seu espírito. Uma vez que o mundo criado não é auto-suficiente, qualquer ilusão de autonomia que ignore a essencial dependência de Deus de toda criatura — incluindo o homem — leva a dramas que destroem a busca racional da harmonia e do sentido da existência humana.

Também o problema do mal moral — a forma mais trágica do mal — é considerado na Bíblia, dizendo-nos que este não pode ser reduzido a uma mera deficiência devida à matéria, mas é uma ferida que provém de uma manifestação desordenada da liberdade humana. Finalmente, a palavra de Deus apresenta o problema do sentido da existência e revela a resposta para o mesmo, encaminhando o homem para Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que realiza em plenitude a existência humana. Poder-se-iam ainda explicitar outros aspectos da leitura do texto sagrado; de qualquer modo, o que sobressai é a rejeição de toda a forma de relativismo, materialismo, panteísmo.

A convicção fundamental desta «filosofia» presente na Bíblia é que a vida humana e o mundo têm um sentido e caminham para a sua plenitude, que se verifica em Jesus Cristo. O mistério da Encarnação permanecerá sempre o centro de referência para se poder compreender o enigma da existência humana, do mundo criado, e mesmo de Deus. A filosofia encontra, neste mistério, os desafios extremos, porque a razão é chamada a assumir uma lógica que destrói as barreiras onde ela mesma corre o risco de se fechar. Somente aqui, porém, o sentido da existência alcança o seu ponto culminante. Com efeito, torna-se inteligível a essência íntima de Deus e do homem: no mistério do Verbo encarnado, são salvaguardadas a natureza divina e a natureza humana, com sua respectiva autonomia, e simultaneamente manifesta-se aquele vínculo único que as coloca em mútuo relacionamento, sem confusão. 97

81. Deve ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação actual consiste na «crise de sentido». Os pontos de vista, muitas vezes de carácter científico, sobre a vida e o mundo multiplicaram-se tanto que estamos efectivamente assistindo à afirmação crescente do fenómeno da fragmentação do saber. É precisamente isto que torna difícil e frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda, neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece constituir a própria trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem sentido pôr-se a questão do sentido. A pluralidade das teorias que se disputam a resposta, ou os diversos modos de ver e interpretar o mundo e a vida do homem não fazem senão agravar esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de cepticismo e indiferença ou nas diversas expressões do niilismo.

Em consequência disto, o espírito humano fica muitas vezes ocupado por uma forma de pensamento ambíguo, que o leva a encerrar-se ainda mais em si próprio, dentro dos limites da própria imanência, sem qualquer referência ao transcendente. Privada da questão do sentido da existência, uma filosofia incorreria no grave perigo de relegar a razão para funções meramente instrumentais, sem uma autêntica paixão pela busca da verdade.

Para estar em consonância com a palavra de Deus ocorre, antes de mais, que a filosofia volte a encontrar a sua dimensão sapiencial de procura do sentido último e global da vida. Esta primeira exigência, por sinal, constitui um estímulo utilíssimo para a filosofia se conformar com a sua própria natureza. Deste modo, ela não será apenas aquela instância crítica decisiva que indica, às várias partes do saber científico, o seu fundamento e os seus limites, mas representará também a instância última de unificação do saber e do agir humano, levando-os a convergirem para um fim e um sentido definitivos. Esta dimensão sapiencial é ainda mais indispensável hoje, uma vez que o imenso crescimento do poder técnico da humanidade requer uma renovada e viva consciência dos valores últimos. Se viesse a faltar a estes meios técnicos a sua orientação para um fim não meramente utilitarista, poderiam rapidamente revelar-se desumanos e transformar-se mesmo em potenciais destrutores do género humano. 98

A palavra de Deus revela o fim último do homem, e dá um sentido global à sua acção no mundo. Por isso, ela convida a filosofia a empenhar-se na busca do fundamento natural desse sentido, que é a religiosidade constitutiva de cada pessoa. Uma filosofia que quisesse negar a possibilidade de um sentido último e global, seria não apenas imprópria, mas errónea.

82. De resto, este papel sapiencial não poderia ser desempenhado por uma filosofia que não fosse, ela própria, um autêntico e verdadeiro saber, isto é, debruçado não só sobre os aspectos particulares e relativos — sejam eles funcionais, formais ou úteis — da realidade, mas sobre a verdade total e definitiva desta, ou seja, sobre o próprio ser do objecto de conhecimento. Daqui, uma segunda exigência: verificar a capacidade do homem chegar ao conhecimento da verdade; mais, um conhecimento que alcance a verdade objectiva por meio daquela adæquatio rei et intellectus, a que se referem os Doutores da Escolástica. 99 Esta exigência, própria da fé, foi explicitamente reafirmada pelo Concílio Vaticano II: «A inteligência, de facto, não se limita ao domínio dos fenómenos; embora, em consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade inteligível». 100

Uma filosofia, radicalmente fenomenista ou relativista, revelar-se-ia inadequada para ajudar no aprofundamento da riqueza contida na palavra de Deus. De facto, a Sagrada Escritura sempre pressupõe que o homem, mesmo quando culpável de duplicidade e mentira, é capaz de conhecer e captar a verdade clara e simples. Nos Livros Sagrados, e de modo particular no Novo Testamento, encontram-se textos e afirmações de alcance propriamente ontológico. Os autores inspirados, com efeito, quiseram formular afirmações verdadeiras, isto é, capazes de exprimir a realidade objectiva. Não se pode dizer que a tradição católica tenha cometido um erro, quando entendeu alguns textos de S. João e de S. Paulo como afirmações sobre o ser mesmo de Cristo. Ora, quando a teologia procura compreender e explicar estas afirmações, tem necessidade do auxílio duma filosofia que não renegue a possibilidade de um conhecimento objectivamente verdadeiro, embora sempre passível de aperfeiçoamento. Isto vale também para os juízos da consciência moral, que a Sagrada Escritura supõe ser objectivamente verdadeiros. 101

83. As duas exigências, já referidas, implicam uma terceira: ocorre uma filosofia de alcance autenticamente metafísico, isto é, capaz de transcender os dados empíricos para chegar, na sua busca da verdade, a algo de absoluto, definitivo, básico. Trata-se duma exigência implícita tanto no conhecimento de tipo sapiencial, como de carácter analítico; de modo particular, é uma exigência própria do conhecimento do bem moral, cujo fundamento último é o sumo Bem, o próprio Deus. Não é minha intenção falar aqui da metafísica enquanto escola específica ou particular corrente histórica; desejo somente afirmar que a realidade e a verdade transcendem o elemento factível e empírico, e quero reivindicar a capacidade que o homem possui de conhecer esta dimensão transcendente e metafísica de forma verdadeira e certa, mesmo se imperfeita e analógica. Neste sentido, a metafísica não deve ser vista como alternativa à antropologia, pois é precisamente ela que permite dar fundamento ao conceito da dignidade da pessoa, assente na sua condição espiritual. De modo particular, a pessoa constitui um âmbito privilegiado para o encontro com o ser e, consequentemente, com a reflexão metafísica.

Em toda a parte onde o homem descobre a presença dum apelo ao absoluto e ao transcendente, lá se abre uma fresta para a dimensão metafísica do real: na verdade, na beleza, nos valores morais, na pessoa do outro, no ser, em Deus. Um grande desafio, que nos espera no final deste milénio, é saber realizar a passagem, tão necessária como urgente, do fenómeno ao fundamento. Não é possível deter-se simplesmente na experiência; mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a sua espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa alcance a substância espiritual e o fundamento que a sustenta. Portanto, um pensamento filosófico que rejeitasse qualquer abertura metafísica, seria radicalmente inadequado para desempenhar um papel de mediação na compreensão da Revelação.

A palavra de Deus alude continuamente a realidades que ultrapassam a experiência e até mesmo o pensamento do homem; mas, este «mistério» não poderia ser revelado, nem a teologia poderia de modo algum torná-lo inteligível, 102 se o conhecimento humano se limitasse exclusivamente ao mundo da experiência sensível. Por isso, a metafísica constitui uma intermediária privilegiada na pesquisa teológica. Uma teologia, privada do horizonte metafísico, não conseguiria chegar além da análise da experiência religiosa, não permitindo ao intellectus fidei exprimir coerentemente o valor universal e transcendente da verdade revelada.

Se insisto tanto na componente metafísica, é porque estou convencido de que este é o caminho obrigatório para superar a situação de crise que aflige actualmente grandes sectores da filosofia e, desta forma, corrigir alguns comportamentos errados, difusos na nossa sociedade.

Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
94 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 53-59.
95 S. Agostinho, De prædestinatione Sanctorum 2, 5: PL 44, 963.
96 Idem, De fide, spe et caritate, 7: CCL 64, 61.
97 Cf. Conc. Ecum. de Calcedónia, Symbolum, definitio: DS 302.
98 Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286-289.
99 Veja-se, por exemplo, S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ, I, 16, 1; S. Boaventura, Coll. in Hex., 3, 8, 1.
100 Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 15.
101 Cf. João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993), 57-61: AAS 85 (1993), 1179-1182.
102 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, IV: DS 3016.

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