João Paulo I, no seu famoso «Ilustríssimos Senhores»,
conta a história daquela menina que respondeu muito depressa à pergunta do
sacerdote sobre a Santíssima Trindade: – «A Santíssima Trindade é o Pai, o
Filho e o Espírito Santo». – «Desculpe, não entendi…» – «Nem é preciso»,
replicou ela. «É um mistério».
É, de facto, um mistério, e um mistério
mais precioso do que, para uma criancinha, o de ter pai, mãe e irmãos. Ou, para
um cientista, os mistérios físico-químicos do universo; ou, para um filósofo, o
mistério do ser… Tudo é mistério, afinal, no sentido de que nos é impossível
conhecer até à exaustão cada coisa. Só o Criador Se compreende absolutamente e
compreende absolutamente cada criatura. Mas conhecer, sim, podemos; e
aprofundar cada vez mais o nosso conhecimento das coisas, do homem e de Deus.
Podemos e devemos, ainda que se trate de mistérios tão superiores à nossa
capacidade intelectual, que só por revelação divina e por fé sobrenatural os
saibamos.
«Fides quaerens intelectum…» Recordo alguém
que objectava o seguinte a uma exposição que ouvia sobre a nossa fé: – «Não
será perigoso racionalizar a fé?» Como quem diz: a fé não é uma intuição ou um
sentimento tão profundo e complexo, que não admite enquadramento racional?
Acontece, porém, que, como somos seres racionais, temos de racionalizar tudo –
foi a correcta resposta. Não temos mesmo outro modo de conhecer senão através
da razão.
Sim, temos de «racionalizar» tudo, o que
não significa reduzir a realidade aos limites da nossa inteligência, mas
ordenar a inteligência de tal modo que seja capaz de receber, sem contradição,
toda a realidade que se nos impõe. E nenhuma mais certa do que a divinamente
revelada.
Há, porém, nessa objecção uma sugestão
interessante: se a fé se deve «racionalizar», «fazer-se teologia», há-de
procurar compreender antes de mais o amor. O perigo não está no jogo de
conceitos necessário ao raciocínio; toda a ciência, mesmo a que se refere em
directo a Deus, exige abstracção, terminologia própria e lógica rigorosa. O
perigo está em esquecer que Deus é Amor, e que toda a lógica da Criação e da
Redenção é uma lógica de amor. A frieza da especulação de S. Tomás de Aquino
não o impedia de cantar o maravilhoso romance do amor de Deus, sobretudo nos
seus inspirados hinos à Eucaristia.
Para dizer mais sucintamente: se não formos
românticos, nunca seremos teólogos. Se a fé procura forçosamente o «intelecto»,
o intelecto deve procurar antes de mais o amor, para poder raciocinar rigorosamente,
pois doutro modo nunca perceberia, sequer superficialmente, a razão de ser do
mundo e da nossa Salvação. Seríamos como aquele que recebe um ramo de rosas e
as analisa até ao ponto de saber tudo das suas pétalas, dos caules, dos
espinhos, mas se esqueceu da questão principal - quem mas enviou? Talvez seja
um cientista, mas será um cientista louco.
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