Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Lc 5, 27-39
27 Depois disto, Jesus saiu, e viu sentado no banco de cobrança um publicano, chamado Levi, e disse-lhe: «Segue-Me». 28 Ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-O. 29 E Levi ofereceu-Lhe um grande banquete em sua casa, e havia grande número de publicanos e outros, que estavam à mesa com eles. 30 Os fariseus e os seus escribas murmuravam dizendo aos discípulos de Jesus: «Porque comeis e bebeis com os publicanos e os pecadores?». 31 Jesus respondeu-lhes: «Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os doentes. 32 Não vim chamar os justos, mas os pecadores à penitência». 33 Eles disseram-Lhe: «Os discípulos de João e os dos fariseus jejuam muitas vezes e fazem orações, e os Teus comem e bebem». 34 Jesus respondeu-lhes: «Porventura podeis fazer jejuar os amigos do esposo, enquanto o esposo está com eles? 35 Mas virão dias em que lhes será tirado o esposo; então, nesses dias, jejuarão». 36 Também lhes disse esta comparação: «Ninguém deita um retalho de pano novo em vestido velho; doutro modo o novo rompe o velho e o retalho do novo não condiz com o velho. 37 Também ninguém deita vinho novo em odres velhos; doutro modo o vinho novo fará rebentar os odres, e derramar-se-á o vinho, e perder-se-ão os odres. 38 Mas o vinho novo deve deitar-se em odres novos. 39 Ninguém depois de ter bebido vinho velho quer do novo, porque diz: O velho é melhor!».
CARTA APOSTÓLICA
NOVO MILLENNIO INEUNTE
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
AO EPISCOPADO,
AO CLERO E AOS FIÉIS
NO TERMO DO GRANDE JUBILEU
DO ANO 2000
…/6
A variedade das vocações
46. Esta perspectiva de comunhão está intimamente ligada à capacidade que tem a comunidade cristã de dar espaço a todos os dons do Espírito. A unidade da Igreja não é uniformidade, mas integração orgânica das legítimas diversidades; é a realidade de muitos membros unidos num só corpo, o único Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12,12). Por isso, é necessário que a Igreja do terceiro milénio estimule todos os baptizados e crismados a tomarem consciência da sua própria e activa responsabilidade na vida eclesial. Ao lado do ministério ordenado, podem florescer outros ministérios — instituídos ou simplesmente reconhecidos — em proveito de toda a comunidade ajudando-a nas suas diversas necessidades: desde a catequese à animação litúrgica, desde a educação dos jovens às várias expressões da caridade.
Um generoso empenho certamente há-de ser posto — sobretudo através de uma oração insistente ao Senhor da messe (cf. Mt 9,38) — na promoção das vocações ao sacerdócio e de especial consagração. Trata-se dum problema de grande importância para a vida da Igreja em todo o mundo. Mas, nalguns países de antiga evangelização, tal problema tornou-se dramático devido à alteração do contexto social e à aridez religiosa causada pelo consumismo e secularismo. É necessário e urgente estruturar uma vasta e capilar pastoral das vocações, que envolva as paróquias, os centros educativos, as famílias, suscitando uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, cuja síntese decisiva está na resposta que cada um é convidado a dar ao chamamento de Deus, especialmente quando esta pede a total doação de si mesmo e das próprias forças à causa do Reino.
Neste contexto, aparece em todo o seu valor cada uma das restantes vocações, radicadas na riqueza da vida nova recebida no sacramento do Baptismo. Em particular, há que descobrir cada vez melhor a vocação própria dos fiéis leigos, que são chamados, enquanto tais, a “procurar o Reino de Deus, tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus”, [i] e têm também “um papel próprio a desempenhar na missão do inteiro povo de Deus, na Igreja e no mundo [...], com a sua acção para evangelizar e santificar os homens”. [ii]
Nesta mesma linha, reveste uma grande importância para a comunhão o dever de promover as várias realidades agregadoras, que, tanto nas suas formas mais tradicionais como nas mais recentes dos movimentos eclesiais, continuam a dar à Igreja uma grande vitalidade que é dom de Deus e constitui uma autêntica “primavera do Espírito”. É, sem dúvida, necessário que associações e movimentos, tanto a nível da Igreja universal como das Igrejas particulares, actuem em plena sintonia eclesial e obediência às directrizes autorizadas dos Pastores. Mas, a todos é dirigida, de forma exigente e peremptória, a advertência do Apóstolo: “Não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias. Examinai tudo e retende o que for bom” (1 Tes 5,19-21).
47. Deve ser assegurada também uma especial atenção à pastoral da família, ainda mais necessária na época actual, que regista uma crise generalizada e radical desta instituição fundamental. Na visão cristã do matrimónio, a relação entre um homem e uma mulher — relação recíproca e total, única e indissolúvel — corresponde ao desígnio originário de Deus, o qual, ofuscado na história pela «dureza do coração», foi restaurado no seu esplendor primordial por Cristo, mostrando o que Deus quis «ao princípio» (Mt 19,8). No matrimónio elevado à dignidade de Sacramento, está expresso o “grande mistério” do amor esponsal de Cristo pela sua Igreja (cf. Ef 5,32).
Sobre este ponto, a Igreja não pode ceder às pressões de determinada cultura, ainda que generalizada e por vezes agressiva. Ao contrário, é preciso fazer com que, por meio duma educação evangélica sempre mais completa, as famílias cristãs ofereçam um exemplo persuasivo da possibilidade de um matrimónio vivido de forma plenamente congruente com o desígnio de Deus e com as verdadeiras exigências da pessoa humana — a pessoa dos esposos e sobretudo a pessoa mais frágil dos filhos. As próprias famílias hão-de estar cada vez mais conscientes da atenção que é devida aos filhos, tornando-se sujeitos activos, na Igreja e na sociedade, com uma presença eficaz na defesa dos seus direitos.
O empenho ecuménico
48. Depois, como não mencionar a urgência de fomentar a comunhão no âmbito delicado do empenho ecuménico? Infelizmente, os tristes legados do passado vão acompanhar-nos ainda para além do limiar do novo milénio. A celebração jubilar registou algum sinal verdadeiramente profético e tocante, mas há ainda tanto caminho a percorrer!
Na realidade, o Grande Jubileu, levando-nos a fixar o olhar em Cristo, fez-nos tomar mais viva consciência da Igreja como mistério de unidade. “Creio na Igreja una”: isto que afirmamos na profissão de fé, tem o seu fundamento último em Cristo, no Qual a Igreja não está dividida (cf. 1 Cor 1,11-13). Enquanto Corpo de Cristo, na unidade realizada pelo dom do Espírito, a Igreja é indivisível. A realidade da divisão forma-se no terreno da história, nas relações entre os filhos da Igreja, em consequência da fragilidade humana para acolher o dom que continuamente dimana de Cristo-Cabeça para o seu Corpo místico. A oração de Jesus no Cenáculo — «que todos sejam um; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós» (Jo 17,21) — é simultaneamente revelação e invocação. Revela-nos a unidade de Cristo com o Pai, como fonte da unidade da Igreja e dom perene que ela receberá misteriosamente d'Ele até ao fim dos tempos. Esta unidade, que não deixa de realizar-se concretamente na Igreja Católica, apesar dos limites próprios do ser humano, manifesta-se também, em diversa medida, nos numerosos elementos de santificação e de verdade que se encontram no seio das outras Igrejas e Comunidades eclesiais; tais elementos, enquanto dons próprios da Igreja de Cristo, impele-as incessantemente para a unidade plena. [iii]
A oração de Jesus lembra-nos que este dom precisa de ser acolhido e fomentado de maneira sempre mais profunda. A invocação «ut unum sint» é simultaneamente imperativo que nos obriga, força que nos sustenta, salutar censura à nossa preguiça e mesquinhez de coração. É sobre a oração de Jesus, não sobre as nossas capacidades, que assenta a confiança de poder chegar, também na história, à comunhão plena e visível de todos os cristãos.
Nesta perspectiva de renovado caminho pós-jubilar, olho com grande esperança para as Igrejas do Oriente, esperando que retorne plenamente aquela permuta de dons que enriqueceu a Igreja do primeiro milénio. A lembrança do tempo em que a Igreja respirava com “dois pulmões”, estimule os cristãos do Oriente e do Ocidente a caminharem juntos, na unidade da fé e no respeito das legítimas diferenças, aceitando-se e ajudando-se uns aos outros como membros do único Corpo de Cristo.
Com idêntico empenho há-de ser cultivado o diálogo ecuménico com os irmãos e irmãs da Comunhão Anglicana e das Comunidades eclesiais nascidas da Reforma. O confronto teológico sobre pontos essenciais da fé e da moral cristã, a colaboração na caridade e sobretudo o grande ecumenismo da santidade não deixarão, com a ajuda de Deus, de produzir os seus frutos no futuro. Entretanto, prossigamos confiadamente pelo caminho, suspirando pelo momento em que poderemos, com todos os discípulos de Cristo sem excepção, cantar juntos com toda a nossa voz: “Como é bom e agradável viverem os irmãos em harmonia!” (Sal 133132,1).
A caridade fraterna
49. Partindo da comunhão dentro da Igreja, a caridade abre-se, por sua natureza, ao serviço universal, frutificando no compromisso dum amor activo e concreto por cada ser humano. Este âmbito qualifica de modo igualmente decisivo a vida cristã, o estilo eclesial e a programação pastoral. É de se esperar que o século e o milénio que estão a começar hão-de ver a dedicação a que pode levar a caridade para com os mais pobres. Se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar: «Porque tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e destes-Me de vestir; adoeci e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter Comigo» (Mt 25,35-36). Esta página não é um mero convite à caridade, mas uma página de cristologia que projecta um feixe de luz sobre o mistério de Cristo. Nesta página, não menos do que o faz com a vertente da ortodoxia, a Igreja mede a sua fidelidade de Esposa de Cristo.
É certo que ninguém pode ser excluído do nosso amor, uma vez que, “pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem”; [iv] mas, segundo as palavras inequívocas do Evangelho que acabámos de referir, há na pessoa dos pobres uma especial presença de Cristo, obrigando a Igreja a uma opção preferencial por eles. Através desta opção, testemunha-se o estilo do amor de Deus, a sua providência, a sua misericórdia, e de algum modo continua-se a semear na história aqueles gérmenes do Reino de Deus que foram visíveis na vida terrena de Jesus, ao acolher a quantos recorriam a Ele para todas as necessidades espirituais e materiais.
50. No nosso tempo, de facto, são muitas as necessidades que interpelam a sensibilidade cristã. O nosso mundo começa o novo milénio, carregado com as contradições dum crescimento económico, cultural e tecnológico que oferece a poucos afortunados grandes possibilidades e deixa milhões e milhões de pessoas não só à margem do progresso, mas a braços com condições de vida muito inferiores ao mínimo que é devido à dignidade humana. Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva privado dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa onde abrigar-se?
E o cenário da pobreza poderá ampliar-se indefinidamente, se às antigas pobrezas acrescentarmos as novas que frequentemente atingem mesmo os ambientes e categorias dotados de recursos económicos, mas sujeitos ao desespero da falta de sentido, à tentação da droga, à solidão na velhice ou na doença, à marginalização ou à discriminação social. O cristão, que se debruça sobre este cenário, deve aprender a fazer o seu acto de fé em Cristo, decifrando o apelo que Ele lança a partir deste mundo da pobreza. Trata-se de dar continuidade a uma tradição de caridade, que já teve inumeráveis manifestações nos dois milénios passados, mas que hoje requer, talvez, ainda maior capacidade inventiva. É hora duma nova “fantasia da caridade”, que se manifeste não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido, não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna.
Por isso, devemos procurar que os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como “em sua casa”. Não seria, este estilo, a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino? Sem esta forma de evangelização, realizada através da caridade e do testemunho da pobreza cristã, o anúncio do Evangelho — e este anúncio é a primeira caridade — corre o risco de não ser compreendido ou de afogar-se naquele mar de palavras que a actual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta. A caridade das obras garante uma força inequívoca à caridade das palavras.
Os desafios de hoje
51. E como ficar indiferentes diante das perspectivas dum desequilíbrio ecológico, que torna inabitáveis e hostis ao homem vastas áreas do planeta? Ou face aos problemas da paz, frequentemente ameaçada com o incubo de guerras catastróficas? Ou frente ao vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de tantas pessoas, especialmente das crianças? Muitas são as urgências, a que o espírito cristão não pode ficar insensível.
Um especial empenho deve colocar-se em alguns aspectos da radicalidade evangélica que frequentemente são menos compreendidos, chegando a tornar-se impopular a intervenção da Igreja, mas isso não pode fazer com que estejam menos presentes na agenda eclesial da caridade. Refiro-me à obrigação de se empenhar pelo respeito da vida de cada ser humano, desde a concepção até ao seu ocaso natural. De igual modo, o serviço ao homem obriga-nos a gritar, oportuna e inoportunamente, que todos os que lançam mão das novas potencialidades da ciência, principalmente no âmbito das biotecnologias, não podem jamais descurar as exigências fundamentais da ética, fazendo apelo a uma discutível solidariedade que acaba por discriminar vidas entre si, com desprezo pela dignidade própria de cada ser humano.
Para a eficácia do testemunho cristão, especialmente nestes âmbitos delicados e controversos, é importante fazer um grande esforço para explicar adequadamente os motivos da posição da Igreja, sublinhando sobretudo que não se trata de impor aos não crentes uma perspectiva de fé, mas de interpretar e defender valores radicados na própria natureza do ser humano. A caridade tomará então necessariamente a forma de serviço à cultura, à política, à economia, à família, para que em toda a parte sejam respeitados os princípios fundamentais de que depende o destino do ser humano e o futuro da civilização.
52. Tudo isto há-de ser naturalmente realizado com um estilo especificamente cristão: compete sobretudo aos leigos, no cumprimento da vocação que lhes é própria, fazerem-se presentes nestas tarefas sem nunca ceder à tentação de reduzir as comunidades cristãs a agências sociais. De modo particular, o relacionamento com a sociedade civil deverá verificar-se no respeito da sua autonomia e competência, segundo os ensinamentos propostos pela doutrina social da Igreja.
É conhecido o esforço que o Magistério eclesial tem realizado, sobretudo no século XX, para ler a realidade social à luz do Evangelho e oferecer de forma cada vez mais concreta e orgânica o seu contributo para a solução da questão social, hoje alargada à escala planetária.
Esta vertente ético-social é uma dimensão imprescindível do testemunho cristão: há que rejeitar a tentação duma espiritualidade intimista e individualista, que dificilmente se coaduna com as exigências da caridade, com a lógica da encarnação e, em última análise, com a própria tensão escatológica do cristianismo. Se esta tensão nos torna conscientes do carácter relativo da história, não o faz para nos desinteressarmos do dever de a construir. A tal respeito, continua sempre actual o ensinamento do Concílio Vaticano II: “A mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo, nem os leva a desatender o bem dos seus semelhantes, mas, antes, os obriga ainda mais a realizar essas actividades”. [v]
Um sinal concreto
53. Para dar um sinal desta dimensão da caridade e da promoção humana, que se funda nas exigências íntimas do Evangelho, quis que o ano jubilar, entre os numerosos frutos de caridade que já produziu durante a sua realização — penso de modo particular à ajuda dada a muitos irmãos mais pobres que lhes permitiu tomar parte no Jubileu — deixasse também uma obra que de algum modo constituísse o fruto e o selo da caridade jubilar. Muitos peregrinos deram, de diversos modos, a sua esmola e, com eles, também muitos protagonistas da actividade económica ofereceram apoios generosos, que serviram para garantir uma adequada realização da ocorrência jubilar. Uma vez pagas as despesas que foi preciso fazer durante o ano, o saldo que houver deverá ser destinado para fins de caridade. É realmente importante que, dum acontecimento religioso tão significativo, seja afastado qualquer indício de especulação económica. O que sobrar há-de servir para se repetir, nesta circunstância também, a experiência já muitas vezes vivida ao longo da história a começar dos primórdios da Igreja, quando a comunidade de Jerusalém deu o testemunho — que tanto impressionou os não cristãos — duma espontânea permuta de dons, até à posse comum dos bens, em favor dos mais pobres (cf. Act 2,44-45).
A obra a realizar será apenas um pequeno rio que irá confluir no grande caudal da caridade cristã que atravessa a história. Um rio pequeno, mas significativo! O Jubileu fez com que o mundo olhasse para Roma, a Igreja “que preside à caridade”, [vi] e deixasse nas mãos de Pedro a sua esmola. Esta caridade que se manifestara no centro da catolicidade derrama-se agora, de algum modo, sobre o mundo através deste sinal que se pretende seja fruto e recordação viva da comunhão experimentada por ocasião do Jubileu.
54. Começa um novo século e um novo milénio sob a luz de Cristo. Nem todos, porém, vêem esta luz. A nós cabe a tarefa maravilhosa e exigente de ser o seu “reflexo”. É o mysterium lunae, tão querido à contemplação dos Santos Padres que usavam esta imagem para indicar como a Igreja depende de Cristo: Ele é o Sol, cuja luz ela reflecte. [vii] Era uma maneira de exprimir o que Cristo disse quando se apresentou como «Luz do mundo» (Jo 8,12) e pediu também aos seus discípulos para serem «a luz do mundo» (Mt 5,14).
Este é um encargo que nos faz tremer, quando olhamos para a fraqueza que frequentemente nos torna opacos e cheios de sombras. Mas é uma missão possível, se, expondo-nos à luz de Cristo, nos abrirmos à graça que nos faz homens novos.
55. Nesta perspectiva, coloca-se também o grande desafio do diálogo inter-religioso, no qual temos de continuar a empenhar-nos no novo século, segundo a linha traçada pelo Concílio Vaticano II. [viii] Nos anos de preparação para o Grande Jubileu, a Igreja tentou, inclusive com encontros de notável relevo simbólico, delinear uma relação de abertura e diálogo com expoentes doutras religiões. Como esquecer o grande “ícone” de Assis no ano 1986 e o encontro na Praça de S. Pedro com representantes de muitas religiões não cristãs no dia 28 de Outubro de 1999, já às portas do Jubileu? O diálogo deve continuar. Na condição de um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, como se prevê na sociedade do novo milénio, isso é importante até para criar uma segura premissa de paz e afastar o espectro funesto das guerras de religião que já cobriram de sangue muitos períodos na história da humanidade. O nome do único Deus deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz, um imperativo de paz.
56. Mas, o diálogo não pode ser fundado sobre o indiferentismo religioso, e nós, cristãos, temos a obrigação de realizá-lo, dando testemunho completo da esperança que há em nós (cf. 1 Ped 3,15). Não devemos ter medo que possa constituir ofensa à identidade de outrem aquilo que é, inversamente, anúncio jubiloso de um dom, que se destina a todos e, por conseguinte, há-de ser proposto a todos com o maior respeito da liberdade de cada um: o dom da revelação do Deus-Amor, que «amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3,16). Nada disto, como ainda recentemente foi sublinhado pela Declaração Dominus Iesus, pode ser objecto duma espécie de negociação dialogada, como se se tratasse duma simples opinião. Para nós, ao contrário, é graça que nos enche de alegria, é notícia que temos o dever de anunciar.
[ix]…/
[i] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 31.
[ii] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, 2.
[iii] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 8.
[iv] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
[v] Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 34.
[vi] S. Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, Pref.: Ed. Funk, I, 252.
[vii] Assim escreve, por exemplo, S. Agostinho: « Luna intelligitur Ecclesia, quod suum lumen non habeat, sed ab Unigenito Filio Dei, qui multis locis in Sanctis Scripturis allegorice sol est appellatus”: Enarratio in Psalmos, 10, 3: CCL 38, 42.
[viii] Cf. Decl. sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs Nostra aetate.
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