Art. 2 — Se a relação em Deus é o mesmo que a sua essência.
(I Sent., dist. XXXIII, a. 1; IV Cont. Gent., cap. XIV; De Pot., q. 8, a. 2; Quodl. VI, q. 1; Compend. Theol., cap. LIV. LXVI, LXVII).
O segundo discute-se assim. — Parece que em Deus a relação não é o mesmo que a sua essência.
— Pois, como diz Agostinho: Nem tudo o que se predica de Deus se predica substancialmente; assim, algumas predicações são relativas, como a do Pai, relativamente ao Filho; e estas não se predicam substancialmente [1]. Logo a relação não é a essência divina.
Demais. — Diz Agostinho: Tudo o que se predica relativamente tem, além disso, um ser próprio, como, homem-senhor e homem-servo [2]. Se, pois, há em Deus quaisquer relações, necessariamente nele haverá algo mais que elas.
Demais. — Um ser relativo é referente a outro, como diz Aristóteles [3]. Se, pois, a relação é a própria essência divina, segue-se que o ser da divina essência consiste em referir-se a outro; o que repugna à perfeição do ser divino, por excelência absoluto e por si subsistente, como se demonstrou [4]. Logo, a relação não é a própria essência divina.
Mas, em contrário, tudo o que não é a essência divina é criatura. Ora, a relação realmente convindo a Deus, e não sendo a essência divina, será necessariamente criatura. Então, não se deve render-lhe um culto de latria, o que vai contra ao que a Igreja canta num Prefácio: Para que seja adorada, nas Pessoas, a propriedade, e na majestade, a igualdade [5].
Ora, para esclarecer o assunto, devemos considerar que dois elementos se hão-de levar em conta em qualquer dos nove géneros de acidentes. Um é o ser conveniente a cada género, enquanto acidente. E isso é, em geral, em todos, ser inerente a um sujeito, pois o ser do acidente consiste na inerência. O outro elemento a considerar é a noção própria de cada um dos referidos géneros. Ora, nos outros géneros que não o da relação, como a quantidade e a qualidade, a noção própria do género reside na sua relação com o sujeito; pois, a quantidade se chama medida, e a qualidade, disposição da substância. Ao contrário, a essência própria da relação não consiste em referir-se ao ser em que está, mas a algo de exterior.
Se, portanto, considerarmos criaturas as relações como tais, veremos que são acrescentadas, e não, de proveniência intrínseca. E exprimem uma referência que de certo modo atinge a própria coisa relacionada, para outra. Se porém considerarmos a relação como acidente, então é inerente ao sujeito e neste tem o ser acidental.
Mas Gilberto Porretano a considerou somente do primeiro modo. Ora, tudo o que nas coisas criadas tem ser acidental tem-no substancial quando referido a Deus; pois, nada existe, em Deus, como um acidente num sujeito, porque tudo o que nele existe é a sua essência. Por onde, considerada a relação como tendo um ser acidental, nas coisas criadas, que lhes servem de sujeito, ela, realmente existindo em Deus, tem o ser da essência divina, sempre idêntico a si mesma. Mas quando referente a outro termo, a relação exprime antes uma referência ao termo do que à essência. Por onde, é claro que a relação realmente existente em Deus é, realmente, o mesmo que a essência; e só desta difere racionalmente, porque a relação supõe referência ao termo oposto, o que não está compreendido na denominação de essência. Donde resulta com clareza que, em Deus, não diferem, mas se identificam, o ser da relação e o da essência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As palavras de Agostinho não significam que a paternidade, ou qualquer outra relação essencial existente em Deus, não seja idêntica à divina essência; mas que não se predica substancialmente como existindo no sujeito a que se atribui; senão, relativamente. Por isso só dois predicamentos se atribuem a Deus; pois, os outros supõem relação com o sujeito de que se predicam, tanto quanto ao ser como quanto à noção do género próprio. Ora, nada do que existe em Deus pode, por causa da sua simplicidade, ter relação com o seu sujeito ou com o que se predica, senão a de identidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como nas coisas criadas, assim em Deus, se bem de maneira diferente, as predicações relativas implicam não somente o carácter de relatividade, mas ainda algo absoluto. Pois, na criatura difere a realidade do conteúdo do nome relativo; em Deus, porém, não há diferença, mas tudo é uma mesma realidade, não perfeitamente expressa pelo nome de relação, como compreendida na significação de tal nome. Pois, já dissemos [6], quando tratamos dos nomes divinos, que mais contém a perfeição da divina essência do que pode ser expresso por qualquer nome. Donde se não segue, que em Deus, alem da relação, haja realmente outro ser, senão apenas quando se considera a significação do nome.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se a divina perfeição nada mais contivesse do que significa o nome relativo, o ser divino seria imperfeito, como referente a algum outro; como p. ex., se Deus não contivesse mais do que significa o nome de sapiência, não seria um ser subsistente. Mas de ser a perfeição da divina essência maior do que o conteúdo significativo de qualquer nome, não se segue tenha a divina essência ser imperfeito, pelo fato de o nome relativo, ou qualquer outro, dito de Deus, não implicar sentido de perfeição; pois, a divina essência em si compreende a perfeição de todos os géneros, como dissemos [7].
SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,
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