Navegando pela minha cidade
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meu numa noite de intensa chuva e vento do Inverno passado.
Poucos meses depois e até hoje, nessa e noutras passadeiras da cidade está escrito no lancil do passeio: 1.166 vítimas de acidentes no Porto em 2009 – Atenção, todos somos peões.
Porquê ele? Porquê eu? Que mal fiz eu a Deus?
Estas são as perguntas de retórica que normalmente se fazem ou se ouvem quando a brutalidade de um acidente ou de uma doença nos entra pelo coração adentro sem prevenir nem pedir licença.
Sim, porque alguém tem de ser responsabilizado por aquilo que ultrapassa a nossa lógica, nos fere tão profundamente e ultraja o nosso conceito de justiça.
Afinal somos todos peões. Afinal somos todos iguais. Afinal somos todos seres humanos. Afinal não é só aos outros que o mal acontece. Afinal onde está (estava) Deus?
“O mal, o sofrimento e a doença fazem parte de nosso quotidiano. As injustiças, a fome e a dor são tão frequentes no nosso mundo que parecem ser normais e obrigatórias. Se fôssemos colocar numa biblioteca todos os livros já escritos para tentar explicar o porquê dessa realidade, ficaríamos surpreendidos com a sua quantidade.
Para o cristão, mais do que um culpado, o mal tem uma causa: a liberdade. Fomos criados livres, com a possibilidade de escolher os nossos caminhos. Podemos, pois, fazer tanto o bem quanto o mal. Se não tivéssemos inteligência e vontade, não existiria o mal no mundo; se fossemos meros robots, também não. Por outro lado, sem liberdade não haveria o bem e nem saberíamos o que é um gesto de amor. Também não conheceríamos o sentido de palavras como gratidão, amizade, solidariedade e lealdade.”[1]
Ou seja, a culpa é da liberdade; essa rainha do absoluto que somos. E daí a nossa responsabilidade inata. Somos responsáveis porque somos seres livres.
Ou seja, a culpa não é de ninguém mas a razão da nossa existência resulta da essência da grandeza do nosso ser.
O título deste texto – O problema do mal – é o mesmo do artigo citado embora, na verdade e em consequência do acima referido devesse ser: O problema da liberdade; ou o problema da existência e aquilo que dela e com ela fazemos.
Todo este arrazoado foi-me suscitado por, mais uma vez, ter visto uma entrevista a uma ex-toxicodependente durante a qual a sua ex-dependência foi sempre tratada por doença. Isto é, ela foi uma doente e venceu a doença. Ela foi uma vítima que se libertou da caverna escura para onde tinha sido arrastada por um qualquer tipo de propensão ou queda inscrita no seu ADN.
Esta visão é um absurdo paradoxo. Enquanto aquela mulher esteve viciada num tóxico qualquer era doente sem capacidade nem responsabilidade. Dito de outra forma: não tinha culpa. Uma vez liberta dessa dependência, foi pela sua força de vontade e de querer ser livre que venceu a doença de que não teve culpa.
Não, não estou de acordo. Sem o conceito de culpa onde está a nossa liberdade de escolha? Sem culpa nunca haverá culpados. Sem o conceito de vício não há hábitos maus. Se eu não ofendo a minha dignidade humana; se eu não tenho culpa, se não sou responsável; se não tenho obrigações; então também não tenho direitos incluindo o direito à liberdade.
Livre arbítrio; ofensa; culpa; perdão: é esta a tetralogia da história de cada um e de toda a humanidade que nos diferencia dos cães.
Afonso Cabral
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