15/11/2011

Novíssimos - Juízo Particular 9

Julgamento de Fernando – sacerdote [i]

Não obstante todos os avisos de Jácome o sacristão, Fernando resolvera subir à torre sineira para ver qual era o problema com o grande sino que, ultimamente, soava de um modo estranho.
Até chegar ao último patamar da escada em caracol os sucessivos lanços tinham sido ultrapassados sem grande dificuldade.

Agora os seus quase oitenta anos faziam-se sentir no cansaço e, sobretudo, nas dores nas pernas.

Olhou para cima para o que faltava subir até às grossas vigas de madeira que suportavam o carrilhão e pensou que, talvez, fosse melhor desistir. É que o acesso embora de uns escassos quatro ou cinco metros era feito por uma escada de madeira, tipo escada de pedreiro, sem qualquer protecção lateral.

Mas o Padre Fernando era teimoso e como também não queria dar uma satisfação ao sacristão, tão teimoso como ele, decidiu-se a trepar por ali acima.

Devagar e com precaução redobrada lá foi subindo a custo até conseguir chegar ao vigamento.
Dali via bem o grande sino e percebeu logo a causa do tal som estranho: uma massa de paus, musgo, folhas e penas estavam agarradas ao olhal onde o sino se pendurava no grande gancho pendente numa grossa viga de madeira.

Claro! Uma coruja resolvera fazer ali o ninho! Como era possível!

A coisa parecia fácil de resolver e, em equilíbrio instável lá caminhou pelo vigamento até ao grande sino.
Com uma ripa de madeira que ali esta abandonada deu uma pancada forte no ninho da coruja para o derrubar.

A coruja estava no ninho - pois claro, era dia - e ao sentir o "assalto" ao seu lugar privativo lançou-se num voo picado soltando um pio lancinante.
Apanhado de surpresa o Sacerdote desequilibrou-se e despencou por ali abaixo.

A alma de Fernando sabia muito bem que o extraordinário Ser que estivera a relatar os derradeiros momentos da sua vida era o seu Anjo da Guarda.
Imaginara-o tantas vezes e, agora, face a face, reconhecia que nunca tivera sequer uma pálida imagem da maravilha que contemplava.

O Anjo prosseguia:

"O Fernando foi um Sacerdote muito zeloso do seu ministério, construiu um Centro de Dia para os idosos da sua paróquia, um Dispensário para os doentes pobres, uma Creche infantil, uma capela mortuária condigna, fez melhoramentos de vulto na Igreja, fundou um grupo de Escuteiros e uma Conferência de Vicentinos, criou um grupo coral de gabarito...

O Juiz interrompeu:

"Sim, tudo obras e mais obras de carácter social, sem dúvida meritórias…
Mas...
O seu munus sacerdotal?
Quanto tempo dedicava por dia... por semana ou... mensalmente ao confessionário?
E a atender espiritualmente os jovens que o procuravam?
E quanto tempo dedicava à oração diária?
E o estudo ou mesmo simples leitura dos Textos Sagrados e do Magistério?
E as mortificações sobretudo na comida e bebida?
Sim... parece que o Meu Sacerdote Fernando foi muito activo em obras sociais e um excelente gestor mas..."

Antes que o Anjo pudesse responder uma voz claríssima, cristalina, suave e terna que Fernando atribuiu imediatamente à Santíssima Virgem, fez-se ouvir:

"Todos os anos o Fernando organizava e dirigia uma peregrinação da sua paróquia a Fátima."

O Juiz disse então:

"Como em Caná da Galileia fiz o que me pediu, faça-se agora como a Minha Mãe desejar".
ama, Novíssimos 2011.11.15


[i] Levanta-se a questão da vida para além da morte. É uma das grandes interrogações que alguma vez durante a sua vida o homem se coloca.
É natural porque o ser humano é dotado de espírito, alma, que tem preocupações mais para além do imediatamente sensível.
Para os cristãos a segurança da Fé fá-los compreender que está destinado à eternidade, ou seja, embora o corpo pereça e acabe a vida terrena, a sua alma não morrerá jamais e, naturalmente, tende a voltar para o seu Criador, Deus.
Sim... a lógica propõe o que a fé garante, porque não se concebe o Criador abandonar a criatura a um desaparecimento puro e simples.
O restante do problema é o que se refere ao "destino" da alma e que é "marcado" na conclusão do juízo a que é sujeita pelo próprio Criador, logo que, após a separação do corpo, se apresenta perante Si.
No imaginário livro da vida, ao contrário do que que é mais comum, não existem colunas de "deve" e "haver" onde é feita uma espécie de contabilidade, não! O que existe é uma lista completa dos bens recebidos em vida, os dons, graças, auxílios, inspirações e meios com que o Senhor foi dotando cada um de forma especial e única.
Cada ser humano recebe um "pacote" específico, para si em exclusivo.
Deus Nosso Senhor não dispensa os Seus benefícios adrede ou de uma forma sistemática ou mecânica. Cada ser humano é objecto de atenção exclusiva e única por parte do Criador que lhe concede os Seus dons e benefícios conforme a Sua Soberana Vontade determina.
Esta misteriosa magnitude de Deus tem uma razão de ser.
O homem não é capaz por si mesmo de evoluir, de melhorar sem que um estímulo o leve a tal.
Este estímulo surge exactamente no estreitamento das suas relações com Deus.
Quanto mais se relaciona mais recebe e, quanto mais se recebe mais se deseja intimar com Deus.
Por isso no Evangelho consta «àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga ter, lhe será tirado» Lc 8, 16-18.

Para chegar a Deus, o caminho seguro, é Maria Sua e nossa Mãe! 

Sancta Maria iter para tutum! (Santa Maria, prepara-me um caminho seguro)

1 comentário:

  1. Tão simples e no entanto complicamos tanto.

    Se o Juizo fosse severo e carregado de leis e normas, "escritas" por Deus, quem se salvaria?

    À lei do Seu amor, juntou Deus a Sua infinita Misericórdia.

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