05/11/2011

É o sacramento da penitência necessário para a salvação?

Jesus e Zaqueu,
mosaico na Basílica de São Marcos, Veneza

Parece que este sacramento não é necessário para a salvação:

1. Com efeito, sobre estas palavras do salmista: “Quem semeou nas lágrimas etc.” (Sl 125, 5), comenta a Glosa: “Não fiques triste, se tens boa vontade, porque então se colhe a paz”. Ora, a tristeza pertence à natureza da penitência, conforme o dito de Paulo: “Pois a tristeza segundo Deus produz um arrependimento que conduz à salvação”. Logo, a boa vontade, sem a penitência, é suficiente para a salvação.

2. Além disso, lê-se no livro dos Provérbios: “O amor encobre todas as faltas” (10, 12) e mais abaixo: “A misericórdia e a fé apagam os pecados” (15, 27). Ora, este sacramento só existe para apagar os pecados. Logo, tendo caridade, fé e misericórdia, qualquer um pode alcançar a salvação, mesmo sem o sacramento da Penitência.

3. Ademais, os sacramentos da Igreja foram instituídos por Cristo. Ora, lê-se que Cristo perdoou a mulher adúltera sem penitência. Logo, parece que a penitência não é necessária para a salvação.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor diz: “Se vós não fizerdes penitência, vós todos perecereis igualmente” (Lc 13, 5).
Algo é necessário para a salvação de duas maneiras: de maneira absoluta e de maneira condicional. É absolutamente necessário para a salvação aquilo sem o que ninguém pode alcançar a salvação, como a graça de Cristo, o sacramento do Baptismo, pelo qual se renasce em Cristo. O sacramento da Penitência é necessário sob condição, já que não é necessário para todos, mas somente para os que estão sob o jugo do pecado. Pois, lê-se no livro dos Paralipómenos: “Tu, Senhor, Deus dos justos, tu não instituíste a penitência para os justos Abraão, Isaac e Jacob, para estes que não te ofenderam”.
Mas “o pecado, tendo sido consumado, gera a morte”, diz a Carta de Tiago. Por isso, é necessário para a salvação do pecador que ele seja libertado do pecado. Isto não pode ser feito sem o sacramento da penitência, no qual actua o poder da paixão de Cristo por meio da absolvição do sacerdote juntamente com o ato do penitente, que coopera com a graça para a destruição do pecado, como, aliás, ensina Agostinho: “Quem te criou sem ti, não te justificará sem ti”. Daí se segue com evidência que o sacramento da penitência é necessário para a salvação depois do pecado, assim como o remédio corporal para o homem que caiu em uma doença grave.
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Esta glosa deve ser entendida daqueles que têm boa vontade não interrompida pelo pecado. Com efeito, estes não têm motivo de tristeza. Mas, caso a boa vontade seja suprimida pelo pecado, ela não pode ser restituída sem tristeza, pela qual alguém se dói do pecado passado. Isso faz parte da penitência.
2. Desde que alguém incorra em pecado, a caridade, a fé e a misericórdia não o livram do pecado sem a penitência. Com efeito, requer a caridade que o homem sinta a dor de ter ofendido a um amigo e que se empenhe em reconciliar-se com ele. Requer também a própria fé que ele, pelo poder da paixão de Cristo, que actua nos sacramentos da Igreja, procure justificar-se dos pecados. Requer também a misericórdia que o homem, fazendo penitência, remedeie a miséria, em que caiu pelo pecado, conforme o dito dos Provérbios: “O pecado é a vergonha das nações” (14, 34). Por isso, consta no livro do Eclesiástico: “Tem compaixão de tua alma agradando a Deus” (30, 34).
3. Pertenceu ao poder superior, que só Cristo teve, como se disse acima (q.64 a>4), conceder o efeito do sacramento da penitência, que é a remissão dos pecados, à mulher adúltera sem o sacramento da penitência, ainda que não sem a penitência interior, que ele operou nela pela graça.

Suma Teológica III, q.84, a.5

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